Acórdão nº 427/19 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 427/2019

Processo n.º 579/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., e recorrida B., em representação do seu filho C., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»): (i) do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 11 de julho de 2018, que julgou improcedente, entre outros, o recurso de apelação interposto pelo réu, ora recorrente, da sentença proferida em 20 de dezembro de 2017, pelo Juízo de Família e Menores do Porto – Juiz 2; e (ii) do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de abril de 2019, que não admitiu o recurso de revista excecional interposto pelo ora recorrente do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

2. Através da Decisão Sumária n.º 462/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II – Fundamentação

6. Conforme relatado supra, são duas as decisões de que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade. Trata-se: (i) do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 11 de julho de 2018, que, entre o mais, julgou improcedente o recurso interposto pelo réu, ora recorrente, da sentença proferida em 20 de dezembro de 2017, pelo Juízo de Família e Menores do Porto – Juiz 2; e (ii) do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de abril de 2019, que não admitiu o recurso de revista excecional interposto pelo ora recorrente daquele primeiro aresto.

O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC — norma segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo» —, sendo o respetivo objeto integrado pela interpretação do artigo 344.°, n.º 2 do Código Civil «no sentido de admitir a verificação da inversão do ónus da prova sem que se tenha verificado a notificação pessoal do R. para o exame hematológico com a advertência expressa para a cominação da inversão do ónus da prova», que o recorrente considera violar os artigos 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, n.º 4, da Constituição.

A. Recurso respeitante ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto

7. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do respetivo artigo 70.º que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cf. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC

A suscitação prévia e adequada da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido «em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º LTC), «visa facultar a reapreciação de uma questão julgada pelas instâncias e não a apreciação pelo Tribunal Constitucional de uma questão nova que não fora suscitada atempadamente perante o tribunal recorrido» (Miguel Teixeira de Sousa, “Legitimidade e interesse no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Almedina, 2004, pp. 947 e ss.).

É essa a razão pela qual o ónus de suscitação antecipada apenas pode ser afastado quando o recorrente não tenha tido oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, o que apenas sucederá nos casos em que esta o confronta com uma opção interpretativa de conteúdo insólito ou imprevisível, e por isso, de todo inesperada.

Ora, compulsados os autos, com referência às alegações e conclusões formuladas no âmbito do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto — que, nos termos prescritos no n.º 4 do artigo 635.º do CPC, delimitam o objeto do recurso —, verifica-se que o recorrente não enunciou, naquele momento processual, qualquer questão de constitucionalidade, maxime aquela que veio ulteriormente a identificar no requerimento de interposição do recurso.

Quanto à solução de direito probatório que a primeira instância considerara decorrer do disposto no artigo 344.°, n.º 2, do Código Civil, o ora recorrente limitou-se a contestar a respetiva sustentabilidade no estrito plano infraconstitucional, alegando que a recusa de comparecimento para realização do exame hematológicos determinados nos autos não fora antecedida da devida notificação, não devendo constituir, por isso, pressuposto suficiente para fundamentar a inversão do ónus da prova prevista no referido preceito legal.

Inexiste, por outro lado, qualquer razão para considerar o recorrente dispensado do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade. Têm sido repetidamente assinaladas na jurisprudência constitucional as condições para que assim seja. Nas palavras do Acórdão n.º 173/2016, na linha de muitos outros: «Como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidindo, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, janeiro de 2010, pp. 81-82)».

Ora, atentando no iter subjacente ao processo-base, é manifesto que a decisão recorrida em caso algum pode ser qualificada como “decisão-surpresa”.

Com efeito, para além de a norma sindicada coincidir com aquela que havia sido seguida já pelo Tribunal primeira instância, o próprio recorrente identificou de forma clara, tanto no corpo da alegação como nas conclusões que acompanharam o recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, o problema relativo à forma e ao conteúdo da notificação para...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT