Acórdão nº 366/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 366/2019

Processo n.º 152/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida Rede Ferroviária Nacional – REFER E.P.E., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (em seguida, «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal, em 31 de janeiro de 2019, que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 2, e 5.º, n.º 1, todos do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Aveiro, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Aveiro, de 21 de novembro de 2012.

2. A aqui recorrida impugnou judicialmente o indeferimento da reclamação graciosa que incidiu sobre o ato de liquidação da taxa de proteção civil, efetuada com base no Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Aveiro, respeitante ao ano de 2013, no valor de € 39.391,00.

Por sentença de 31 de janeiro de 2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou procedente a impugnação e, consequentemente, anulou o ato de liquidação impugnado.

Para o efeito, recusou a aplicação das normas dos artigos 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 2, e 5.º, n.º 1, do supra aludido Regulamento, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica.

3. Através do recurso interposto, pretende-se que este Tribunal aprecie a questão que decorre do excerto da decisão recorrida que seguidamente se transcreve:

«Também no caso aqui sob apreciação o Município de Aveiro qualifica o tributo em causa como «taxa», fundamentando-a, essencialmente, no art. 6.º, n.º 1, al. F), do RGTA. Porém, com explicou já o TC, tal não implica que o referido tributo tenha de ser qualificado como taxa. Assim como nos casos apreciados pelo TC e tal como decidido por este órgão nos acórdãos já acima referidos, o facto é que tal tributo é, na verdade, um imposto. Não é uma contribuição financeira, pois também aqui o Município pretendeu isolar uma prestação global no domínio da proteção civil, fazendo uma agregação do conjunto de gastos com o serviço de proteção civil (refere-se um custo global no valor de € 647.460,05), como estamos, igualmente, perante um conjunto indistinto e indistinguível de todas as prestações relativas à proteção civil, e não de uma prestação específica (custos com pessoal; aquisição de bens e serviços; amortizações; transferências correntes e de capital para terceiros; formação e ações de sensibilização; e outros custos). Sendo assim, não se pode afirmar que as entidades que gerem infraestruturas são beneficiadas por uma por uma determinada prestação ou atividade de proteção civil que as diferencie de qualquer outra entidade ou pessoa. Há uma despesa pública local genérica, realizada no domínio da proteção civil e que tem como fim compensar financeiramente o Município por: prestação de serviços de proteção civil; funcionamento da comissão municipal de defesa da floresta contra incêndios; cumprimento e execução do plano municipal de emergência (social); prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações; e promoção de ações de proteção civil e sensibilização para prevenção de riscos (art. 2.º, n.º 3, do Regulamento).

Ou seja, não estamos perante nem uma contribuição especial financeira – não há destinatários diferenciados de um benefício concreto-; nem uma contribuição de melhoria – não há uma vantagem económica particular resultante do exercício de uma atividade administrativa -; nem uma contribuição por maiores despesas – não se está perante casos em que as coisas possuídas ou a atividade exercida pelos particulares deem origem a uma maior despesa das autoridades públicas-; nem uma contribuição especial parafiscal – não se visa compensar uma entidade administrativa cuja atividade beneficie um grupo homogéneo-; e nem de uma contribuição especial extrafiscal, pois não se visa estimular, promover ou orientar quaisquer comportamentos positivos ou negativos em determinado domínio de atividade.

Assim, e como conclui o ac. do TC acima transcrito, trata-se, então, de saber se estamos perante uma verdadeira taxa ou, na verdade de um imposto, sendo que e como se pode naturalmente já antecipar, a denominada «taxa» não é mais do que um imposto, como decidiu o TC nos acórdãos já acima referidos, embora quanto a Regulamentos de outros Municípios.

Não se trata de uma taxa na medida em que o tributo aqui em casa engloba indiferenciadamente todos os custos do serviço municipal de proteção civil; o mesmo é genérico; não está em causa a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, mas sim a prestação de um serviço público. Além do mais, não há, aqui, um específico grupo que de destinatários que dá causa a uma atividade ou dela beneficia. A causa da atividade e o benefício que dela decorre dilui-se na generalidade da população. A atividade em causa não é uma atividade concreta, pois há uma agregação de vários atos, de várias atividades indiferenciadas e que se referem à atividade municipal de proteção civil. Como referiu o TC no acórdão acima transcrito e que aplica na perfeição ao caso dos presentes autos, tudo se passa por separar uma determinada área de atividade de uma pessoa coletiva pública, calcular os seus custos, sendo que o próprio município reconhecer que não está implementada a contabilidade de custos que permita identificar com rigor os custos de funcionamento das diversas unidades orgânicas, e fazê-los refletir sobre um conjunto maior ou menor de sujeitos. Como concluiu o TC e conclui este Tribunal, não há um recorte suficientemente definido das prestações concretas da entidade pública, nem há elementos suficientemente fortes que demonstrem a existência de uma relação de troca. Apesar de o Município de Aveiro alegar que existe um conjunto de serviços que são prestados através da Assembleia Municipal de Bombeiros de Aveiro e a Associação Humanitária Guilherme Gomes Fernandes, invoca, igualmente, que todos beneficiam desses serviços – o que, mais uma vez, reforça que a causa e o benefício desses serviços se diluem na generalidade da população-, como esses serviços não são individualizados nem individualizáveis, sendo apenas abstratamente delineados, como decorre do próprio Regulamento que fundamentou a liquidação da taxa aqui em causa.

Não decorre do Regulamento a identificação de uma específica prestação que possa ligar-se a um conjunto diferenciável de destinatários. Não é possível estabelecer uma relação com específicas pessoas ou determinados grupos que sejam causadores ou beneficiários destas atividades de proteção civil. Todos os que passem no referido Município podem potencialmente beneficiar dessas atividades. E assim se perde, como explica o TC, a conexão característica dos tributos comutativos: a atividade prestada é genérica, abstrata; e os beneficiários não são delimitáveis.

Deste modo, é de concluir que o tributo criado pela Assembleia Municipal de Aveiro se trata, na verdade, de um imposto, cuja aprovação é da competência exclusiva da Assembleia da República, nos termos do disposto no art. 165.º, n.º 1, al. I), da CRP, o que implica a inconstitucionalidade orgânica do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Aveio.

Consequentemente, tendo sido liquidada à Impugnante a «taxa municipal de proteção civil» referente ao ano de 2013 pelo facto de ser a entidade gestora da rede ferroviária nacional que percorre, também, a área do Município de Aveiro, nos termos do disposto no art. 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Aveiro, a qual é, na verdade, um imposto, e não tendo a mesma sido criada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado do Governo, tal liquidação deve ser anulada pelo facto de ter sido emitida com base em normas organicamente inconstitucionais, designadamente com base nas normas constantes dos arts. 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 2 e 5.º, n.º 1, do RMPC de Aveiro, recusando-se, assim, a aplicação de tais normais no caso concreto com fundamento na respetiva inconstitucionalidade orgânica».

4. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal vem, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos art.rs 70°, n° 1, al. a), 72°, n.ºs 1, alínea a) e 3, 75°, n.º 1, 75°A, n.º 1 e 78°, n.º 4 da Lei 28/82, de 15/11, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da douta sentença proferida no dia 31/01/2019, nos autos à margem referenciados, com os seguintes fundamentos:

1 - A douta sentença anulou a denominada Taxa Municipal de Proteção Civil, referente ao ano de 2013, que foi liquidada à Impugnante nos termos do disposto no art.º 4°, n.º 2 do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de A veiro 1, por considerar que aquela taxa é, na verdade, um imposto, cuja aprovação é da competência exclusiva da Assembleia da República, nos termos do disposto no art.° 165°, n.º 1, al. i) da Constituição da República Portuguesa.

2 - Porém, a mencionada TMPC de Aveiro não foi criada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado do Governo, tendo sido emitida com base em normas organicamente inconstitucionais, designadamente, com base nas normas constantes dos art.ºs 2°, n.º 1,4°, n.º 2 e 5°, n.º 1, todas do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Aveiro,

3 - Recusando-se assim a aplicação de tais normas, no caso concreto, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica.

Requer, por isso, se digne admitir o recurso ora interposto».

5. Notificado para o efeito, o recorrente...

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