Acórdão nº 23040/16.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA - Construções, S.A. intentou a presente ação declarativa contra BB - Imobiliário, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 400.147,56, acrescida dos juros vincendos desde 20.09.2016, à taxa comercial em vigor, até integral e efetiva liquidação, correspondente ao preço dos trabalhos adicionais que executou no decurso da obra e que consistiram na colocação e realização de diversos serviços solicitados pela ré e que não constavam do orçamento, na remoção de amianto friável e execução de fundações especiais e no aumento da área de construção e relação à inicialmente contratada.

Subsidiariamente, pediu a condenação da ré a pagar-lhe a dita quantia de €400.147,56, ao abrigo do enriquecimento sem causa.

Alegou, para tanto e em síntese, que em 13.03.2014 a autora e a ré celebraram um contrato de empreitada, que teve por objeto a "execução de uma empreitada geral de reabilitação, até à receção definitiva, do Edifício CC, sito na R. …, nº …/…, em ... .

Apesar de ter sido inicialmente acordado o preço global da obra, o mesmo foi sendo ajustado às vicissitudes que, entretanto, foram surgindo no decurso da obra e que determinaram alterações ao projeto e à construção das obras a realizar.

A ré ficou com uma obra cujo custo é muito superior ao preço por ela pago, beneficiando assim do acréscimo no seu património de, pelo menos, €400.147,56.

  1. A ré contestou, sustentando que não houve alteração do acordado.

    E, alegando não ter a autora procedido à entrega da obra na data prevista e fixada contratualmente, deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 219.901,50, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência desse atraso.

    Pediu ainda a condenação da autora, como litigante de má fé, a pagar-lhe indemnização não inferior a € 50.000,00.

  2. A autora respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

  3. Dispensada a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da causa, admitida a reconvenção e proferido despacho saneador com elaboração dos temas de prova.

  4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e improcedente a reconvenção e, consequentemente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 12.080,19, acrescida de juros devidos sobre € 11.500,78 desde o dia 21 de setembro de 2016, à taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, absolvendo a autora do pedido reconvencional e do pedido de condenação por litigância de má fé.

  5. Inconformada com esta decisão, dela apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 08.11.2018, julgou parcialmente procedente a apelação e, mantendo a sentença recorrida apenas na parte em que condenou a ré no pagamento à autora da referida quantia de € 12.080,19 e respetivos juros de mora, condenou ainda a ré a pagar à autora a quantia de €169.043,99 (cento e sessenta e nove mil euros, quarenta e três cêntimos e noventa e nove cêntimos), a título de enriquecimento sem causa.

  6. Inconformada, de novo, com esta decisão, dela interpôs a ré recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1º - O Acórdão recorrido, ao contrário do que havia sido sustentado pela aqui Recorrente, entende que a Apelante, aqui Recorrida, cumpriu o ónus imposto pela alínea a) do nº 2 do artº 640º do CPC, pelo que contém em si violação e errada interpretação e aplicação da lei de processo – a norma do nº 2 do artº 640º do CPC (cfr. artº 674º, nº 1, alínea b), do CPC)! 2º - Em boa verdade, a quase integralidade do corpo das Alegações e das Conclusões, em percentagem que se estima em mais de 95%, corresponde a meras transcrições de depoimentos gravados, pontuados, aqui e acolá, ora com juízos conclusivos, ora com meras conclusões, ora com notas de subjectividade pura; das 75 folhas do corpo das alegações, mais de 70 folhas são de mera reprodução e/ou transcrição dos depoimentos das testemunhas.

    1. - É inequívoco, que a Relação se afastou do iter processual traçado e querido pelo legislador, quanto à previsão da alínea a) do nº 2 do artº 640º do CPC, o que deverá agora, em sede da presente revista, ser decidido por Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, o que se requer! 4º - Tal como a Recorrente já deixara aflorado nas contra-alegações de apelação, o facto de a Relação ter exercido os seus poderes de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, dando como provados os factos 1. e 3. (o facto 6. não releva para aqui) dos factos dados como não provados, não conduz à procedência, ainda que parcial da apelação e, concomitantemente, do pedido.

    2. - Mesmo considerando que “A R. aceitou que a remoção do amianto friável constitua um trabalho adicional” (facto 1.) e que “A R. aceitou que as fundações com mico estacas constituam um trabalho adicional” (facto 3.), não são correctos o enquadramento e a qualificação jurídicos dados pela Relação a essa factualidade.

    3. - Discorda-se da decisão de mérito proferida pela Relação, que padece de erro de julgamento, quer por erro de subsunção por estar “em causa um juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão de uma norma” que consideramos indevidamente “aplicável ao caso concreto”, com a interpretação errónea e infundada “dos conceitos utilizados nessa previsão e a concretização” indevida “dos conceitos indeterminados que se encontram nela”, quer por erro na qualificação – denominado de erro de direito - por o Juiz escolher a norma errada para enquadrar o caso concreto (Cfr. Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, págs., 429 e 432 e segs).

    4. - Erros que, em qualquer das circunstâncias, originam a violação de lei substantiva, onde se incluem a escolha inadequada e a interpretação errónea da norma, bem como a inexacta qualificação jurídica e a falsa determinação das consequências jurídicas referentes ao caso concreto.

    5. - A Relação, no confronto entre a vontade das partes estipulada e declarada no Contrato de Empreitada que entre si celebraram e a lei (nº 3 do artº 1214º do C.C.), entendeu dar primazia a esta – à lei – em detrimento ou descurando aquela – a vontade manifestada pelas partes.

    6. - A Relação não teve em consideração ou, pelo menos, não tomou na devida nota, que a norma do nº 3 do artº 1214º (e as demais do regime jurídico do contrato de empreitada) tem natureza supletiva e, como tal, apenas deveria ser convocada para enquadrar o caso sub judice se se verificasse falta de declaração de vontade das partes quanto aos pontos contratuais ou negociais em discussão na presente demanda.

    7. - Conceptualmente, “as normas supletivas são aquelas que se destinam a suprir a falta de manifestação da vontade das partes sobre determinados pontos do negócio que carecem de regulamentação”.

    8. - A norma supletiva tem como seu fundamento nuclear “fundar-se na vontade comum e conjectural das partes, isto é, entender a lei que o regime nela consagrado é aquele que o comum dos contraentes normalmente quereria, e portanto que as partes provavelmente adoptariam se tivessem decidido regular expressamente o ponto” e “podem ser afastadas pela vontade das partes (em contrário)”.

    9. - Subjacente às normas supletivas está o princípio de que a valoração da lei não se superioriza à valoração contrária das partes; levando apenas a que, nada tendo as partes declarado, a valoração legal retome a primazia! (Prof. João Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1984, págs. 58 e segs, Prof. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimados, 1989, págs. 93 e segs., e Prof. José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1990, págs. 527 e segs).

    10. - Ficou provado, e provado à saciedade, que as partes, ao abrigo dos princípios da autonomia negocial e da liberdade contratual (artº 405º do C. C.), regulamentaram, de forma completa e exaustiva, todos os pontos negociais do Contrato de Empreitada que celebraram, muito particular e concretamente os pontos contratuais aqui em discussão na presente demanda.

    11. - Nenhuma lacuna de regulamentação existe no Contrato de Empreitada em causa quanto aos concretos pontos negociais aqui em discussão, pelo que carece de fundamento e justificação legais a aplicação da norma do nº 3 do artº 1214º do C. C. operada pelo Tribunal da Relação, o que constitui erro de julgamento.

    12. - Para o que aqui especificamente releva, ficou provado que a Recorrida se obrigou a executar a obra de acordo com o contrato e o caderno de encargos, sendo da sua responsabilidade a elaboração do projeto de arquitetura, com base no projecto base (cfr. ponto 3. da Matéria de Facto Provada).

    13. - Provado ficou também que a obra foi contratada em regime de “chave-na-mão”, e por preço global, fixo e não revisível, que incluía todos os trabalhos preparatórios, complementares e acessórios aos descritos no contrato e seus anexos e todos os encargos com trabalhos, serviços e fornecimento, inclusive, os subsidiários directa e indirectamente relacionados com a empreitada, não havendo lugar à apresentação pela Recorrente de erros e omissões das peças escritas ou desenhadas do projecto.

    14. - Todos os trabalhos a mais que viessem a tornar-se necessários em resultado de erros e omissões do projecto eram da exclusiva responsabilidade da Recorrente, ficando a seu cargo os custos daí decorrentes (cfr. cit. ponto 3. da Matéria de Facto Provada).

    15. - As partes não se limitaram a uma mera e simples estipulação de um “preço global” tal como referido no nº 3 do artº 1214º do C.C., tendo acordado, fixado e regulamentado, de forma completa, minuciosa e exaustiva, o impacto e os efeitos contratuais desse preço global, que logo estipularam fixo e não revisível.

    16. - As partes densificaram e concretizaram a estipulação do “preço global”...

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