Acórdão nº 3722/16.0T8BG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2019

Data03 Outubro 2019
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA e marido, BB, residentes na Travessa do …, n° 11, União das Freguesias de … e …, …, intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra CC e mulher, DD, residentes na mesma Travessa da …, nº 3, União das Freguesias de … e …, …, tendo formulado os seguintes pedidos: 1) que se declare e reconheça que os demandantes são donos e legítimos possuidores do prédio urbano identificado no artigo 1° desta petição inicial, bem como do muro divisório por si construído, identificado no artigo 15°, e que delimita este prédio do prédio urbano dos demandados, identificado no artigo 9°; 2) a condenação dos demandados retirar, do topo do muro divisório de ambos os prédios urbanos, as chapas metálicas e o cimento que a este as liga ou sela, na parte coberta daquele anexo; 3) a condenação dos demandados a retirar, ao longo da base do muro divisório dos prédios das partes, as tubagens que aí colocaram, nomeadamente para condução de fios elétricos e para água e que a este selaram com cimento; 4) que se declare e reconheça que os demandados no seu anexo, quer na parte coberta, quer na parte descoberta, com a sua atividade de criação e recolha de quaisquer animais, nomeadamente galinhas e coelhos, produzem dejetos, excrementos e detritos, cujos cheiros, vapores e odores, nauseabundos, se espalham na atmosfera e atingem as pessoas dos demandantes, seus filhos e quaisquer pessoas que frequentem a sua casa, bem como o seu prédio urbano e o logradouro, causando um prejuízo substancial para o uso deste, que é o da habitação; 5) que se declare e reconheça que os demandados no seu anexo, quer na parte coberta, quer na parte descoberta, com a sua atividade de criação e recolha de quaisquer animais, nomeadamente galinhas, causam, de madrugada, ruídos estridentes, altos e repetidos que atingem as pessoas dos demandantes e seus filhos, causando um prejuízo substancial para o uso deste, que é o da habitação; 6) que se declare e reconheça que tais emissões violam quer o direito de propriedade dos demandantes sobre o seu prédio urbano, quer os seus direitos de personalidade dos demandantes, nomeadamente o direito à saúde, a um ambiente sadio, saudável e equilibrado, ao domicílio, à privacidade, ao repouso, sossego, tranquilidade e bem-estar; 7) a condenação dos demandados a cessarem, de uma forma imediata, eficaz e definitiva, com essa atividade de criação e recolha de animais, nomeadamente galinhas e coelhos, no aludido anexo, quer na parte coberta, quer na parte descoberta, de modo a que também cesse a violação dos seus aludidos direitos de personalidade, salvo se executarem obras que possam pôr termo a essas emissões; 8) a condenação dos demandados a pagar a cada um dos demandantes uma indemnização a título de danos não patrimoniais, cujo valor será liquidado em execução de sentença, em virtude de não se conhecerem em toda a sua extensão os danos causados; 9) a condenação dos demandados a absterem-se de praticar todo e qualquer ato que limite, afete ou perturbe os seus aludidos direitos de personalidade dos demandantes nomeadamente com a produção daquelas emissões.

Alegaram para tal que são proprietários do prédio urbano identificado no art. 1º da petição inicial, que adquiriam por doação e usucapião, prédio que se encontra inscrito no registo a seu favor, enquanto que os Réus são proprietários do prédio urbano contíguo àquele, situado a Sul, no qual estes últimos construíram um anexo, junto ao muro divisório e unido a este no topo e na sua base, para criação e recolha de animais, de onde provêm cheiros, vapores e odores nauseabundos, para além de barulhos estridentes e ensurdecedores.

Estes cheiros e barulhos não permitem que os Autores descansem e possam usufruir da sua habitação na sua plenitude, atentando contra os seus direitos de personalidade e provocando-lhes tristeza, humilhação e revolta, já que veem a sua privacidade diminuída e o seu domicílio invadido e conspurcado por odores e cheiros dificilmente suportáveis, que os levam a evitar levar a sua casa amigos ou familiares.

  1. Os réus contestaram, impugnando os factos alegados pelos autores, com exceção dos respeitantes à propriedade dos prédios, à existência do anexo para criação e recolha de animais e à sua ligação ao muro construído pelos autores, justificando-a com a intenção de conservar o próprio muro.

    Excecionaram o abuso de direito e invocaram que nesse anexo criam coelhos e galinhas em pequeníssimas quantidades, para consumo exclusivamente doméstico, tendo efetuado todas as obras recomendadas e sugeridas pelas autoridades municipais, pelo que não se verificam os cheios e ruídos alegados pelos autores, nem os atentados aos direitos de personalidade invocados pelos mesmos.

    Concluíram, pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

  2. Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.

  3. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão proferido em 14.03.2019, alterou a decisão sobre a matéria de facto e julgou parcialmente procedente a apelação, determinando que os réus removam as aves do local onde atualmente se encontram para local onde não perturbem o direito ao descanso dos autores e condenando os réus no pagamento aos autores de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 500,00€ (quinhentos euros) para cada um, confirmando no mais a decisão recorrida.

  4. Inconformados com esta decisão, dela interpuseram os réus recurso de revista, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: « 1. Estamos perante uma situação de Abuso de Direito! 2. O Douto Tribunal da Relação de Guimarães alterou a decisão proferida em matéria de facto, aditando os seguintes factos provados: “22 - As galinhas/galos dos RR., pelo menos 10, todas as manhãs, entre as 3 e as 5h, fazem barulho estridente que acorda os AA, interrompendo o seu descanso e não mais conseguindo adormecer de uma forma regeneradora, adequada e razoável.” “23 – “Os AA., por causa dos ruídos produzidos pelas referidas aves, várias vezes se levantam com sintomas de falta de repouso”.

  5. Trata-se de direitos de personalidade, ligados às relações de vizinhança sempre conexionadas com litígios respeitantes à violação daqueles direitos, em confronto com os direitos de propriedade.

  6. A nossa Constituição da República, nos seus artigos 64º e 66º, nº 1, consagra o direito à saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e...

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