Acórdão nº 390/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 390/2019

Processo n.º 228/19

1.ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra (TEP), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da decisão daquele Tribunal, de 20 de fevereiro de 2019.

2. O ora reclamante impugnou, perante o TEP, a decisão do Diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra que lhe aplicou as medidas disciplinares de permanência obrigatória no alojamento, pelo período de 25 dias, e de internamento em cela disciplinar, pelo período de dez dias, invocando a nulidade da notificação desta decisão, por não ter sido acompanhada do relatório final da instrução para cuja fundamentação a mesma decisão remete.

Recebida a impugnação no TEP, determinou-se a notificação ao impugnante do referido relatório, concedendo-se novo prazo de cinco dias - posteriormente prorrogado por mais cinco dias, na medida em que a notificação entretanto efetuada não remetera uma versão completa do relatório de instrução – para que o impugnante requeresse o que tivesse por conveniente.

Por decisão de 20 de fevereiro de 2019, o TEP, considerando sanada a irregularidade adveniente da falta de notificação do relatório final da instrução e, no mais, por não ter sido invocado qualquer outro fundamento, concluiu pela improcedência da impugnação.

Com interesse para os presentes autos, pode ler-se em tal decisão:

«Na impugnação deduzida a fls. 2 e segs., o impugnante limitou-se a invocar o que apelida de “nulidade”, referindo que a decisão que lhe foi notificada remete para o relatório de instrução que lhe não foi comunicado, pelo que dele não teve o necessário conhecimento.

Recebida a impugnação, determinou-se a notificação ao impugnante do relatório da instrução, tendo-se concedido um prazo de 5 dias – posteriormente prorrogado por mais 5 dias, na medida em que a notificação entretanto efectuada não remeteu uma versão completa do relatório de instrução – para que o impugnante requeresse o que tivesse por conveniente.

Em resposta a tal notificação apresentou o impugnante o requerimento de fls. 38, onde, uma vez mais, invoca o que denomina de novo como “nulidade”, insistindo na circunstância de faltar a junção do relatório de instrução, no momento em que foi notificado da decisão objecto de impugnação.

Cumpre decidir.

Estatui o art. 110º, 4 do CEP que “A decisão final e a sua fundamentação são notificadas ao recluso e ao seu defensor, quando o tenha, e registadas no processo individual daquele.”

Ora, no caso dos autos constata-se que, efectivamente, tal como resulta da notificação efectuada – cfr. fls. 21V – ao impugnante não foi dado a conhecer o relatório final.

Assim, apesar de não existir qualquer obrigatoriedade legalmente prevista, de notificação do relatório final, na medida em que, no caso, a decisão final para ele remete, designadamente quando refere que “Concordo com os fundamentos de facto e de direito constantes do relatório final da instrutora, que antecede (…), que aqui dou por integralmente reproduzidos (…)”, não pôde deixar de se entender que o citado relatório deveria ter sido notificado ao impugnante, até porque dele consta a fundamentação factual e jurídica que motivaram a condenação em sanção.

Todavia, tal irregularidade considera-se sanada, já que o Ilustre Defensor e o impugnante puderam, de imediato, ter acesso ao processo e que, por outro lado, aquando do recebimento da impugnação, se determinou a notificação do citado relatório, tendo-se concedido prazo igual ao da dedução de impugnação para que o impugnante se pronunciasse relativamente ao teor do mesmo.

Ou seja, constata-se que, face ao procedimento adoptado nos autos, tal falta de notificação em nada prejudicou o direito de defesa do impugnante, pelo que irregularidade que invocou terá necessariamente de ser considerada sanada – cfr. art. 123º do CPenal, aplicável ex vi art. 154º do CEP.

Assim, face ao exposto, considerando-se integralmente suprida a irregularidade invocada, improcede, nessa parte, a impugnação deduzida.

Por outro lado, contrariamente ao referido pelo impugnante, não se mostram violadas quaisquer normas da CRPortuguesa, designadamente aquelas por si invocadas.

De referir, ainda, que uma vez que o impugnante nenhum outro fundamento invocou para a dedução da impugnação – isto, apesar de lhe ter sido concedido, por duas vezes, prazo igual que a Lei fixa para a apresentação de impugnação, para requerer o que tivesse por conveniente, designadamente quanto ao teor do relatório de instrução, que lhe foi comunicado por este Tribunal – o incidente terá de ser, neste momento, liminarmente indeferido por falta de objecto, sendo assim manifestamente improcedente – cfr. art. 204º, 1 do CEP.

Notifique.»

Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade pelo recorrente.

3. Pela Decisão Sumária n.º 224/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. O recorrente interpôs o presente recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pedindo a apreciação da eventual inconstitucionalidade das normas acima indicadas nos pontos A. a D.

São requisitos da admissibilidade do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC: a aplicação, pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida; e o esgotamento dos recursos ordinários (n.º 2 do artigo 70.º da LTC). Estes requisitos são cumulativos, pelo que basta que um não esteja verificado para que o recurso não possa ser admitido. Nesse caso, o Relator pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC9.

Vejamos cada uma das questões colocadas pela recorrente.

4. No que respeita às “interpretaç[ões] e dimens[ões] normati[vas” identificadas nos pontos A. e B. do requerimento de recurso, verifica-se que nenhuma foi efetivamente aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida.

Relativamente à primeira, atentando na parte da decisão que ora interessa - em que é analisada a invocada nulidade da notificação da decisão disciplinar -, constata-se que em parte alguma se considerou «validamente efetuada a notificação ao recluso da decisão final e sua fundamentação». Pelo contrário, a decisão recorrida afirma expressamente que foi cometida uma irregularidade, considerando-a, porém, sanada, mediante a repetição de tal notificação e concessão de novo prazo de impugnação ao recorrente.

Quanto à segunda, tal como a recorrente a circunscreve no ponto B. do requerimento de recurso acima transcrito, também não foi adotada pela decisão recorrida. Com efeito, não vislumbramos em que segmento da decisão do TEP se assumiu ou entendeu que «[n]o âmbito de procedimento disciplinar a notificação ao recluso da decisão final e sua fundamentação bem como o assegurar do exercício do direito à impugnação bastam-se com a entrega de cópia do despacho assinado pelo Diretor do estabelecimento prisional (…) mas sem efetuar a junção de cópia de tal relatório, o qual é desconhecido do recluso por nunca lhe ter sido notificado».

Contrariamente, como se pode constatar pela decisão acima transcrita, a decisão do TEP assenta no entendimento de que «o citado relatório deveria ter sido notificado ao impugnante, até porque dele consta a fundamentação factual e jurídica que motivou a condenação em sanção». Aquilo que se sustenta é que, não obstante a verificação de tal irregularidade, no caso concreto, em virtude da repetição da notificação acompanhada da cópia do relatório, tal vício em nada prejudicou o direito de defesa do impugnante, considerando-se, por tal motivo, sanado.

Uma vez que não se pode dar como verificado o requisito da aplicação, pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de qualquer uma das interpretações sindicadas, mais não resta do que concluir pela impossibilidade legal de conhecimento do recurso nesta parte.

5. Finalmente, para que fossem conhecidas as questões identificadas nos pontos C. e D. do requerimento de recurso acima transcrito seria necessário que o recorrente tivesse suscitado as específicas questões de constitucionalidade aí mencionadas, que pretendia ver apreciadas, previamente e de forma adequada, junto do tribunal a quo, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria. O que não sucedeu, como se pode constatar pela leitura da impugnação apresentada perante o TEP e dos requerimentos com a referência 31340460 e 31591453.

Pelo exposto, não tendo suscitado a questão de constitucionalidade nos termos referidos, nem se verificando qualquer situação excecional que o dispensasse de tal ónus, encontra-se definitivamente prejudicada a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, concluindo-se, desde já, pela inadmissibilidade do mesmo nesta parte.»

4. De tal decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o que fez nos seguintes termos:

«A., arguido/recorrente nos autos supra referenciados e nos mesmos melhor identificado, tendo sido notificado...

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