Acórdão nº 348/18.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMI
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente(s): - (…) S. A.

;*(..) LDA. intentou a presente acção declarativa comum contra (…) S. A., tendo pedido que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 20.838,78€.

Para o efeito, alegou que celebrou com a ré um contrato de seguro multirriscos comerciante que, ademais, cobria riscos eléctricos, abrangendo o edifício da autora e seu conteúdo, sendo que, no dia 28/8/2017, uma das câmaras frigoríficas da autora veio a sofrer uma avaria, em cuja reparação a autora gastou 159,90€, sendo que, mercê de tal avaria e da consequente não refrigeração da câmara frigorífica, veio a deteriorar-se a fruta e legumes que a autora conservava na câmara frigorífica, no valor total de 13.108,30€, entendendo a autora que a ré é responsável pela indemnização dos prejuízos assim sofridos em atenção às obrigações que assumiu no aludido contrato de seguro, tendo a autora ficado convencida, aquando da sua celebração, que também aquelas mercadorias ficariam garantidas pelo contrato de seguro.

*Tendo sido citada, a ré veio apresentar contestação onde, em suma, repudiou a sua responsabilidade pela indemnização dos danos reclamados pela autora no que tange à deterioração da fruta/legumes, por entender que os mesmos não têm enquadramento contratual, tendo ainda alegado que procedeu ao pagamento à autora do valor da reparação da câmara frigorífica nos termos que lhe competiam de acordo com o contrato.

*Findos os articulados, teve lugar nos autos a realização de uma audiência prévia, no decurso da qual se proferiu o despacho saneador e o despacho a que alude o art. 596.º, n.º 1, do CPC, tendo-se ainda fixado o valor da causa (cfr. fls. 75 e ss.).

*Após instrução da causa, designou-se data para a realização da audiência de julgamento, a qual decorreu com observância das formalidades legais, mantendo-se os pressupostos de validade e regularidade da instância.

*De seguida, foi proferida a seguinte sentença: “IV - DECISÃO Pelo exposto, na parcial procedência da acção, condeno a ré “(…) S.A.”, a proceder ao pagamento à autora “(…) Lda.” da quantia de 13.108,30€.

Custas a cargo de ambas as partes na proporção do seu decaimento (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).”*É justamente desta decisão que a Ré/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES: 1. A matéria vertida na alínea Z dos factos dados como provados – “A Autora não teria celebrado o contrato de seguro referido em D) se o mesmo não cobrisse os riscos ou prejuízos decorrentes dos danos provocados nas frutas e legumes armazenados nas suas câmaras frigoríficas em resultado da avaria eléctrica dos sistemas de refrigeração destas câmaras ou de qualquer outra causa.” – deverá ser dada como não provada ou, em alternativa e caso assim não se entenda, deverá tal matéria não ser considerada como relevante para a boa decisão da causa, considerando o carácter subjectivo da mesma, de apenas ter sido confirmada pelo depoimento prestado pelo legal representante da Recorrida e de resultou como não provado que fosse do conhecimento da Recorrente que, para a Recorrida, seria essencial para a celebração do contrato que o risco de deterioração das mercadorias em virtude da avarias nas câmaras frigoríficas estivesse contemplado pelas coberturas do contrato, atendendo a que a Recorrida nunca o referiu expressamente nas negociações que antecederam a celebração do mesmo.

  1. Ora, resulta evidente da prova produzida que nenhuma das coberturas contratadas cobria o risco de danificação das mercadorias em consequência da avaria verificada nas câmaras frigoríficas, nomeadamente a cobertura de “riscos eléctricos” que, conforme consta da alínea G) dos factos provados, apenas cobre “os danos ou prejuízos causados a quaisquer máquinas eléctricas, transformadores, aparelhos e instalações eléctricas (que obedeçam às normas legais) e aos seus acessórios (…)”, conforme dispõe a cláusula 3ª, ponto 3, das Condições Gerais do contrato.

  2. A Recorrente, ao abrigo desta cobertura, pagou já à Recorrida a indemnização devida pela reparação da câmara frigorífica, deduzida da franquia contratualmente estabelecida e do valor do IVA, cumprindo, assim, a sua obrigação contratual, no montante de € 30,00.

  3. A decisão proferida pelo Tribunal a quo entende que “das condições particulares da apólice (…) pareceria poder retirar-se que o conteúdo do edifício estaria afinal incluído nos bens/objectos seguros por referência a todas as coberturas contratadas, dado ali não se diferenciar os bens/objectos seguros em relação às diferentes coberturas, pelo que também a cobertura dos “riscos eléctricos” pareceria garantir os danos advindos para a mercadoria”.

  4. Em consequência de tal entendimento, que, salvo o devido respeito por opinião contrária, parece desadequado e abusivo, vem a sentença condenar a Recorrente, com base na aplicação do regime específico das clausulas contratuais gerais, na acepção do disposto no Art.º 1º do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro, por entender que houve, por parte da recorrente uma violação do dever de comunicação e informação.

  5. Ora, em primeiro lugar, em momento algum a Recorrida alegou que tivesse havido uma violação do dever de comunicação e de informação por parte da Recorrente.

  6. Na verdade, apenas alegou a Recorrida que teria ficado convencida que o contrato cobriria tal risco e que não teria celebrado o contrato se soubesse que não o estava. Ou seja, alegou um mero convencimento em relação a tal situação. E da prova produzida apenas as palavras do legal representante da Recorrida corroboraram tal convencimento, já que mais nenhuma prova foi produzida nesse sentido.

  7. Não tendo a Recorrida concretamente alegado a pretensa violação de tal dever, não pode a Recorrente ser condenada com base em tal fundamento, conforme preconiza a jurisprudência.

  8. Refere a sentença proferida pelo Tribunal a quo “que a Autora, em sede de petição inicial, alegou um conhecimento imperfeito/menos esclarecido do conteúdo do contrato, no que tange à cobertura de “riscos eléctricos”, tendo para tanto aduzido que solicitou expressamente a inclusão das mercadorias nos bens seguros, tendo-lhe sido referido que estariam seguras, sendo que foi nesse estado de convencimento que veio a celebrar o contrato, que não teria celebrado se o mesmo não cobrisse os riscos ou prejuízos decorrentes dos danos provocados nas frutas e legumes armazenados nas suas câmaras frigoríficas em resultado da avaria eléctrica dos sistemas de refrigeração dessas câmaras”.

  9. No caso vertente, a matéria dada como provada em CC) demonstra claramente que o contrato de seguro em causa nos autos, foi precedido de diversas negociações, nas quais intervieram o legal representante da Autora P. T. e o consultor comercial da Ré, F. M.., durante as quais a Autora poderia colocar todas as dúvidas e solicitar todos os esclarecimentos que entendesse pertinentes, relativamente às coberturas do contrato.

  10. Se é verdade que as mercadorias se encontravam seguras, como pretendia a Recorrida, já não é verdade que as mesmas estivessem seguras em relação ao risco em causa nos autos.

  11. E mesmo que fosse verdade que a Recorrida o pretendesse ver seguro, não informou a Recorrente de tal pretensão, nem esclareceu que não celebraria o contrato em tal caso.

  12. A matéria dada como provada em Z) – e que se entende que deverá ser dada como não provada – apenas foi confirmada pelo depoimento do legal representante da própria Autora, não tendo mais nenhuma prova sido produzida nesse sentido.

  13. Por outro lado, para além da subjectividade do vertido em Z e da confirmação de tal matéria apenas pelo depoimento prestado pelo legal representante da Autora, não resultou provado que fosse do conhecimento da Recorrente que seria essencial para a celebração do contrato que o risco de deterioração das mercadorias em virtude das avarias nas câmaras frigoríficas estivesse contemplado pelas coberturas do contrato, pois a Autora nunca o referiu expressamente nas negociações que antecederam a celebração do mesmo.

  14. Por outro lado ainda, da matéria dada como provada em BB), apenas resulta que as câmaras frigoríficas se encontravam seguras, não as mercadorias que se encontrassem dentro das mesmas.

  15. Ora, não pode ser exigido à Recorrente que soubesse das pretensões da Recorrida se esta expressamente não o referiu aquando da celebração do contrato, pois o estado de convencimento da Recorrida é meramente subjectivo não podendo ser exigível a um terceiro que dele tivesse conhecimento.

  16. Na interpretação das cláusulas de um contrato de seguro deve apurar-se o sentido normal da declaração, isto é, esta vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário possa deduzir do comportamento do declarante 18. Nas palavras de Mota Pinto releva, na interpretação de um contrato, o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde se podia conhecer. A este propósito, refere no mesmo sentido, Menezes Cordeiro que o legislador optou por «uma fasquia objectivamente variável: em cada caso se construirá (a “posição do real declaratário”), normativamente, a figura do declaratário normal».

  17. Para que se gerasse na Recorrida o direito a exigir da Recorrente o pagamento de uma indemnização em virtude de tal sinistro teria aquela de provar que o contrato de seguro celebrado entre as partes previa uma cobertura que cobrisse o acontecimento dos autos.

  18. Ora, no caso dos autos a Autora apenas logrou provar que pretendia segurar as mercadorias, que, de facto, se encontravam seguras para uma diversidade de riscos previstos no contrato, como os de incêndio, danos por água, furto ou roubo, tempestades e inundações e tantos...

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