Acórdão nº 410/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2019
Magistrado Responsável | Cons. Lino Rodrigues Ribeiro |
Data da Resolução | 09 de Julho de 2019 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 410/2019
Processo n.º 414/19
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrida B., S.A., a primeira veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele tribunal no dia 19 março de 2019, que indeferiu, por considerá-la carecida de fundamento legal, a reforma, requerida pela ré, do acórdão proferido pelo mesmo tribunal no dia 15 de janeiro de 2019, que julgou improcedente o recurso por ela interposto de decisão proferida na 1.ª instância no âmbito de ação declarativa comum. A recorrente indicou também recorrer do segundo acórdão referido.
2. No requerimento de recurso que viria a dar origem ao referido acórdão datado de 15 de janeiro de 2019, a recorrente apresentou as seguintes conclusões:
«I. A fundamentação dos pontos 11 e 12 da matéria de facto dada como provada enferma de erro na apreciação da prova, porquanto a Ré sociedade não recebeu a quantia de 26.235,00 € (vinte e seis mil duzentos e trinta e cinco euros) com IVA incluído.
II. Tal situação foi confirmada pela testemunha C., diretor comercial da A, que acompanhou os contratos e informou que no contrato de 2010 não foi recebido qualquer dinheiro pela Ré sociedade, sendo aquela quantia um remanescente face ao incumprimento do primeiro contrato, no qual a Ré A. figurava como segunda contratante e, no âmbito do mesmo, havia recebido a quantia de 30.000,00 € (trinta mil euros), acrescida de IVA.
III. Assim, deverão ser alterados os pontos 11 e 12 da matéria de facto dada como provada, ficando aí a constar que a segunda Ré não recebeu a quantia de 26.235,00 € (vinte e seis mil duzentos e trinta e cinco euros), IVA incluído, funcionando este valor como contrapartida da obrigação de exclusividade concedida à Autora.
IV. Verifica-se a violação, igualmente, do artigo 5º do CPC, porquanto, face ao conhecimento do tribunal de tal situação e no âmbito dos seus poderes de cognição, deveria ter sido dado como não provado o recebimento da mencionada quantia.
V. Por outra via, resulta, igualmente, da fundamentação da sentença, uma ligação obrigacional entre o contrato celebrado em 2005 e o contrato celebrado em 2010.
VI. Ora, os contratos em causa e juntos aos autos, datados respetivamente de 18.03.2005 e 08.03.2010, são outorgados por pessoas fiscais e jurídicas distintas.
VII. Isto é, o contrato de 2005 vincula a D., S.A. e a Ré A.. O contrato de 2010 vincula a B., SA e o E., Lda, sendo a A. fiadora do mesmo.
VIII. As referidas entidades têm contribuintes diferentes, matrículas distintas e atuam sob o ponto de vista contratual, em posições diversas num e noutro contrato.
IX. Isto e, não poderá estabelecer-se um vínculo obrigacional ou de substituição entre contratos outorgados por partes diferentes, verificando-se, assim, a violação do artigo 11º e 12º do CPC e 405º e 406º do CC.
X. A cláusula 4ª, pontos 2, 3 e 4, do contrato outorgado a 08.03.2010, revestem o caráter de cláusulas abusivas, sendo nulas face à sua desproporcionalidade relativa aos danos a ressarcir, demonstrando um manifesto desequilíbrio nas prestações.
XI. As referidas cláusulas consubstanciam-se em:
a) Cláusula 4a, Ponto 2 - "O incumprimento do presente acordo pela segunda contraente, dará lugar ao pagamento por parte deste de uma indemnização que, por acordo, se fixa em 1/3 do valor indicado na cláusula 3ª, 1-a)."
b) Cláusula 4ª Ponto 3 - "Para além da indemnização prevista no número anterior, o incumprimento, pela segunda contraente, do presente acordo, dará lugar à restituição imediata à B.; SA das importâncias referidas na cláusula 3ª, 1-a), deduzida da parte proporcional ao número de quilos amortizados nos fornecimentos efetuados."
c) Cláusula 4ª, ponto 4- "Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a violação das obrigações assumidas no presente acordo, nomeadamente as mencionadas na cláusula segunda, alínea d), fará incorrer a segunda contraente na obrigação de indemnizar a primeira, no montante de 9,00 € por cada quilo de café não adquirido, conforme aí acordado."
XII. Por um lado, o contrato estabelece uma penalização de incumprimento (1/3 do valor adiantado), por outro obriga à devolução do valor deduzida a proporção do café adquirido e por último obriga ao pagamento dos quilos de café previstos e não fornecidos.
XIII. Assim, verifica-se uma cumulação exagerada e especulativa de indemnizações.
XIV. O pedido vertido na presente ação constitui uma sucessiva repetição de valores não devidos.
XV. As cláusulas focadas são claramente desproporcionadas face aos danos a ressarcir.
XVI. Os pontos 2, 3 e 4 da cláusula 4ª do contrato celebrado a 08.03.2010 e referidas em 18/ deste articulado, são nulas face ao estatuído no artigo 12º e 19º, al. c) proibidas (artigo 12º e 19º e al. c) do Dec. Lei 446/85 com as alterações introduzidas pelos Dec. Lei nºs 220/95 de 31.08, 249/99 de 07.07 e 323/2001 de 17.12).
XVII. A autora não teve qualquer prejuízo , porquanto todos os fornecimentos de café efetuados foram pagos (175 kg) e a Ré sociedade não recebeu a já focada quantia de 26.235,00 € (vinte e seis mil duzentos e trinta e cinco euros).
XVIII. A decisão proferida condena as RR a pagar à A a quantia de 29.709,00 € (vinte e nove mil setecentos e nove euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
XIX. A condenação vertida assenta no ponto 4 da cláusula 4ª do contrato de 08.03.2010, tendo por base a obrigação de indemnizar no montante de 9,00 € por cada quilo de café não adquirido, o que significa que não foram adquiridos 3.305 kg.
XX. A referida cláusula 4ª, ponto 4, insere-se, igualmente, no âmbito dos artigos 12º e 19º, al. c) proibidas (artigo 12º e 19º e al. c) do Dec. Lei 446/85 com as alterações introduzidas pelos Dec. Lei nºs 220/95 de 31.08, 249/99 de 07.07 e 323/2001 de 17.12), devendo ser considerada nula, alterando-se a decisão proferida no sentido de absolver as RR do pagamento da indicada quantia.
XXI. Efetivamente, a cláusula em causa é completamente desproporcionada face ao inexistente dano a ressarcir.
XXII. A Ré sociedade não recebeu a quantia de café em causa (3305kg), pelo que não se verifica a obrigação de pagamento de um produto não fornecido, o mesmo se verificando no que tange à fiança prestada pela Ré A. como garantia contratual.
XXIII. A decisão proferida enuncia um claro locupletamento da A sem que se verifique qualquer prejuízo da sua parte.
Termos em que deverá ser revogada a decisão proferida, absolvendo-se as RR do pagamento da quantia em que foram condenadas, assim se fazendo inteira e sã Justiça.»
3. Por sua vez, o pedido de reforma que viria a dar lugar ao referido acórdão datado de 19 março de 2019 apresenta o seguinte teor:
«1/ Nas suas alegações de recurso, a Recorrente A., alegou que: (vd. supra, ponto 2, itens I a IX).
2/ O Douto Acórdão não se pronuncia quanto à alteração da matéria de facto peticionada, nomeadamente nos pontos 11 e 12 da matéria de facto, em função do depoimento da testemunha C., diretor comercial da A, o qual confirma que a Ré sociedade não recebeu a quantia de 26.235,00 €, com IVA incluído, relacionada com o contrato outorgado em 2010. Apenas foi paga a quantia a título de adiantamento no contrato de 2005. Conforme o alegado no ponto 5/ das Alegações de recurso.
3/ O acórdão cuja retificação se requer, parte do pressuposto errado que o referido montante foi recebido pela Ré, o que não se verificou.
4/ De igual modo, reportando-nos aos contratos de 2005 e 2010 constantes dos autos, verificamos a impossibilidade de o contrato celebrado a 08.03.2010 anular e substituir qualquer outro acordo celebrado anteriormente, que os contraentes, livremente e de boa fé, ajustaram e reciprocamente aceitaram.
5/ Ora, os contratos de 2005 e 2010 são outorgados por entidades distintas, o primeiro pela D. e pela Ré A. e o segundo pela B., S.A. e o E..
6/ Não existiu qualquer cedência de posição contratual, as entidades outorgantes têm personalidade jurídica distinta, pelo que não poderá surgir qualquer vínculo obrigacional entre os contratos de 2005 e 2010.
7/ Ora, o Acórdão em epígrafe parte do pressuposto da existência de uma obrigação jurídica entre ambos os contratos, o que é claramente errado.
8/ Enferma, assim, de lapso, ao não se pronunciar sobre os pontos em crise da matéria de facto que revelavam o recebimento pela segunda Ré sociedade da quantia de 26.235,00 €, IVA incluído e, também, por partir do pressuposto da existência de vínculo obrigacional entre os contratos de 2005 e 2010 celebrados por entidades jurídicas distintas.
9/ Por outra via, a condenação vertida resulta de cláusula claramente abusiva, ao fixar o montante a liquidar a título de indemnização de 9,00 € (nove euros) por cada quilo de café não adquirido, fixando o montante de 29.709,00 € (vinte e nove mil setecentos e nove euros) a liquidar pelas Rés à Autora.
10/ De facto, não poderiam as Rés ser condenadas pelo pagamento em função de uma determinada quantidade de café que não foi fornecida pela A.
11/ Efetivamente, a A nenhum prejuízo teve com a assinatura do contrato objeto dos autos, datado de 09.03.2010, devendo a cláusula que previa tal penalização, ser considerada nula.
Termos em que se requer a reforma do presente Acórdão, corrigindo-se o mesmo no sentido dos itens aqui alegados e, por tal via, julgando-se totalmente improcedente a ação...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO