Acórdão nº 414/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução09 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 414/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério da Educação e Ciência, foi pela primeira interposto recurso, na sequência da prolação do acórdão do STA de 30 de maio de 2018 (cfr. fls. 460-462) que não admitiu a revista por si interposta do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), proferido em 19 de dezembro de 2017, que confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o qual julgou improcedente a pretensão da autora e ora recorrente. O recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada pela sigla LTC), do acórdão proferido nos autos pelo TCA Sul em 19 de dezembro de 2017 (cfr. fls. 419-435).

2. Nos autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 126/2019 (cfr. fls. 502-507), na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso, interposto do acórdão do TCA Sul proferido em 19/12/2017, por se concluir não se mostrar verificado o requisito relativo à suscitação prévia e adequada de uma questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido. Isto, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss.):

«4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal a quo (cfr. fls. 495), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso (cfr. fls. 490-491) e que fixa o respetivo objeto – in casu, o acórdão do TCA Sul proferido em 19/12/2017.

7. A recorrente, no requerimento de recurso – que fixa o respetivo objeto – enuncia a invocada questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada do seguinte modo (cfr. 4.º): «(…) o Acórdão recorrido interpreta o art. 43.°, n.º 5 do DL 497/88 (na redacção aplicável) - segundo o qual passa à situação de licença sem vencimento de longa duração o funcionário que, tendo sido considerado apto pela Junta, volta a adoecer sem ter prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos, nos quais não se incluem as férias - no sentido de que a passagem à situação de licença sem vencimento de longa duração decorre de um automático puro efeito ex lege, que não carece da prolação de qualquer despacho - a notificar ao funcionário - destinado a verificar o pressuposto fáctico e a aplicar o direito a tal realidade.».

8. Assim enunciado o objeto do recurso, resulta dos autos que não se encontra preenchido um dos pressupostos, essenciais e cumulativos, de que depende o conhecimento do objeto do recurso – o pressuposto da suscitação prévia e adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida para este Tribunal, em termos de o mesmo estar obrigado a dela conhecer, como impõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.

Invoca a recorrente, no requerimento de interposição de recurso (cfr. 4.º, a fls. 491), que arguiu a questão de inconstitucionalidade que ora pretende ver apreciada «no art. 21.° da reclamação para a conferência apresentada em 20/11/2017» – ou seja, a reclamação dirigida contra a decisão singular proferida pela Relatora no TCA Sul em 1/11/2017 que julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença proferida em primeira instância então recorrida.

Não obstante, resulta dos autos, desde logo, que a recorrente dispôs, anteriormente, de várias oportunidades processuais para suscitar previamente e de modo processualmente adequado a questão que ora pretende ver sindicada.

Assim, nas alegações de recurso para o TCA Sul – que se afigura o momento processual adequado para colocar uma questão de constitucionalidade perante este Tribunal de recurso – não é suscitada pela recorrente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa extraída da norma do «art. 43.º, n.º 5 do DL 497/88 (na redacção aplicável)». Com efeito, do teor desta peça processual, pese embora a recorrente se refira à questão da aplicação da norma que ora pretende sindicar (cfr., em especial Conclusões, F. e G., a fls. 314-verso e 315), certo é que aí não é suscitada pela recorrente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa extraída da norma do artigo 43.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 497/88, que ora pretende ver apreciada.

Depois, resulta igualmente dos autos que a recorrente dispôs – mesmo antes da reclamação para a conferência – de nova oportunidade processual para suscitar a questão que ora pretende ver apreciada: o momento da resposta ao parecer emitido pelo Ministério Público ao abrigo dos artigos 146.º, n.º 1, e 147.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no qual é feita expressa referência ao artigo 43.º, n .º 5, do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de dezembro, e aos efeitos deste decorrentes (cfr. Parecer, 5., a fls. 351). Ora, na sua resposta ao parecer do Ministério Público em causa (cfr. fls. 355-356 com verso), a recorrente também não suscitou a questão que ora pretende ver apreciada – aí já se pronunciando a recorrente sobre a questão da aplicação automática à A. do regime contido na norma em causa, aí defendendo a não aplicação da norma em causa ao caso da A. e referindo expressamente a questão da emissão de despacho a determinar a passagem da A. à situação de licença sem vencimento (cfr. resposta, em especial 1.º, 2.º, 4.º e 5.º, a fls. 355 com verso). Todavia, já estando, naquela resposta, enunciada a questão jurídica e identificadas a norma em causa e a questão do seu efeito automático, tal permitia já então à recorrente antever a possibilidade de aplicação de uma norma (ou sua dimensão normativa) à resolução do caso e, analisando e ponderando as várias hipóteses de interpretação e aplicação das normas relevantes, cumprir o ónus de suscitação prévia e de modo adequado de uma questão de constitucionalidade antes de ser proferida a decisão. Sucede que a recorrente em momento algum dessa peça suscita uma questão de inconstitucionalidade de uma qualquer interpretação extraída da norma do artigo 43.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 497/88.

Depois, do concreto ponto indicado (21.º) da reclamação para a conferência (cfr. fls. 403 e 404 a 407 com verso) – peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a questão que ora pretende ver apreciada sem que tenha apresentado qualquer justificação que dispensasse de o fazer em momento processual anterior e adequado para o efeito – resulta que aí a recorrente se limita a afirmar que «O entendimento normativo dado ao art. 43.°, n.º 5 do D.L. n.º 497/88, no sentido de que a passagem do funcionário à situação de licença sem vencimento de longa duração não carece de despacho que o determine é, de resto, inconstitucional, por violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, ínsitos ao Estado de Direito Democrático, tal como consagrado no art. 2.° da C.R.P., o que se deixa arguido.».

Cumpre referir, desde logo, que tal enunciado não coincide com o enunciado da questão (interpretação normativa) no requerimento de interposição de recurso, em termos que igualmente obstam ao conhecimento do recurso – sendo aliás o alegado enunciado normativo constante do requerimento de recurso reportado a concretas circunstâncias do caso dos autos.

Depois, pese embora a referência, na peça processual em causa (reclamação para a conferência), à desconformidade de uma norma (dimensão normativa) com os princípios constitucionais invocados, tal não constitui uma suscitação de modo processualmente adequado de uma questão de inconstitucionalidade normativa. Com efeito, a recorrente não apresenta aí sequer uma fundamentação mínima para a...

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