Acórdão nº 526/15.1T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução14 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 6.ª Secção I. RELATÓRIO

  1. AA propôs ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, peticionando: «a) (…) ser proferida sentença substitutiva da declaração de venda do Réu à Autora do prédio urbano, sito na Rua ..., N.º …, descrito sob o n.º …, na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito, sob o artigo …, na matriz predial urbana das freguesias de ... e …; [e] em consequência seja transmitida a propriedade do referido imóvel para a autora.

    1. ser o Réu condenado a pagar à Autora a título de indemnização as seguintes quantias: 1 – A quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), correspondente à renda mensal que a Autora não recebeu em função da frustração da celebração do contrato de arrendamento, e vencidas no mês de Fevereiro de 2015, acrescidos daqueles que à razão de 2.500,00 €, se vencerem até à data em que a Autora possa, celebrar novo contrato de arrendamento.

      2 – A quantia de € 26.514,00 (vinte e seis mil quinhentos e catorze euros), a título de despesas já pagas e com honorários com o escritório de Advogados, com todo o processo obtenção do visto e com o incumprimento do contrato promessa.

      3 – A quantia de 175.000,00€ (cento e setenta e cinco mil euros) corresponde aos lucros cessantes que caberiam à Autora em virtude dos resultados gerados pela frustração do investimento no projeto de desenvolvimento na atividade vito-vinícola, em função da não obtenção atempada do visto.

      4 – Aos referidos danos acrescem juros, às taxas legais desde a citação.

      5 – Os custos e as despesas com a obtenção da ficha técnica de habitação, do imóvel dos autos o liquidar em sede de execução de sentença.

    2. Ser reconhecido ao Réu o direito do levantamento do preço ainda em dívida depositado nos presentes autos, após pagamento das quantias referidos nas alíneas anteriores.» Subsidiariamente pediu: «a) Ser declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda dos autos, por factos exclusivamente imputáveis ao Réu; b) em consequência, ser o Réu condenado a pagar a Autora a quantia de € 1.283.999,78 (um milhão duzentos e oitenta e três mil novecentos e noventa e nove euros e setenta e oito cêntimos), correspondente ao dobro das quantias entregues pela Autora ao Réu a título de sinal e por conta do preço ao abrigo e em acrescida dos juros legais devido à taxa legal desde a citações até efetivo pagamento.» Mais requereu, relativamente ao pedido principal, «ordenar a notificação da Autora para proceder ao depósito do preço em dívida de acordo com o disposto no contrato promessa e seu aditamento.» Como fundamento da acção invocou, no essencial (de acordo com a descrição da primeira instância, sentença a fls. 408-409): «Celebrou contrato-promessa com o Réu, pelo qual este prometeu vender e a Autora comprar um móvel pelo preço de 735.000,00 €; A Autora pagou o sinal e seus reforços, ficando apenas por entregar apenas o montante de 111.500,00 €, cujo pagamento deveria ocorrer com a celebração do contrato definitivo; Foi acordado que a escritura seria celebrada até 31 de agosto de 2014; Por aditamento de 12 de setembro de 2014 o prazo foi alargado para 15 de janeiro de 2015, com novos reforços de sinal e a assunção pela Autora da obrigação de pagar outras quantias, estas dependentes de comunicação do Réu, referentes a manutenção do imóvel, IMI e custos acrescidos na execução face ao devido em 28-8-2014, bem como juros; a Autora pagou neste âmbito a quantia de 568.499,00 €; A Autora e o Réu, na pessoa do seu mandatário, acordaram verbalmente a marcação da escritura para 15 de janeiro, primeiro às 14:30 h e depois, por indisponibilidade do Réu nessa hora, às 16:00 h; Em 14 de janeiro e 15 de janeiro, até meia hora antes da diligência, a Autora não conseguiu proceder à emissão de guias para pagamento do IMT, porquanto o Réu tinha dívidas fiscais; A Autora, representada por gestor de negócios, apresentou-se no Cartório; pelas 16:15, o Réu informa que tinha acabado de proceder ao pagamento dessas dívidas; às 16:40 as guias foram presentes ao gestor de negócios da Autora, sendo esta hora tardia para a Autora poder proceder a tal pagamento, visto que por ser residente na China não tem cartão multibanco, ficando impossibilitada de obter cheque bancário, por os bancos estarem encerrados; O Réu comportou-se com manifesta má-fé ao regularizar a sua situação contributiva no próprio dia agendado para a escritura e simultaneamente com a hora marcada e por não ter comunicado essa regularização à Autora, obstando a que a Autora providenciasse em tempo útil pela emissão dos cheques que permitiriam o pagamento dos impostos; Incidiam penhoras sobre o imóvel, as quais eram desconhecidas da Autora e que subsistiam na data e hora designadas para a escritura; Faltava um documento essencial para a realização da escritura: a ficha técnica; Ficou acordado entre o gestor de negócios e o Réu que a escritura se realizaria depois de 22 de janeiro de 2015, mas apesar da Autora ter tentado contactar o Réu, não obteve resposta; Em 19 de janeiro de 2015, o Réu havia enviado à Autora carta resolvendo o contrato-promessa; Pende ação administrativa relativa ao imóvel, se não for julgada a inutilidade superveniente da lide pode-se inviabilizar o pedido de execução específica; A conduta do Réu causou danos à Autora, quer psicológicos, quer com a frustração de recebimento de contrato de arrendamento que já estava prometido, com despesas de estadia e deslocação e despesas com processo para obtenção do visto e perda de projeto de investimento.» B) O Réu contestou, invocando para esse efeito (de acordo a súmula elaborada pela primeira instância, sentença a fls. 409-410): «A litigância de má-fé da Autora na celebração e execução do contrato; Em data anterior a 31 de agosto de 2014 entregou á sociedade imobiliária certidão de extinção de dívidas fiscais e da Câmara Municipal de ... que dispensava a ficha técnica; O contrato definitivo não se realizou nessa data, porque a Autora não tinha as quantias necessárias para o pagamento do preço; O aditamento previa como data limite o dia 15 de janeiro de 2015 para a celebração do contrato definitivo; A Autora não pagou nas respetivas datas as quantias acordadas nas alíneas b) e c) da cláusula 2ª do aditamento; Em 17-10-2014 a Ré comunicou a resolução do contrato, resolução que veio a revogar; A Autora não pagou juros e despesas a que se obrigara; Em 15.1.2015 a Autora reunia todas as condições necessárias para a realização da escritura pública: entregou todas as certidões para cancelamento de todas as penhoras que incidiam sobre o imóvel; entregou o distrate relativo às hipotecas e entregou a certidão da Câmara Municipal de ..., com a dispensa de apresentação da ficha técnica; mais pagou todos os impostos, que permitiram a emissão das guias relativas ao IMT, a cargo da Autora; Nessa data a Autora não tinha meios financeiros para pagar ao Réu, nem para pagar os impostos devidos a título de IMT; O Réu tinha consigo, no Cartório Notarial (a 15.01.2015) as certidões emitidas pelo Serviço de Finanças de ... para cancelamento das referidas penhoras e os respetivos originais; Conforme acordado os cancelamentos das penhoras seriam apresentados imediatamente antes da celebração da escritura; A Autora autocolocou-se em incumprimento, agindo em manifesto abuso de direito por venire contra factum proprium – art. 334º do código Civil; a Autora não compareceu no Cartório Notarial, no dia 15.01.2015, nem deu prévio conhecimento ao R. dum pretenso representante indicado no artigo 37º da petição inicial – “gestor de negócios Dr. CC”, que desconhecia, e ainda ignora, por completo; A Autora sabia antecipadamente que não se realizaria a escritura publica de compra e venda; A ficha técnica da habitação era dispensável; O gestor de negócios Dr. CC não tinha em depósito dinheiro para pagar a preço da compra e venda; O Réu aceitou que a escritura se realizasse no dia 16 de janeiro ou 19 de janeiro, mas o gestor de negócios afirmou que ia à China tentar obter o dinheiro, pelo que o Réu afirmou que ia pensar; O Réu resolveu o contrato por carta expedida a 19-1-1015, que a Autora recebeu a 26-1-2015.» Conclui pelo julgamento da acção como improcedente por não provada, com absolvição do réu da instância e dos pedidos; a condenação da Autora por abuso de direito, culpa in contrahendo e litigância com patente má fé; a condenação da Autora na compensação dos danos patrimoniais e morais causados e reembolso de todas as despesas suportadas nos autos; assim como a condenação em custas, procuradoria, taxas de justiça e demais encargos legais.

  2. DD veio requerer a sua intervenção principal espontânea activa, associado à Autora como parte principal, por ser casado com esta; tal requerimento foi deferido e admitida a respectiva intervenção processual (fls. 274).

  3. No decurso da instância, foi depositado o valor de 111.500,00 € relativo ao preço em falta, em execução de despacho que o determinou (fls. 274). Foi registada a acção, uma vez que se peticionava a execução específica. Foi apresentada ficha técnica de habitação do imóvel.

  4. A instância observou a tramitação normal, realizou-se a audiência prévia, foi fixado o valor à causa, elaborado despacho saneador tabular, identificado o objecto do litígio e fixados os temas da prova.

    Concluída a audiência final de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, declarando os factos provados e os não provados e contendo a respectiva motivação, decidiu, sendo relevante nos autos “apurar se o Réu incumpriu o contrato celebrado entre as partes e as consequências desse incumprimento, nomeadamente quanto à execução específica e à produção de danos indemnizáveis, resolução do contrato e restituição do sinal em dobro” e ainda “apreciar se se verifica abuso de direito” (sentença, que faz fls. 410), julgar (com manifesto lapso de escrita quanto à identidade da Autora e do Interveniente Principal): “a ação parcialmente...

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