Acórdão nº 441/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório H.......

, de nacionalidade congolesa, recorre da sentença proferida na presente instância, a 2.5.2019, que julgou improcedente a ação sobre o pedido de proteção internacional e absolveu o Ministério da Administração Interna do pedido.

O recorrente pede seja revogada a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, assente nas seguintes conclusões: 1) A sentença diz que a conduta administrativa não merece censura; 2) Não referindo qual das alíneas do art 19º da Lei nº 27/2008, de 30.6 se integra a conduta do recorrente; 3) A prova limita-se a dizer que o pedido de asilo do recorrente assenta em declarações incoerentes e contraditórias; 4) Sem referir porquê que as mesmas são contraditórias e incoerentes, situação que não é fundamentada.

5) Isto em violação do art 19º da Lei nº 27/2008, de 30.6.

6) Não resulta o recorrente com a sua conduta tenha violado qualquer norma do art 9º da Lei do Asilo.

7) Embora o recorrente não preencha os requisitos do art 3º da Lei do Asilo, ficou demonstrado que as autoridades policiais da RDC não se preocuparam com a situação que o afligia antes o perseguiram, inviabilizando qualquer hipótese de defesa dos seus direitos.

8) Ninguém desconhece que a RDC é um dos países com um dos mais baixos índices de democracia, 9) E, contrariamente a sentença, a violência neste país não é apenas direcionada aos líderes da oposição, jornalistas e ativistas de direitos humanos.

10) A sentença ao não apreciar o expendido nos arts 3º e 4º da petição inicial violou o disposto no art 7º, nº 1 da Lei do Asilo».

O recorrido apresentou contra-alegações fora de prazo que foram mandadas desentranhar.

A Exma. Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na integra a sentença recorrida.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Fundamentação de facto O Tribunal a quo, «tendo em conta a prova documental», deu como provados os factos que seguem: 1. «O A. foi intercetado pelos serviços do SEF no posto de fronteira no Aeroporto Humberto Delgado em 31 de janeiro de 2019, entre as 21h10m e as 21h54m, quando, vindo em aeronave proveniente de Maputo, no voo TP282, tentou entrar em território nacional - Cf. relatório de ocorrência de fls. 3 e ss. do p.a.1, ficha de interceção de fls. 7 e ss. do p.a. e e-mail de fls. 10 também do p.a.

  1. Aquando da interceção, o A. não possuía documento de viagem, tendo-se identificado verbalmente junto daqueles serviços como sendo H......., nascido em 13 de setembro de 1985, na República Democrática do Congo - Cf. relatório de ocorrência de fls 4. e ss. do p.a. e e-mail de 3. No dia 1 de fevereiro de 2019, pelas 2h57m, o A. foi informado da decisão de recusa da sua entrada em território nacional pelos serviços do SEF, tendo-se recusado a assinar o ofício intitulado «[n]otificação de Recusa de Entrada na Fronteira», onde se invoca como fundamento da recusa de entrada do A. a falta de documento de viagem válido - Cf. relatório de ocorrência de fls. 4 e ss. do p.a. e o dito ofício de fls. 12 e ss. do p.a.

  2. No dia mesmo 1 de fevereiro de 2019, pelas 10h00m, o A. apresentou um pedido de proteção internacional junto dos serviços do SEF - Cf. relato de ocorrência de fls. 4 e ss. do p.a., pedido de proteção internacional de fls. 27 do p.a. Cf. também, quanto ao tempo, ofício de fls. 30 do p.a. e EURODAC – Fingerprint Form de fls. 33 do p.a.

  3. Em 7 de fevereiro de 2019, o A. prestou, no âmbito do procedimento originado pelo pedido de proteção internacional, declarações junto dos serviços do SEF, tendo sido perguntado e respondido, além do mais, o seguinte: «(…) P. Tem algum documento que comprove a sua identidade? R. Não. Neste momento aqui não.

    1. Mas onde tem? Pode apresentá-los, ou cópia dos mesmos? R. Não consigo. A pessoa que me ajudou a viajar ficou com eles.

    2. Onde deixou os seus documentos com essa pessoa? R. Em Moçambique.

    3. Com que documentos ficou a pessoa que o ajudou a viajar? R. O passaporte Congolês.

    4. Com que documento viajou até Portugal? R. Não sei que documentos o senhor mostrou às autoridades para entrar no avião.

    5. Qual foi o percurso que efetuou desde a República Democrática do Congo (RDC) até Portugal? R. Da RDC fui de autocarro para o Zimbabué, e daí para Moçambique, também de autocarro. Depois vim de avião para Portugal.

    6. Parou em algum local esse voo? R. Não, foi direto.

    7. Quando deixou a RDC? R. A dez de novembro de 2018. Cheguei ao Zimbabué no dia 15 de novembro de 2018.

    8. E quando partiu para Moçambique? R. No dia dezoito de novembro saí e no dia 20 de novembro de 2018 cheguei a Moçambique.

    9. Viajou com alguém desde a RDC até Portugal? R. Não, viajei sozinho.

    10. Quando viajou para Portugal? R. No dia 02 de fevereiro de 2019.

    11. Ficou durante esse período em Moçambique, pouco mais de dois meses.

    12. Sim.

    13. Onde tratou da sua viagem para a Europa, com essa pessoa que o ajudou? R. Em Moçambique.

    14. Quando foi para Moçambique já era com o intuito de viajar para a Europa? R. Não, não era para ficar em Moçambique, não tenho lá família para me ajudar. Tenho um problema. Era para vir para a Europa.

    15. Tem família em Portugal? R. Não.

    16. Tem família na Europa? R. Na Bélgica.

    17. Quem tem na Bélgica? R. Uma prima. Filha de uma irmã do meu pai.

    18. Pode escrever o nome dessa prima? R. M…...

    19. A sua prima estava à sua espera? Ia ter com ela à Bélgica? R. Não.

    20. Então se não tem ninguém cá porque não ficou em Moçambique? R. Por causa do meu problema, em Moçambique não dava para ficar.

      (…) P. Tem filhos? R. Tenho uma filha.

    21. Que idade tem? R. Sete anos.

    22. Onde se encontra e com quem? R. Com a mãe dela, com quem mora.

      (…) R. Na RDC vivia onde? R. Em Kinshasa.

    23. Sempre viveu em Kinshasa, desde que nasceu? R. Sim, desde que nasci.

    24. Vivia com quem? R. Antigamente vivia com o meu pai. Depois ele faleceu e fiquei a viver sozinho.

    25. Quando morreu o seu pai? R. Em 20 de setembro de 2018.

    26. Tem outra família na RDC, para além da sua filha? R. A minha mãe, e dois irmãos, na província de Mbandaka.

    27. Não moravam consigo e o seu pai em Kinshasa? R. A minha mãe é dessa província, quando se divorciou do meu pai ela voltou para lá. Eu fiquei com o meu pai.

      (…) P. Antes desta viagem que o trouxe até à Europa, que iniciou em novembro de 2018, com passagem pelo Zimbabué e Moçambique, já tinha viajado para fora da RDC? R. Nunca.

    28. Porque razão abandonou a RDC? R. O meu problema é sobre a morte do meu pai. Depois da autópsia verificaram que o meu pai tinha sido envenenado. Quem fez isso era o patrão do meu pai. Eu queria que ele fosse castigado, ir na justiça pedir que fizessem o seu trabalho. Quando fui à polícia depositar a queixa, o patrão já tinha sido informado. Naquela mesma noite três homens vieram-me buscar para um sítio fora de Kinshasa, para uma casa onde fiquei dez dias. Essas pessoas disseram para eu parar com esse processo que eu queria iniciar sobre a morte do meu pai. Essas pessoas disseram que por o meu pai não ter obedecido às ordens do patrão, que tinha sido morto. Consegui saber que o meu pai tinha um problema com o estado. Eu concordei que não ia continuar a pedir justiça e eles libertaram-me. Disseram que se eu voltasse à polícia para a próxima não falavam comigo, matavam-me.

    29. Como sabe que o seu pai foi envenenado? Foi autopsiado por um médico? R. Sim. Foi autopsiado por um médico.

    30. Existiu um relatório de autópsia, foi-lhe entregue esse documento? R. Sim.

    31. Não tem esse documento ou cópia do mesmo? R. Não.

    32. Nesse documento dizia que o seu pai tinha sido envenenado? R. Sim. Assassinado.

    33. E então perante esse documento a polícia não iniciou de imediato uma investigação, perante tais factos? R. Sim. Mas só se eu fizesse queixa é que a polícia investigava.

    34. Na RDC um assassinato só é investigado se uma pessoa fizer queixa? R. Não, são obrigados a investigar, mas na minha terra se se tem dinheiro a polícia não faz nada.

    35. Que fazia o seu pai? R. Era técnico numa empresa.

    36. Em que empresa? R. Numa empresa de construção.

    37. Que fazia exatamente o seu pai? R. Ele trabalhava com...

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