Acórdão nº 0313/04.2BEPRT 01109/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 313/04.2BEPRT (1109/16) Recorrente: “A……….., S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada (a seguir também Impugnante e Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2001 que lhe foi efectuada pela AT com o fundamento de que a sociedade não procedeu, como devia, à retenção na fonte do imposto quando dos pagamentos efectuados a uma sociedade com sede no Uruguai como contrapartida pela aquisição de direitos desportivos de dois jogadores profissionais de futebol.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1. Em 27/10/2000, B……….. cedeu 50% dos seus direitos desportivos à C……….., os quais vieram a ser adquiridos pela A……….. em 04/01/2001; por sua vez, em 09/07/2001, o “Clube Tacuary FBC” cedeu 45% dos direitos desportivos de D……….. à C……….., parte dos quais (22,50%) viriam a ser a esta adquiridos, pela A…………, em 06/12/2001.

2. No seguimento de uma acção inspectiva, a AT liquidou IRC, a título de retenção na fonte, sobre as quantias pagas pela A…………. à C……….. aquando da compra dos direitos desportivos de B………. e D………..; 3. Para a AT, o pagamento à C……….. – uma entidade não residente – corresponderia a uma prestação de serviços realizada em território português, sujeita a retenção na fonte nos termos da leitura conjugada dos artigos 88.º, n.º 1 al. g), n.º 3 al. b) e 80.º, n.º 2 al. e), todos do CIRC.

4. A recorrente não se conforma com os referidos actos pelo que os impugnou: não só os mesmos têm por base uma errada aplicação das normas de incidência em sede de IRC como assentam na aplicação de termos estranhos a este tributo.

5. De facto, toda a fundamentação da AT para os actos impugnados assenta na aplicação abusiva em sede de IRC de conceitos e de mecanismos próprios do IVA, levando a tributar naquela sede uma realidade apenas abarcada por esta.

6. A utilização de uma norma de incidência oriunda do CIVA por forma a dela extrair consequências em sede de IRC, não apenas se afigura metodologicamente incorrecta, como dita a negação da autonomia dogmática do IRC, a consequente ilegalidade dos actos impugnados e, com isso, um flagrante erro de julgamento da matéria de direito a cargo do Tribunal a quo.

Com efeito, 7. O IRC apresenta-se como sistema unitário, autónomo e auto-suficiente de tributação do rendimento das pessoas colectivas, devendo buscar-se no respectivo Código as normas que consagram os pressupostos necessários ao surgimento da relação jurídica de imposto; aliás, o princípio da tributação pelo rendimento real apenas poderá ser garantido através da completa e integrada aplicação do CIRC.

8. O IRC mantém-se próximo das realidades materiais que pretende atingir, o que faz não apenas através do modelo de dependência parcial face à contabilidade, mas também por via do respeito pela autonomia privada das partes, acolhendo, na normalidade das situações e para efeitos de enquadramento das respectivas operações, a configuração por aquela querida num determinado negócio.

9. A configuração jurídica gizada pelas partes apenas não prevalecerá caso a AT, lançando mão dos expedientes próprios, faça actuar, por exemplo, a Cláusula Geral Anti-Abuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT – cuja aplicação exige a utilização do procedimento consagrado no artigo 63.º do CPPT – ou a simulação (cf. artigo 39.º da LGT).

10. Não tendo a AT utilizado aqueles expedientes, deverá prevalecer o princípio geral atrás referido: a veracidade das declarações dos contribuintes, devendo as operações realizadas serem qualificadas como compras e vendas de direitos.

11. Se era na sede do IRC que a AT pretendia tributar aquelas operações, era no seu âmbito que deveria ter colhido o seu suporte jurídico bastante.

Prosseguindo: 12.

A liquidação no caso em apreço, efectuada com base na alínea g) do n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC (CIRC) – na redacção à data, dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 03/07 –, padece de absoluta petição de princípio.

13.

Aquela norma explicita, apenas, o mecanismo de pagamento (retenção na fonte) aplicável aos denominados «... rendimentos de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português ...» – não é norma de incidência.

14. Impunha-se determinar a montante se aqueles rendimentos cabiam no âmbito de incidência em sede de IRC: podia haver lugar à retenção na fonte, se e na medida em que se apurasse a priori estarmos diante de uma manifestação de capacidade contributiva, sendo que, para aferir isso, a AT assumiu um raciocínio infundado.

15. Partindo da consideração de uma determinada realidade de facto (a transacção de direitos entre a impugnante e uma entidade não residente), a AT, apoiando-se na sua leitura do artigo 88.º do CIRC e do n.º 3 do artigo 4.º do CIVA, assume como premissa do seu raciocínio a existência de uma prestação de serviços.

16.

A inclusão da cedência temporária ou definitiva de um jogador e as indemnizações de promoção e valoração na categoria residual das prestações de serviços para efeitos da sua tributação em sede de IVA, não transfigura essas realidades em rendimentos sujeitos para efeitos de IRC: preencher o âmbito de incidência do IRC por recurso a um conceito próprio cuja utilização só cabe no contexto de delimitação da incidência do IVA, é errado e, neste caso, ilegal.

17. Quer a AT quer o Tribunal a quo, erram na aplicação do Direito concretamente mobilizável, mormente no que respeita à delimitação da incidência em IRC e, com isso, na pretensa aplicação do mecanismo da retenção da fonte neste caso.

Sem prescindir, 18. O preço pago à C………… pela A………… não pode ser qualificado como a justa indemnização prevista no artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98: o objectivo deste preceito é ressarcir a anterior entidade empregadora desportiva dos custos que esta teve com a promoção ou valorização dos praticantes desportivos; sendo a C……….. uma entidade não desportiva, a mesma não pode, por definição, receber qualquer valor a título de promoção ou valorização do praticante desportivo; acresce que nem a Administração fiscal nem o Tribunal a quo tentaram provar que a C………… teve despesas com a promoção ou valorização dos jogadores em causa.

19. Por outro lado, a indemnização referida no artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98 não era, nos presentes autos, obrigatória: tratando-se de jogadores “livres” os mesmos não necessitavam de pagar o que quer que fosse a um qualquer clube desportivo para poderem celebrar um contrato com um outro clube; tendo a A………… adquirido os direitos económico-desportivos de jogadores “livres” a mesma poderia proceder à sua posterior alienação sem que, para tal, tivesse que pagar qualquer indemnização; acresce que desde o acórdão Bosman que apenas as transferências realizadas entre clubes desportivos situados em Portugal – e já não as realizadas entre clubes portugueses e estrangeiros – estão sujeitas à indemnização prevista no artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98 pelo que, não tendo os jogadores em causa qualquer contrato de trabalho desportivo com um clube português, a sua posterior contratação por um Clube português não implicaria o pagamento de qualquer indemnização – ao anterior clube, à C……….. ou à A……….. – ao abrigo do artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98.

20. Concluindo, não dando a compra de direitos desportivos, por parte da A……….., lugar ao pagamento de qualquer indemnização ao abrigo do artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98, tal operação não pode, naturalmente ser tributada em sede de IVA ao abrigo do artigo 4.º, n.º 3, 2.ª parte. Não havendo lugar a tributação em sede de IVA com este fundamento, o mesmo também não pode, logicamente, servir para tributar a operação em sede de IRC.

Ainda sem prescindir, 21. Os pagamentos efectuados pela A………… à C………… também não podem ser subsumidos ao conceito de prémio de assinatura, que corresponde ao valor que um jogador “livre” poderia exigir ao clube desportivo com o qual celebra um novo contrato de trabalho desportivo. Com efeito, o prémio de assinatura é pago aos próprios jogadores “livres”, que são quem dispõe dos seus direitos económico-desportivos, podendo assim exigir uma determinada quantia pela cessão dos mesmos. Ora, as únicas quantias que os jogadores em causa receberam tiveram a C……….. como entidade pagadora. Deste modo, se algum pagamento houvesse de ser tributado a título de prémio de assinatura, teria de ter sido esse.

22. A Sentença ignora por completo, aliás, a distinção entre Clube/SAD, por um lado, e empresário desportivo, por outro: com efeito, a fundamentação expendida pelo Tribunal a quo tem apenas aplicação às situações em que um Clube/SAD efectua um pagamento – encarado como prémio de assinatura – a uma entidade não desportiva não residente que detenha os direitos desportivos-económicos de um jogador “livre”. Ora, tal não é o caso dos autos.

Assim, 23. A leitura conjugada dos artigos 88.º, n.º 1 al. f) e 4.º, n.º 3 al. d) do CIRC diz-nos que os rendimentos derivados do exercício da actividade por parte de desportistas só estão sujeitos a retenção na fonte quando a referida actividade for praticada em território português: ora, não consta dos autos que D……….. tenha, em algum momento, exercido em Portugal a sua actividade desportiva ou, sequer, que tenha aqui residido; por sua vez, quando a A………. adquiriu os direitos económico-desportivos de B………., este era jogador do “AS Mónaco PC” e residia no Mónaco, não tendo os rendimentos derivados do exercício da sua actividade desportiva origem no território português.

24. Ao concluir em sentido diverso do exposto, a sentença padece de incontornável vício de erro de julgamento da matéria de Direito a cargo do...

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