Acórdão nº 2032/16.8T8STR.E1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução12 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Fábrica do Santuário BB, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quanta de € 135.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido em consequência do processo crime que a ora ré instaurou contra o autor, imputando-lhe a prática de crimes de injúria e de difamação agravada.

  1. Citada, a ré Fábrica do Santuário BB contestou, excecionando a sua ilegitimidade passiva e a prescrição do direito que o autor pretende fazer valer na presente ação.

  2. O autor respondeu, concluindo pela improcedência das invocadas exceções.

  3. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as invocadas exceções de ilegitimidade e de prescrição.

  4. Inconformada com esta decisão, na parte em julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade e de prescrição, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão proferido em 28.02.2019, julgou improcedente a invocada exceção de ilegitimidade e decidiu julgar procedente a exceção de prescrição e, em consequência, absolver a Ré Fábrica do Santuário BBdo pedido.

  5. Inconformado com este acórdão, o autor dele a interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1) O Recorrente intentou contra a Recorrida a presente ação cujo objeto do litígio centra-se na efetivação da responsabilização civil por facto ilícito, alegando o que supra se transcreveu; 2) A Recorrida contestou, tendo o Recorrente apresentado a sua resposta, alegando o que supra se transcreveu; 3) Foi proferido Despacho Saneador em que considerou a instância válida e regular, julgando improcedentes as exceções de ilegitimidade processual da Recorrida e de prescrição; 4) A Recorrida interpôs recurso do Despacho Saneador, tendo sido agora decidido, no Acórdão de que ora se recorre, o que supra se transcreveu; 5) Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com tal decisão; 6) Da verificação dos pressupostos da admissibilidade da Revista: Não subsistem dúvidas que se encontram cumpridos os critérios da alçada e da sucumbência que admitem a interposição do presente recurso de revista; 7) Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que, sucintamente, julgou procedente a exceção perentória da prescrição invocada em sede de recurso do Despacho Saneador de 21.02.2017, ao contrário do decidido pelo tribunal de 1ª instância; 8) Pelo disposto nos nº 1, do artigo 671º do NCPC e dispõe o disposto no nº 3, do artigo 671º do NCPC, o Acórdão ora recorrido não vem confirmar a decisão da 1ª instância, antes pelo contrário, veio decidir de forma divergente ao entendimento do tribunal a quo nos termos decisórios aí expressos e que aqui se dão por integralmente por reproduzidos para os devidos efeitos legais; 9) Inexistindo dupla conforme, deve o presente recurso ser admitido, o que, desde já e aqui, se requer, com todas as consequências legais daí resultantes; 10) Motivação: Salvo o devido respeito, que é muito, não poderá sufragar a apreciação jurídica realizada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora; 11) O entendimento patente no Acórdão recorrido conduz a soluções aberrantes, que põem em causa o bom funcionamento do sistema de justiça; 12) Sustenta o Venerando Tribunal que o prazo de prescrição de 3 anos para efeitos de prescrição deve contar-se a partir do conhecimento da acusação particular contra si deduzida pela ora Recorrida, o que, para além de não se compreender, é incoerente com o nosso sistema de Direito; 13) Pelo disposto no artigo 498º, n.º 1 do Código Civil, a expressão “conhecimento do direito” compreende o conhecimento do direito enquanto direito, ou seja, o conhecimento por parte do lesado de que se encontra juridicamente habilitado a exigir de terceiro o ressarcimento dos danos causados; 14) Assim defende a melhor doutrina, nomeadamente Vaz Serra, que responde à questão relativa ao conhecimento em causa, afirmando que “quem não tem esse conhecimento – entenda-se, de que o direito à indemnização é juridicamente fundado – não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo”[1]; 15) A razão da ilicitude dos atos que constituem a causa de pedir na presente ação reside no facto de o Autor/Recorrente não ter praticado os crimes de que foi acusado e pronunciado; 16) Só com o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo-crime é que ficou judicialmente reconhecido que o Autor/Recorrente não cometeu qualquer crime pelos factos por que foi acusado e pronunciado; 17) O direito à indemnização, porque tem um dos pressupostos que o Autor não cometeu os crimes por que foi acusado e pronunciado, só nasce com o reconhecimento judicial desses pressuposto, como parece claro; 18) Só com a decisão definitiva do processo que correu contra o Arguido, aqui Autor/Recorrente, se radicou na esfera deste o direito a ser indemnizado; 19) Além de não respeitar a lei, o entendimento postulado no Acórdão recorrido conduz a situações aberrantes, pois conduz a que quem se considerasse acusado ou pronunciado, tivesse de instaurar a competente ação de responsabilidade civil, antes ainda de a sua inocência ter sido declarada pelos Tribunais: 20) É que interpretar assim a lei conduz à situação verdadeiramente extraordinária de coexistirem dois Tribunais a estarem a discutir em simultâneo os mesmos factos e o mesmo direito: um deles (o Tribunal Criminal), a julgar o Arguido no processo-crime pelos factos da acusação e pronúncia; e o outro (o Tribunal Cível) a julgar se a Ré, ao deduzir acusação, é responsável civil pelos danos alegados na presente ação; 21) Tal solução redunda em injustiça e total incoerência, pois levaria a que todos os arguidos que se julgassem ilicitamente perseguidos tivesse de instaurar, à cautela, e na pendência do processo crime, acção de indemnização para a hipótese de virem a ser absolvidos; 22) O Acórdão recorrido defende uma interpretação da lei insustentável, defendendo uma multiplicação de processos, absurda e até atentatória da racionalidade que deve presidir à ação do Estado e da boa administração da Justiça, razão pela qual a interpretação da lei e aplicação do direito patente no Acórdão padece não só de ilegalidade, como também de inconstitucionalidade, em violação ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, ambos consagrados no artigo 20.º da nossa Lei Fundamental; 23) Deveria o Venerando Tribunal ter entendido improcedência da excepção da prescrição invocada pela Recorrida, confirmando a decisão do Tribunal a quo, a qual se traduz, salvo devido respeito, numa melhor aplicação do direito; 24) Tal como bem entendeu o Tribunal a quo, interpretando o disposto no artigo 498.º, «em termos hábeis», como preconizam Pires de Lima e Antunes Varela, início do prazo de prescrição ocorre no momento em que transita em julgado a decisão que absolve o Arguido, isto, porque não será juridicamente defensável a tese de que o autor, ao demandar a ré apenas após o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação Coimbra, de 18.06.2014, tenha agido de forma negligente, considerando injustamente uma qualquer negligência censurável e sancionada com a prescrição do direito que invoca; 25) Tal como se afirmou no Despacho Saneador do Tribunal a quo, a única solução legal, para ser “justa e juridicamente fundada” será a que entende que o início do prazo de prescrição ocorre no momento em que transita em julgado a decisão que absolve o Arguido; 26) Como podia o Autor/Recorrente [arguido no processo-crime n.º 685/11.5TAVNO] intentar acção de responsabilidade civil contra a Ré/Recorrida se esta poderia vir a obter ganho de causa em tal processo-crime?; 27) Só com o trânsito em julgado da decisão que absolveu o Autor/Recorrente, quer do crime que lhe era imputado, quer do pedido cível contra si deduzido, o mesmo ficou ciente da sem razão da Ré/Recorrida ao apresentar contra si a queixa-crime por alegados atos difamatórios e atentatórios da sua (dela, Ré/Recorrida) honra e consideração; 28) Só com aquele trânsito em julgado podia o Autor/Recorrente intentar acção de responsabilidade civil por factos ilícitos contra a Ré/Recorrida pedindo a condenação da mesma em indemnização por danos morais e patrimoniais, pois só nessa data tomou conhecimento do direito que lhe assiste; 29) “Só após o trânsito em julgado da referida decisão, ficou o autor em condições de demandar a ré invocando danos que alegadamente o processo – crime lhe acarretou. Pois se se mantivesse a condenação do autor em primeira instância, haveria fundamento para intentar a presente acção de responsabilidade civil por factos ilícitos? Obviamente que não.

    ” – vide Despacho Saneador de 21.02.2017, constante dos autos; 30) Urge ainda denotar dois paradoxos da Ré, um, desde...

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