Acórdão nº 2187/18.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa (STML) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia da Deliberação da Junta de Freguesia de Belém (JFB), de 07-08-2018, que aprovou a Proposta 2018/08/07/20 e decidiu aplicar a sanção disciplinar de despedimento ao A e ora Recorrente.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”

  1. O Recorrente, apesar de discordar da fundamentação utilizada na Sentença Recorrida, relativamente à competência da autoridade para a instauração do procedimento disciplinar, uma vez que, existindo normas aparentemente contraditórias entre si (o art. 19º, al. e), e art. 17º do RJAL, por um lado, e o art. 196º, nº 1, da LGTFP, por outro), se impõe, pelo princípio da concordância prática, que ambas devam ser conciliadas, de modo que uma não invalide completamente a outra, sob pena de não se atribuir a uma das leis em vigor, com idêntica dignidade constitucional, qualquer relevância jurídica; concorda, ainda assim, com o segmento decisório no qual se reconhece a existência de delegação expressa da Junta de Freguesia que delegou no seu Presidente a competência para gerir os recursos humanos a serviço da freguesia, cabendo referir que o documento comprovativo de tal delegação não consta do processo disciplinar, tendo sido junto apenas aos presentes autos processuais.

  2. O Recorrente considera, no entanto, e salvo o devido respeito, que a Sentença Recorrida incorre em erro de julgamento, pelos motivos a seguir expostos.

    b.1) Os prazos, ditados em lei, e que devem orientar o empregador público num procedimento disciplinar, não são de menor importância.

    b.2) Assim, considerado os factos provados (4, 6, 7, 9, 10, 17 e 24), e considerando o disposto no nº 1 do art. 205º da LGTFP, que determina que a instrução do processo disciplinar deve ter início no prazo máximo de 10 dias a contar da notificação do instrutor sobre o despacho que o mandou instaurar e que deve ser concluída no prazo de 45 dias, a contar igualmente da notificação do instrutor; chega-se facilmente à conclusão que: i) na falta de um documento no processo disciplinar que demonstre a data exata em que o instrutor foi notificado sobre a sua obrigação, e tendo em vista que esse suposto lapso apenas visa conferir ares de legalidade ao processo, mas considerando que o processo disciplinar foi autuado em 30/01/2018 com a indicação precisa do instrutor competente (conforme se infere da sua capa), verifica-se o transcurso de 27 dias entre a abertura física do processo disciplinar, aos cuidados do instrutor, e o início da instrução; ii) verifica- se o transcurso de 56 dias entre as primeiras comunicações (efetuadas a 26 de fevereiro de 2018) que deram início à instrução e a dedução da acusação; iii) verifica-se o transcurso de 147 dias entre o início da instrução do processo disciplinar e a prolação do relatório final pelo instrutor; iv) verifica-se o transcurso de 60 dias entre a apresentação de defesa pelo trabalhador e a prolação do relatório final pelo instrutor.

    b.3) Por outras palavras, houve violação expressa do disposto no nº 1 do art. 205º e no art. 219º da LGTFP, porquanto: i) Não foi observado o prazo de 10 dias para dar início aos atos instrutórios; ii) Não foi observado o prazo de 45 dias para que a instrução fosse ultimada; iii) Nem mesmo o prazo de 5 dias, após o término da fase de defesa do trabalhador, para que o relatório fosse elaborado.

    b.4) A natureza urgente do procedimento disciplinar impõe celeridade, sem que isso signifique qualquer abrandamento quanto ao rigor processual, e o instrutor tem, como tinha na altura, instrumentos ao seu dispor para solicitar a prorrogação do prazo de instrução à entidade que o nomeou caso a complexidade do caso o exigisse, e podia, ele próprio, prorrogar o prazo para a elaboração do relatório final.

    b.5) Mas, em vez disso, nada fez, permitindo que o procedimento disciplinar, que deve ser processado com urgência, se prolongasse no tempo, de forma injustificada, negligenciado sistematicamente os prazos estabelecidos na lei, fazendo com que a decisão final fosse proferida em prazo não razoável e desproporcional.

    b.6) Assim procedendo, a Recorrida, através do instrutor do procedimento disciplinar, violou, inclusive, o disposto no art. 266.º, nº 2, da Constituição.

    b.7) Pelo exposto, o Recorrente considera que deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a sentença recorrida, a fim de que seja aplicado o disposto no nº 1 do art. 163º do CPA ex vi nº 2 do art. 5º do CPA, com a consequente destruição, com eficácia retroativa, de todos os atos instrutórios do processo disciplinar.

  3. O Recorrente considera que a Sentença Recorrida incorre em erro de julgamento ao não ter acolhido a sua pretensão quanto ao pedido de declaração de nulidade pelo facto de a Recorrida ter negligenciado diligências essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do art. 203º, nº 1, da LGTFP.

    c.1) O instrutor considerou relevante, para o conhecimento integral da verdade, a junção aos autos da informação, produzida pela Polícia da Segurança Pública, relativa às circunstâncias relatadas no facto nº 13 considerado como provado, mas tal informação nunca chegou aos autos.

    c.2) De acordo com Francisco Pimentel (In Estatuto Jurídico do Trabalhador em Funções Públicas - e do sindicalismo na administração pública, 2018, pp. 203/204), estão compreendidas na noção de “diligências essenciais para a descoberta da verdade” aquelas determinadas oficiosamente pelo instrutor, pelo que, na falta de tais diligências, é possível arguir uma nulidade insuprível nos termos do art. 203º, nº 1, da LGTFP, sendo certo que esta compreensão, correta diga-se desde já, sobre o papel fulcral da busca da verdade dos factos no procedimento disciplinar está intimamente relacionada com o direito constitucional de defesa do arguido, nos termos do art. 32º, nº 10, e art. 269º, nº 3, da CRP.

    c.3) Além disso, e com relevância extrema para a decisão da pena disciplinar mais grave pelo empregador público, o Recorrente entende que não ficou minimamente provada a existência de irregularidades em diversos processos de licenciamento em processos em que o trabalhador visado terá atuado.

    c.4) Antes de mais porque, em processo-crime, o trabalhador visado, cuja atividade já foi perscrutada em sede de inquérito e de instrução, nem sequer está a ser acusado de ter cometido irregularidades em processos de licenciamento, sendo também certo que os processos de licenciamento juntos ao procedimento disciplinar não têm o potencial de provar o que quer que seja, e, sobretudo, não são aptos a provar que o trabalhador atuou no sentido de impedir a realização do despacho do Presidente, e nem provam uma qualquer conduta irregular por parte do trabalhador visado.

    c.5) Acresce o facto de o instrutor não ter ouvido outros funcionários que participam, ou participaram, do processo de licenciamento a fim de apurar: i) se, efetivamente, a cobrança das taxas de licenciamento podia ser realizada sem o despacho do Presidente da Junta de Freguesia de Belém; ii) se a cobrança das taxas de licenciamento podia ser autorizada pelo Representado do Recorrente sem que do processo constasse o despacho do Presidente da Junta; iii) se a ausência do despacho do Presidente da Junta de Freguesia de Belém, nos processos identificados no procedimento disciplinar, decorreu de uma ação ou de uma omissão por parte do trabalhador, ou se tal ausência poderia ter origem noutro motivo; iv) se, no caso concreto das alegadas vítimas que foram ouvidas como testemunhas, houve irregularidade no processo de licenciamento por obra e engenho do Representado do Recorrente.

    c.6) Note-se que os documentos que dão suporte à decisão do instrutor não demonstram qualquer incúria por parte do trabalhador visado, nem provam que ele agiu, no cumprimento das suas funções, de forma irregular, porque não se consegue extrair desses mesmos documentos tais ilações; na verdade, o que os documentos revelam é que o processo de licenciamento envolve vários outros funcionários, que trabalham em distintas fases desse mesmo processo, e que o trabalhador não tem qualquer poder de decisão, ainda que a título provisório, sobre o resultado dos requerimentos realizados pelos interessados.

    c.7) Por fim, resulta da instrução que às testemunhas, e de acordo exclusivamente com as suas alegações, terá sido exigido dinheiro, mas não há provas mais substanciais de que isso tenha acontecido efetivamente nos moldes como as mesmas relataram, nem tampouco que esses valores tenham sido efetivamente realizados para concretizar os fins que as mesmas alegam: não há provas de transferências bancárias, nem há relatos de testemunhas que estivessem presentes na prática do ato, sendo certo que algumas dessas testemunhas alegaram a existência de mensagens e chamadas telefónicas sem que tenham sido juntas aos autos processuais as correspondentes imagens dessas mensagens ou do comprovativo de recebimento das chamadas telefónicas.

    c.8) Pelo exposto, deve ser revogada a sentença com fundamento na plausibilidade do direito que assiste ao Representado do Recorrente de ser declarada a nulidade de todo o processo disciplinar e, consequentemente, a nulidade do despedimento, com fundamento na omissão de diligências essenciais para a busca da verdade, conforme estatui o art. 203º, nº 1, da LGTFP, impondo-se, com mais razão, que em sede de providência cautelar a eficácia do ato que determinou o despedimento do trabalhador seja suspensa.

  4. O Recorrente considera que a Sentença Recorrida incorre em erro de julgamento ao não ter acolhido a pretensão do Recorrente quanto ao pedido de suspensão da eficácia do ato com fundamento no princípio constitucional da presunção de inocência, tendo em vista que os factos explorados no processo disciplinar estão a ser objeto de escrutínio judicial no...

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