Acórdão nº 02638/16.5BELRS 0306/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução09 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. A………. Idec International GMBH, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial, vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, apresentando para o efeito alegações com as seguintes conclusões: “Do registo de IVA como ponto de partida A.

    Não se pode exorbitar de um simples registo de IVA, necessário para dar cumprimento às obrigações declarativas e de entrega de imposto (quando aplicável) num território diverso do da residência, para a existência de um estabelecimento estável.

    1. Se assim for, o cumprimento de obrigações exigidas pelo legislador europeu para efeitos de controlo da liquidação e arrecadação do IVA, nas transações realizadas entre diferentes Estados-Membros, converte-se, de forma indevida e à margem do propósito legislativo subjacente à medida, num instrumento de tributação do rendimento.

    2. Foi aliás o próprio legislador europeu a precaver esta hipótese no artigo 11.º n.° 3, do Regulamento de Execução (UE) n.° 282/2011, de 15 de março de 2011, de acordo com o qual “O facto de dispor de um número de identificação IVA não é em si mesmo suficiente para se considerar que o sujeito passivo dispõe de um estabelecimento estável.

    3. A própria AT não ignora a ilegalidade da prática de equiparar um registo de IVA a um estabelecimento estável, conforme as informações vinculativas melhor identificadas nos artigos 106° 108.° e 109.º da petição inicial.

      Da inexistência de estabelecimento estável E. A demonstração do preenchimento de todos os critérios de um estabelecimento estável, seja qual for a forma que reveste, compete à AT por se tratar de um facto constitutivo do seu direito de tributar, conforme a regra geral em matéria de ónus da prova no direito fiscal do artigo 74°, n.° 1, da LGT.

    4. Esse ónus probatório não pode, contudo, considerar-se satisfeito com a referência ao clausulado dos contratos de comissão e de distribuição sem a necessária análise às relações comerciais realmente existentes.

    5. Estar-se-á, neste caso, a sujeitar a tributação com base em meros indícios, o que não se compagina com o princípio da legalidade tributária, ou a considerar — erradamente — que as situações descritas nos n.°s 2, 3, 5 e 6, do artigo 5°, da Convenção Modelo constituem presunções de estabelecimentos estáveis; o que representaria uma subversão do conceito e inverteria — também incorretamente — as regras de distribuição do ónus da prova.

    6. Não se pode entender que existe (ou existia) um estabelecimento estável da Recorrente em Portugal quando inexiste qualquer relação, seja jurídica ou comercial, dos clientes finais com a Recorrente.

      I. Mesmo que no, caso concreto se possa — mas sem conceder — que existia uma certa dependência económica do agente em relação à empresa, seria em si mesma — ou seja, isoladamente de outros fatores relevantes — insuficiente para caracterizar um agente dependente.

    7. Não há nenhuma demonstração, no plano dos factos, de que em algum momento de 2010 a Recorrente efetivamente instruiu a A………… Portugal de tal modo que a margem de liberdade desta na condução da venda dos fármacos foi comprimida a ponto de ser ínfima ou até inexistente (cf. § 38 dos Comentários ao artigo 5° da Convenção Modelo).

      K.

      In casu as “instruções detalhadas” diziam respeito, no essencial, às vendas, pelo que a A………. Portugal gozava de liberdade de gestão, podia selecionar e contratar colaboradores e fornecedores sem aprovação da empresa, e elaborar contratos em nome próprio no gozo da mais plena autonomia privada.

      L. Ora, se numa situação em que a empresa não residente controla a seleção das matérias-primas, todo o processo de produção, os tempos de fabrico e entrega, o inventário e a logística — caso subjacente à ficha doutrinária emitida no processo n.°2015 003789, sancionada por despacho da Diretora-Geral da AT de 30 de março de 2017 — a AT considerou que ainda havia uma margem de liberdade do agente que lhe conferia independência, a mesma solução se impunha para a hipótese — caso sub judice — em que as únicas instruções da empresa dizem respeito à venda dos produtos.

    8. Acresce que o Tribunal a quo não explica de onde emerge, em concreto, a pretensa “vinculação significativa e acrescida” da Recorrente em relação aos atos e negócios praticados pela A……… Portugal.

    9. Parece haver aqui uma confusão entre dois planos ou requisitos: o da independência e o dos poderes para celebrar contratos em nome da empresa, tendo o julgador utilizado indícios relevantes para o primeiro para dar o segundo por confirmado.

    10. Não há prova de que a A…….. Portugal tinha a obrigação (contratual ou não) de informar a Recorrente de todo e qualquer negócio celebrado em nome próprio — como eram todos, recorde-se.

    11. Tinha o dever de informar apenas o volume da sua atividade e os termos e condições acordados com os compradores (cfr. probatório e cláusulas 3.4 e 6.1 do contrato de comissão).

    12. Relativamente à cláusula 6.2 do contrato de comissão, ao contrário do que a sentença poderia fazer crer, esta cláusula, atentamente lida, não significa que é exigido à A………. Portugal que solicite uma autorização prévia à Recorrente para cobrar o preço dos fármacos que vende em seu próprio nome aos clientes locais.

    13. De resto, não ficou provado, nem mesmo de forma indiciária, que a A………. Portugal tenha alguma vez celebrado contratos, em especial de venda dos fármacos, em nome — na aceção literal do termo — da empresa não residente.

    14. A conclusão da AT, que o Tribunal a quo sufragou, deriva de uma omissão ou, pelo menos, análise distorcida da “situação comercial efetiva” (cf. § 33 dos Comentários ao artigo 5.° da Convenção Modelo), na medida em que se olhou apenas ao clausulado do contrato p daí retirar ilações sem o indispensável suporte de factos concretos T. Do mesmo passo, uma vez que a norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 7.°, n.° 1, e 5.°, n.° 4, da CDT é uma norma excecional, é vedada a respetiva integração analógica em caso de lacuna (a admitir-se que a mera menção à celebração de contratos em ‘nome de” deve ser entendida como lacuna), não podendo uma eventual interpretação extensiva assentar num entendimento sem qualquer apoio no texto da lei (cf. artigo 11.º do Código Civil).

    15. E sempre, se refira que, se a mencionada norma fosse interna, estaria abrangida pela reserva de lei da Assembleia da República, nos termos da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição e pelo princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 1, do artigo 8.º, da LGT, porquanto é uma norma de incidência subjetiva de imposto.

      V. Bem se vê, portanto, que de lado algum se podia detetar um estabelecimento estável in casu, porquanto não estava a A………. Portugal autorizada a celebrar contratos em nome da Recorrente nem a vinculá-la para quaisquer efeitos.

      Da jurisprudência internacional W. No plano internacional, tanto o Conseil d’État francês, em decisão datada de 31 de março de 2010 (“caso Zimmer”), como o Supremo Tribunal da Noruega na decisão proferida em 2 de dezembro de 2011, no processo n.° 2011/755 (“caso Dell”), concluíram que o comissário/agente só poderia constituir um estabelecimento estável se contratualmente pudesse vincular o comitente.

      X. Assim decidiram, em primeiro lugar, porque as expressões “atue por conta de uma empresa” e “tenha, e habitualmente exerça, num Estado Contratante poderes para concluir contratos em nome da empresa” sugerem que os contratos celebrados pelo comissário devem ser legalmente vinculativos para o comitente.

    16. Em segundo lugar, porque o § 32.1 dos Comentários ao artigo 5.° da Convenção Modelo foi introduzido sob a perspetiva do sistema de common law ou de matriz anglo-saxónica, o qual não releva para os sistemas de matriz continental — tal como o nosso.

    17. O Supremo Tribunal da Noruega teve ainda em conta que a adoção de uma perspetiva diversa da legalista ou formalista — como a do Mmo. Juiz a quo — poderia introduzir dificuldades práticas e técnicas e a incerteza na aplicação de um critério uniforme a outros acordos da mesma natureza.

      AA. Na mesma linha foi a Corte Suprema di Cassazione italiana na decisão proferida em 9 de março de 2012 no processo n.° 3769 (Boston Scientific International BV), que afastou abordagem “substancialista” preconizada pela AT no caso sub judice porque o suposto agente atuava em nome próprio e não vinculava a empresa não residente (comitente) perante os clientes finais.

      BB. A orientação dos tribunais estrangeiros nestes casos é transponível para o presente na medida em que, entre nós, tal como em França, na Noruega e em Itália, a representação não assume a natureza unitária que tem no sistema de common Iaw, em que o mandante/comitente sempre se considera vinculado, independentemente de o mandatário/comissário celebrar contratos em nome próprio ou não.

      CC. No caso concreto, quem se vincula perante os clientes finais pela venda dos fármacos fornecidos pela Recorrente é somente a A……… Portugal e esta “não tem o direito nem a autoridade para assumir ou criar qualquer obrigação de qualquer tipo, expressa ou implícita, em nome do COMITENTE” (cf. cláusulas 2.1 e 2.2 do contrato de comissão, alínea f) dos factos provados, p. 5).

      DD. Ora, se um agente/comissário não tem, contratualmente poderes para vincular o comitente perante terceiros, o intérprete não pode socorrer-se de elementos externos — como sejam o nível de dependência do agente em relação à empresa — para daí retirar uma vinculação jurídica do comitente cuja existência o contrato exclui.

      Do erro de julgamento relativo ao apuramento do lucro tributável imputável à Recorrente enquanto (suposto) estabelecimento estável - Da não aplicação das regras de preços de transferência na determinação do lucro tributável imputável ao pretenso estabelecimento estável da Recorrente e violação do princípio da não discriminação EE. Mesmo que se entendesse que os rendimentos obtidos em Portugal pela Recorrente deveriam ser objeto de tributação no nosso País...

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