Acórdão nº 17/19.1BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório Futebol .......... – Futebol SAD recorre do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto no dia 4.1.2019, que confirmou a decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datada de 14.2.2018, de rejeição liminar de recurso hierárquico impróprio, por extemporaneidade.

A entidade recorrida é a Federação Portuguesa de Futebol.

Nas alegações de recurso, a recorrente formula as seguintes conclusões: - I – i. «O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto de 04-01-2019, o qual confirmou o acórdão do Conselho de Disciplina de 14.02.2018 em que se julgou extemporâneo o recurso hierárquico interposto pela aqui recorrente, ii. Tal entendimento faz tábua rasa dos princípios mais básicos, pelos quais se deve reger o direito sancionatório disciplinar.

iii. Não obstante, a recorrente tenha recebido o Comunicado Oficial n.º ..... no dia l0-01-2018 e logo nessa data tenha diligenciado para obter os Relatórios de Jogo, apenas nos dias 11-01-2018 e 17-01-2018 é que recebeu os Relatórios de Jogo dos jogos ocorridos a 03-01-2018 e 07-01-2018, respetivamente.

iv. Só com a receção dos Relatórios de Jogo é que a recorrente podia ter conhecimento de todos os elementos probatórios que fundamentam as decisões condenatórias por que vinha condenada.

- II - v. Todos os factos preponderantes e determinantes para o sentido da decisão proferida pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF encontram-se vertidos nos relatórios que a recorrente apenas teve acesso a posteriori.

vi. Assim, só com o acesso por parte da recorrente a esse elemento probatório que sustenta a decisão do Conselho de Disciplina é que se pode considerar que a recorrida cumpriu com o dever de fundamentação, obrigatório nos atos administrativos que impõe sanções, vii. e por essa ordem de razões, só após o conhecimento desse elemento probatório é que o prazo para recurso pode começar a contar, porquanto só nesse momento é que a recorrente pode exercer cabalmente o seu direito de defesa.

viii. Atentando ao disposto nos arts. 114º, nº 2 e 153.º do CPA sempre se terá de considerar que os relatórios de jogo constituem parte integrante do ato, pelo que só quando notificado o arguido dos relatórios é que o ato administrativo se considera válido e completo.

ix. Ao ser assim, não se pode admitir, como admitiu o Tribunal a quo, que o termo inicial do prazo para recurso hierárquico se verifique ainda antes de um elemento integrante da decisão do Conselho de Disciplina da FPF, como são os relatórios oficiais de jogo (que, não raras vezes, constituem o único meio de prova), ser notificado ao arguido.

x. Mostra-se, além do mais, incongruente a posição adaptada, quer pela recorrida, quer pelo Tribunal a quo, visto que o elemento probatório que ambos consideram irrelevante, para efeitos de notificação da recorrente, é o mesmo que, nos termos do art. 13º, al f) do RD constitui uma presunção de veracidade do seu conteúdo.

xi. Assim, considerando o valor probatório reforçado do documento que se encontrava em falta, mais se impunha que o prazo apenas começasse a correr após a notificação do mesmo.

xii. Diga-se, em abono da verdade, que a posição da recorrida foi deveras surpreendente, porque contraditória com aquilo que vinha sendo a sua prática, sem que qualquer alteração normativa o justificasse.

xiii. Em acórdão proferido a 10-01-2017, no âmbito do processo disciplinar nº 10-16/17, havia a recorrida entendido que "No processo disciplinar envolvendo matéria sancionatória deve ser assegurado ao acusado/ sancionado todas as possibilidades de defesa e, em caso de recurso, as garantias necessárias para a sua possibilidade efetiva. Assim sendo, o prazo só começa a ser contado a partir do dia em que a recorrente pode iniciar a sua defesa em recurso”.

xiv. A assunção de uma posição contraditória, sem qualquer justificação para tal, conforma uma violação do princípio da confiança, corolário do Estado de Direito (art 2º da CRP).

xv. Assim, deve ser entendido que o prazo para recurso apenas começou a contar no dia 12-01 -2018, para o jogo entre o CD .......... e o FC ....., e no dia 18-01-2018, para o jogo entre o FC ..... e o ..... SC.

- III - xvi. Ao processo disciplinar aplicam-se os princípios do processo penal, estando assegurado, por via constitucional, a garantia do direito de defesa (art 32º, nº 10 da CRP).

xvii. Não se pode conceber o exercício do direito de defesa sem que o arguido tenha acesso a todos os elementos do processo disciplinar, nomeada e especialmente, os probatórios! xviii. O acesso aos relatórios de jogo permite, num primeiro momento, averiguar qual a viabilidade do recurso e, num segundo momento, qual(is) o(s) fundamento(s) por que se recorre.

xix. O próprio confronto entre a factualidade vertida nos ditos relatórios de jogo e a factualidade vertida no Comunicado oficial, depende do prévio acesso aos relatórios de jogo.

xx. Não se podendo, por isso, conceber que o arguido se baste com a factualidade descrita nos mapas de decisões de processos sumários que são notificados aos clubes.

xxi. Ainda, em desfavor da tese da recorrida, repare-se que, não raras vezes, os relatórios oficiais padecem de invalidades que motivam uma alegação e estratégia de defesa totalmente díspar.

xxii. Por exemplo, a falta de assinatura do delegado ao jogo basta para que o relatório de jogo seja inválido e, consequentemente, não possa servir de suporte à decisão condenatória.

xxiii. E bem sabe a recorrida que assim é, pois que, no âmbito do processo nº 21-16/17, no acórdão de 14-02-2017, a recorrida revogou a decisão condenatória apenas e só por invalidade do relatório de jogo.

xxiv. Está, pois, a recorrida bem ciente da necessidade de acesso e conhecimento dos elementos probatórios, em especial dos relatórios oficiais de jogo, para o cabal exercício do direito de defesa por parte da recorrente.

xxv. Estando em causa o exercício do direito de defesa, porquanto se trata de matéria sancionatória, o termo inicial do prazo de recurso tem necessariamente de coincidir com o momento em que ao arguido estão garantidas todas as circunstâncias para que possa exercer cabalmente aquele seu direito fundamental de defesa (art. 32º, nº 10 da CRP). O que, in casu, só sucede quando a recorrente teve acesso aos Relatórios de Jogo (l l-01-2018 e l7-01-2018).

xxvi. Face a todo o exposto, impunha-se reconhecer a tempestividade do recurso hierárquico impróprio apresentado pela aqui recorrente e, por se mostrarem preenchidos todos os requisitos legais de que dependia a sua admissibilidade, remeter para o órgão competente o conhecimento e apreciação do seu objeto.

xxvii. Neste sentido, deve o acórdão recorrido ser revogado, com as devidas e legais consequências, o que se requer.

Sem prescindir.

- IV - xxviii. Impõe-se a revogação da decisão recorrida por se reputar como inconstitucional a norma do art. 292º, nº 1 do RD, interpretada no sentido de ao prazo de 5 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso aos elementos de prova, atuando com a diligência devida para os obter, por violação do art 32º, nº l0 da CRP.

xxix. Como bem ensina GOMES CANOTILILHO, o direito e as garantias de defesa engloba «todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação».

xxx. Num caso semelhante ao dos presentes autos, o Tribunal Constitucional já decidiu no sentido de julgar inconstitucional a norma do art. 411º, nº 1 do CPP, por violação do art. 32.º, nº 1 da CRP, interpretado no sentido de ao prazo de 15 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso às gravações da audiência, desde que se pretenda impugnar a matéria de facto e desde que o arguido atue com a diligência devida. (Ac. n.º 546/2006 do Tribunal Constitucional).

xxxi. Assim, e porque importa averiguar da factualidade vertida nos Relatórios de Jogo para que se defina a linha de defesa do arguido. também in casu deveria acrescer ao prazo de 5 dias, o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso aos elementos probatórios.

xxxii. Elemento probatório esse que se lhe associa uma presunção de veracidade do seu conteúdo e, por isso, se torna ainda mais essencial a avaliação desse mesmo documento.

xxxiii. Não pode a recorrida fazer crer que os Relatórios de Jogo são irrelevantes, quando, a maior parte das vezes - se não mesmo todas! - são o único meio de prova que sustenta a decisão condenatória.

xxxiv. Ainda para mais, quando a falta de elementos formais nesses relatórios de jogo podem acarretar a absolvição do arguido, como já sucedeu.

xxxv. Note-se que o Tribunal Constitucional tem tido como praxis decisória que o início da contagem do prazo, ocorre no dia em que o arguido, atuando diligentemente para aceder aos meios de prova que requisita e necessita, fica em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível da decisão impugnada.

xxxvi. Perante tudo quanto vem sendo exposto, deve entender-se que o art 292º- l do RD, interpretado no sentido dado pelo Tribunal a quo e pela...

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