Acórdão nº 376/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 376/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorrida B., Lda., a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada pela sigla LTC), do acórdão proferido por aquele Supremo Tribunal em 18 de setembro de 2018, que negou o recurso de revista interposto pela ora recorrente.

2. Na Decisão Sumária n.º 259/2019 (cfr. fls. 292-295), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, 3. e 4.):

«3. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que constituem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Cumpre, assim, aquilatar se tais pressupostos se encontram preenchidos, no presente recurso.

4. A recorrente erige como questão de constitucionalidade a apreciar por este Tribunal a referente à interpretação do artigo 335.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, interpretada «no sentido de considerar o direito fundamental à saúde a ceder ao direito ao exercício de uma atividade industrial molestadora da saúde».

Atentemos, desde já, ao teor literal do artigo 335.º, o qual se integra no capítulo respeitante às disposições gerais correspondente ao subtítulo IV, referente ao exercício e tutela dos direitos

«Artigo 335.º

(Colisão de direitos)

1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.

2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior. (destacado nosso)

Sublinhe-se, desde logo, que o n.º 2 do artigo 335.º do Código Civil não é constituído por alíneas, razão pela qual não tem pertinência a menção, no requerimento de interposição do recurso, à alínea a).

Por outro lado, evidencia-se, atento o enunciado da questão de constitucionalidade, a inidoneidade do objeto do presente recurso.

Como é sabido, o Tribunal Constitucional, no âmbito dos seus poderes cognitivos, apenas se encontra habilitado a julgar questões de constitucionalidade relativas a normas ou interpretações normativas, estando-lhe vedada a apreciação de decisões jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, pelo que a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da enunciação de uma verdadeira questão normativa. Deste modo, sob pena de inidoneidade, impende sobre o recorrente o ónus de delimitar como objeto material do recurso de constitucionalidade o critério normativo que presidiu ao juízo decisório do caso concreto, ou seja, uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, reportando-a, de forma certeira, a uma concreta disposição ou conjugação de disposições legais, em cuja literalidade encontre um mínimo de conexão, autonomizando-a claramente da pura atividade subsuntiva, intrinsecamente relacionada com as particularidades específicas do caso concreto.

Ora, no presente recurso, é manifesto que a recorrente pretende transportar para a jurisdição constitucional o reexame do juízo decisório efetuado pelo tribunal a quo, peticionando a este Tribunal que reaprecie o próprio ato de julgamento, na sua vertente casuística, mais especificamente, no que concerne à ponderação, para efeitos de integração no preceito que regula a colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, o n.º 2 do artigo 335.º do Código Civil, da qualificação dos direitos em confronto (direito fundamental de personalidade e direitos de propriedade e iniciativa económica) e sua articulação, matéria que é atinente à subsunção da factualidade dada como provada ao Direito.

Com efeito, é a...

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