Acórdão nº 02349/06.0BELSB 0570/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

RECURSO JURISDICIONAL DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Central Administrativo Norte .

de 26 de Janeiro de 2018 Negou provimento ao recurso mantendo a improcedência da acção.

Acordam nesta Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: NETSAÚDE - Gestão e Prestação de Serviços de Saúde, Via Internet, S.A.

, veio interpor o presente recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte supra referenciado, que, negando provimento ao recurso, decidiu manter a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 14/03/2017, a qual julgou improcedente a acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, que a recorrente intentara contra o Estado Português, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: 1. Com efeito, tendo o Ac. Recorrido reconhecido e declarado não só a existência de um contrato celebrado entre as partes, bem como o seu incumprimento definitivo por parte do Estado Português para, depois, julgar totalmente improcedente o recurso apresentado pela Recorrente, quando o primeiro pedido formulado na petição inicial consiste precisamente em ver declarado esse incumprimento por parte do Réu ao referido contrato, tal decisão configura um claro erro de julgamento na aplicação do direito.

  1. A sindicância de erro ostensivo na aplicação do direito, é fundamento para o recurso de revista a que alude o art.º 150º do CPTA, porquanto o recurso se mostra absolutamente necessário para a sua reparação e para a melhor aplicação do direito.

    Sem prescindir, 3. A questão concreta de saber se ao tribunal se impõe a obrigação de condenar o réu quando o autor demonstra a existência de danos sem, contudo, demonstrar a sua quantificação ou liquidação, mesmo quando deduz pedido concreto e determinado, é uma questão processual de importância fundamental, legitimando, por isso, a interposição de recurso de revista do Acórdão do TACN que julgue em 2ª instância, o qual se justifica até para uma melhor aplicação do direito.

  2. Pelo que o recurso de revista no presente caso é plenamente justificado e admissível, atendendo à importância jurídica fundamental da questão e à clara necessidade de melhor aplicação do direito a esse propósito face à aparente inconsistência sobre um aspecto nuclear da controvérsia jurisprudencial existente.

  3. O tribunal está vinculado à apreciação do pedido formulado pelas partes, não podendo deixar de se pronunciar sobre o pedido que concretamente lhe for formulado, julgando e decidindo todas as questões conforme julgar de direito.

  4. Tendo a Autora/Recorrente formulado um pedido concreto no sentido de ver declarado em sentença que “… o Ministério da Saúde não cumpriu os compromissos decorrentes do Protocolo celebrado, em 2003.04.28, com a Demandante, em termos tais que ofendem o princípio da boa fé na formação dos contratos…”, uma vez reconhecido e julgado que o Réu/Recorrido incumpriu o contrato e que esse incumprimento até assumiu carácter de incumprimento definitivo, impunha-se então julgar procedente este concreto pedido formulado.

  5. Não o fazendo, como sucedeu, o Acórdão recorrido não atendeu ao petitório da Autora, pois deveria ter julgado o Recurso de Apelação interposto, pelo menos sobre este concreto pedido, como procedente por provado e, consequentemente, determinado a revogação parcial da sentença recorrida, por forma a julgar procedente o pedido da declaração do incumprimento do réu, decidindo, assim, uma questão que concretamente lhe tinha sido submetida à sua apreciação.

  6. Ao decidir diferentemente, o Acórdão recorrido violou o direito processual aplicável, nomeadamente o disposto pelo art.º 555º/n.º 1 e 608º/n.º 2 do CPC.

    Novamente sem prescindir, 9. No parágrafo 55 da matéria de facto constante do relatório da motivação do Ac. do TACN ora recorrido, vem integrada a seguinte matéria julgada provada:

    a) Procedeu à reescrita de todo o código para o sistema operativo Windows Mobile – contando para tanto com o apoio da A…………….. Lda. [Microsoft] – com vista a facultar o acesso também sobre PDA; b) Desenvolveu o software necessário para incluir na oferta as redes móveis TMN e Optimus que aderiram ao projecto; c) Manteve em funcionamento, actualizada e com superior nível de qualidade, a solução Netmed (Netmédico e Netmédico-público); d) Se preparou para o volume de informação que teria de processar e a gerir, para o teve de desenvolver o adequado software e de alojar as aplicações e as bases de dados em servidores de alta segurança e performance; e) Desenvolveu as diligências necessárias à comunicação entre o SINUS e o SONHO (sistemas informáticos do Ministério da Saúde e do IGIF) e o Netmédico; f) Facultou ao Ministério da Saúde o acesso, via SMS, à rede universal dos médicos aderentes ao Netmédico, solução que concebeu e desenvolveu; g) Manteve em funcionamento, sem quebra de qualidade, todos os seus serviços, apesar da impossibilidade prática de angariação de novos clientes e de manutenção dos existentes, no termo dos períodos contratuais em curso.

  7. Consta ainda, sob o parágrafo 56, como provado que a Autora/Recorrente desenvolveu ainda, no âmbito de melhoramentos introduzidos no Netmédico, uma tecnologia de caneta e papel digitais, como variante para o registo de dados – nomeadamente, da prescrição de medicamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica.

  8. Ou seja, ficou demonstrado que a Autora no âmbito da execução do contrato protocolado com o Ministério da Saúde efectuou investimentos que se traduziram no desenvolvimento de tecnologias digitais e de programação específica para essas funcionalidades.

  9. Também resultou provado, face ao teor da matéria de facto contida no parágrafo 46 da matéria de facto julgada provada que a empresa B……………. Lda. representava uma oportunidade de negócio para um alvo de 4.000 a 5.000 médicos, e que a B………. Genéricos solicitou a revogação de um contrato já celebrado no valor de 467.856,00 €.

  10. Ficou igualmente julgada por provada factualidade que, em virtude do incumprimento do Réu levou a Autora (vide Parágrafo 59 e 60 da motivação do Ac. Recorrido) a encerrar os escritórios de Lisboa e do Porto, a desligar os sistemas informáticos e a rescindir a quase totalidade dos contratos com os seus colaboradores.

  11. Ou seja, resultou demonstrado que a Autora sofreu variados danos patrimoniais, sejam com os investimentos na criação do Software quer com a abertura, manutenção e encerramento de escritórios em Lisboa e no Porto, quer com a celebração de contratos com colaboradores e a sua rescisão.

  12. O que não resultou, contudo, demonstrado, foi o valor destes danos, ou seja, que custos suportou a Autora, mas nem por isso ela deixou de efectivamente suportar esses mesmos danos.

  13. Ora, vem sendo entendimento corrente no seio da jurisprudência que, mesmo que o autor tenha feito um pedido específico, a sua quantificação poderá ser relegada para liquidação em execução de sentença, caso não se tenha apurado o montante na acção, desde que nesta se tenha comprovado a existência de danos.

  14. Justamente o que sucede in casu, pois entendendo o Tribunal Recorrido não ser possível quantificar nesta sede, por falta de prova, o valor concreto dos danos sofridos pela Recorrente, então deveria ter condenado nos termos do disposto pelo artigo 609º, n.º 2 do CPC, remetendo a sua liquidação para execução de sentença.

  15. O Acórdão recorrido, nos termos dos erros e vícios que se vêm de descrever, violou o disposto nos artºs 562º do C. Civil, bem como o disposto no art.º 609º, nº 2 do Cód. Proc. Civil.

  16. Assim, deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por nova decisão que julgue procedente a acção, condenando-se o Recorrido a indemnizar a Recorrente pelos prejuízos sofridos que se vierem a liquidar-se em execução de sentença.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, revogada a decisão recorrida, substituindo-a por uma outra que, julgando a sua procedência, declare o incumprimento do Recorrido e o condene na obrigação de indemnizar a Recorrente em montante a liquidar na execução de sentença.

    Pelo Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado Português, foram apresentadas contra-alegações e formulado pedido, a título subsidiário, de ampliação do objecto do recurso que encerram com as seguintes conclusões: I) O Ministério da saúde cumpriu a obrigação de apoiar as candidaturas ao Programa «Saúde XXI», não se mostrando, atentos os factos apurados, que, alguma vez, o Ministério da Saúde tivesse manifestado às «ARS’s» vontade de abandonar os compromissos assumidos no Protocolo.

    II) Como não existia uma relação hierárquica entre o Ministério da Saúde e cada uma das ARS’s, mas sim de tutela, o Ministério da Saúde não podia comprometer-se a mais no protocolo, do que se comprometeu: apoiar as candidaturas das ARS’s”, como efectivamente o fez.

    III) Assim, o Acórdão recorrido errou ao considerar que o Ministério da Saúde incumpriu o compromisso assumido, pois tal não resulta do probatório, violando o disposto no art° 607, n° 4 do CPC.

    IV) O Protocolo consistiu numa assumpção de responsabilidades intencionais de parte a parte atentas as obrigações aí assumidas, sendo a solução preconizada pela Autora com o seu projecto «Netmed», apenas e tão só, um projecto ou modelo a estudar.

    V) Na verdade, o que resulta desse Protocolo é que o Ministério da Saúde se comprometeu, não a celebrar qualquer contrato com a «NETSAÚDE», mas apenas a apoiar uma candidatura das ARS a um financiamento ao programa Saúde XXI, o que efectivamente fez.

    VI) O Protocolo não encerrava em si mesmo um dever juridicamente tutelado, pelo que, ainda que o Ministério da Saúde o tivesse incumprido (o que não se aceita) não ficaria constituído na obrigação de indemnizar.

    VII) O Ministério da Saúde, atento o teor do Protocolo, não se obrigou a celebrar com a Autora qualquer contrato (de contornos indefinidos), o que se mostra logicamente compreensível...

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