Acórdão nº 1452/17.5T8CSC.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: S. Empreendimentos Turísticos, S.A.

, veio propor, em 4.5.2017, contra o Banco C.

, ação declarativa comum pedindo que seja declarado que os dois arrendamentos das frações “A” e “L” do prédio urbano sito na Estrada da R..., freguesia de A..., concelho de C..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de C... sob o nº ..., freguesia de A..., são válidos e eficazes nos precisos termos em que foram celebrados, e obrigam a A. e o R., este a partir da aquisição dos dois andares. Invoca, para tanto e em síntese, que a sociedade de Construções J. Lda, vendeu a JD as aludidas frações, tendo esta recorrido a financiamento bancário, pelo que as escrituras públicas de compra e venda celebradas foram acompanhadas de contrato de mútuo com hipoteca a favor do ora R.. Mais ficou então acordado que as frações deveriam ficar arrendadas. Tendo estas sido arrendadas à A. em 2006, a mutuária, JD, deixou de pagar as prestações do empréstimo, pelo que o Banco R. executou as hipotecas e adquiriu a propriedade das frações. Assim, assumiu este a qualidade de senhorio, por força do art. 1057 do C.C., dada a obrigação de locar os imóveis hipotecados.

Contestou o Banco R., excecionando a caducidade do direito de ação da A., que não se defendeu, como devia, por embargos de terceiro nas ações executivas interpostas pelo Banco R., e a caducidade dos contratos de arrendamento com a venda judicial, nos termos do art. 824, nº 2, do C.C., dado que as hipotecas foram constituídas antes do arrendamento. Conclui pela improcedência da causa.

A A. respondeu, invocando o abuso de direito do R., visto que este impôs e autorizou o arrendamento dos imóveis, e concluindo pela improcedência das exceções.

Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor da causa em € 30.000,01 e, tendo sido julgada improcedente a exceção de caducidade do direito de ação da A., relegou-se para final a apreciação da exceção de caducidade do direito ao arrendamento com a venda em processo executivo. Proferiu-se ainda despacho saneador que conferiu, no mais, a validade formal da instância, identificando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, foi, em 22.10.2018, proferida sentença nos seguintes termos: “(...) o Tribunal julga a presente acção improcedente por não provada, e em consequência ABSOLVE a Ré do pedido.

Não verifiquei indícios de má-fé quanto a ambas as partes.

Custas pela Autora.

” Inconformada, recorreu a A.

, culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões que a seguir se transcrevem: “ 1.– A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo douto juiz “a quo”, que decidiu que o contrato de arrendamento caducou em sede de venda executiva, na data em que se mostrou inscrita a aquisição das frações a favor do Banco Réu.

  1. – A falta de registo do contrato de arrendamento nunca poderá ter uma consequência que recaia sobre a validade do contrato, pois tal omissão apenas se reflete sobre o prazo do contrato: ao invés de se entender que o contrato se mantém por tempo indeterminado, operará a redução do referido contrato, entendendo-se que o mesmo se mantém pelo prazo de 6 anos, naturalmente renovável.

  2. – Dado a Recorrente ter permanecido na posse dos imóveis por mais de 6 anos, ter-se-á que concluir que o contrato foi reduzido para o prazo de 6 anos e, subsequentemente, renovado por igual período, no fim do prazo inicial, pelo que, a falta de registo nunca invalidaria o contrato de arrendamento, levando apenas à redução do respetivo prazo.

  3. – Foi o banco Recorrido quem impôs à proprietária dos imóveis, JD., o arrendamento destes, através da inclusão da cláusula sexta nos documentos complementares dos contratos de mútuo, conforme nºs 3 e 6 dos factos provados da sentença recorrida. 5.– Haveria incumprimento apenas no caso dos imóveis não terem sido arrendados pela proprietária, como de resto, o foram.

  4. – Nos documentos complementares de onde resulta a obrigação de comunicação dos arrendamentos, por parte da proprietária (JD.) ao banco, nada ficou estipulado quanto à consequência da falta da mesma.

  5. – A consequência da falta de comunicação destes contratos de arrendamento ao banco, não poderia ser a invalidade destes mas, antes, o vencimento antecipado do empréstimo que, nunca poderia afetar o arrendamento, nem os subarrendamentos.

  6. – Pelo que, não procede a alegação de que o Recorrido não sabia que as duas frações se destinavam ao arrendamento: nem pode dizer que não aceita o que impôs que se fizesse e, tal alegação consubstancia claramente um abuso de direito, mais concretamente traduzido na figura do “venire contra factum proprium”.

  7. – Nos termos do artº 334º do CC, atua-se com abuso de direito, quando “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

  8. – O Recorrido violou claramente os princípios da boa fé e, como tal, deve ser condenado.” Pede a revogação da sentença e a procedência da causa, bem como a condenação do “Recorrido por abuso de direito.” Em contra-alegações, o Banco apelado reclama a manutenção do julgado, enunciando as seguintes conclusões: “ 1–A fundamentação principal da sentença recorrida consiste na aplicação analógica do nº2 do artº. 824º do C.C.; 2–Uma vez que o presente recurso não contempla a aplicação do artº 824º nº2 do CC, o recurso não pode proceder; 3–Ainda que o contrato de arrendamento por tempo indeterminado e sem ter sido registado pudesse, por mera hipótese de raciocínio, ser oponível ao Recorrido, para além do período de seis anos, o arrendamento cessaria com a venda do imóvel em sede de execução, por ter sido celebrado em data posterior à constituição da hipoteca, conforme resulta da aplicação do artº. 824º nº2 do C.C.; 4–A segunda questão abrangida pelo Recurso – consequências do clausulado na clª 6ª do documento complementar ao contrato de mútuo – também não tem a virtude de afastar o fundamento principal da sentença; 5–Mesmo que fosse adoptada a posição preconizada pela Recorrente a respeito das obrigações emergentes da cláusula 6ª, o que só por mera hipótese de raciocínio se pode considerar, manter-se-ia válida a aplicação analógica do nº2 do artº. 824º CC; 6–A consequência da ausência de registo nos termos da alínea m) do nº1 do artº. do Código do Registo Predial está prevista na lei (artº 5º nº1 do mesmo Código), como tal, não é passível de ser ignorada e substituída por outra diferente como faz a Recorrente; 7–A consequência legal prevista no nº1 do artº 5º Código do Registo Predial em nada contende com o facto de a Recorrente, alegadamente, se ter mantido na posse do imóvel, porquanto o contrato produz efeitos inter partes para além do período de seis anos, contrariamente ao que sucede relativamente a terceiros; 8–A Recorrente não tem legitimidade para invocar perante o Banco o teor do contrato de financiamento (clª 6ª) de que não é parte, por forma a poder beneficiar dos seus efeitos; 9–A Recorrente defende a manutenção em vigor de alguns efeitos do contrato de mútuo de que não é parte, mesmo após a sua resolução por motivo não imputáveis ao Banco, por tais efeitos lhe trazerem vantagens patrimoniais importantes e serem, pelo contrário, muito penalizadores para o Recorrido; 10–A cláusula 6ª estipula apenas a finalidade a que se destina o imóvel durante a vigência do contrato de financiamento e resultou do livre acordo das partes, nos termos do artº. 405º do C.C.; 11–A sentença não refere que o Recorrido impôs o arrendamento das fracções à mutuária, contrariamente ao que alega a Recorrente; 12–O Recorrido nunca negou a existência da obrigação de arrendamento das fracções mas entende que essa condição deixa de estar e vigor e de produzir efeitos após a resolução do contrato por incumprimento da mutuária; 13–A mutuária não procedeu à sua apresentação ao Banco, nem domiciliou na conta alocada ao financiamento o depósito das rendas, contrariamente ao que se encontrava estipulado no contrato, como a própria Recorrente reconhece; 14–O Banco nunca afirmou desconhecer que os imóveis se destinavam ao arrendamento durante a vigência do contrato de financiamento, pelo que não actuou com abuso de direito.” O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    *** II–Fundamentos de Facto: A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade: Da petição inicial: 1)–Por escritura pública de 26.09.2005, a Sociedade de Construções J, Lda, declarou vender a JD., a fracção autónoma, designada pela letra “A”, correspondente ao bloco A, do rés-do-chão esquerdo (segundo piso) destinada a habitação, com uma arrecadação n.º 8 e dois estacionamentos com os números vinte e nove e trinta na cave (primeiro piso), que faz parte do prédio urbano sito na Estrada da …, concelho de C..., descrito na 2ª Conservatória do Registo...

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