Acórdão nº 00859/17.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução01 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: EMVSI (Rua R…, Porto) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto que em acção administrativa com vista a impugnar despacho de 07/04/2016 do Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, que determinou a caducidade do acto de licenciamento de uma obra de construção, absolveu da instância o Município do Porto (R. Guilherme Costa Carvalho, nº 38, 4000-274 Porto), por ter “procedente a excepção de intempestividade da prática do acto processual”.

*Conclui: A/ Entende a recorrente que a douta Sentença recorrida omitiu in totum a respetiva fundamentação de facto (máxime a vertida nos autos pela A.), apreciando de imediato as questões sub judice de um estrito ponto de vista exclusivamente académico, e concluindo, a final, pela qualificação jurídica dos vícios assacados pela A. em termos que a conduziram a decidir pela verificação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação.

B/ Pelo que, omitindo a sentença apelada a respetiva fundamentação de facto, a mesma padecerá de uma nulidade a qual desde já se invoca nos termos, inter alia, dos artigos 607.º e 615º nº 1 b) do CPC ex vi artigo 1º CPTA (cfr. sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-11-2017 (proc. 3309/16.8T8VIS-A.C1); ou ainda o ponto 2 do sumário do Acórdão do TCA Norte, 28-04-2016 (proc. 00385/08.0BEBRG), o que se requer e confia ver decidido e declarado com todas as legais consequências.

Subsidiariamente, sem prescindir, e para a hipótese de assim se não vir a entender: C/ Nos art.ºs 63 e ss da p.i. a aqui recorrente deixou alegado um vício de forma, tendo por base a preterição da formalidade de audiência prévia, invocando não ter sido notificada para exercer tal direito relativamente ao projeto de decisão da declaração de caducidade.

D/ A este respeito a decisão recorrida limita-se a referir que “ Indagados os vícios atirados pela A. contra a decisão impugnada, conforme atrás enunciámos de forma sintética, considera-se que o indicado no ponto i) supra redunda num vício de forma (…) gerador de mera anulabilidade, enquanto regime-regra das invalidades dos actos administrativos (cf. o artigo 163º nº 1 do CPA).

E/ Resulta dos artigos 100.º e ss do CPA, que, concluída a instrução procedimental - e salvo o disposto no artigo 103.º – os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento em causa, antes de ser tomada a decisão final, visando assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses, em cumprimento da diretiva constitucional expressa no artigo 267.º n.º 5 da CRP de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.

F/ O cumprimento, pelo Município R., de tal determinação legal constitui uma formalidade essencial cuja violação ou a sua incorreta realização determina - atenta a interdependência e conexão sequencial entre os diversos actos procedimentais - a ilegalidade do próprio acto final.

G/ Assim, a violação do dever de audiência prévia, enquanto formalidade essencial, tem como consequência jurídica a ilegalidade do ato, sancionada, com a nulidade do mesmo, nos termos do artigo 161º nº 1 d) do CPA – sanção prevista para os atos praticados com ofensa pelo contudo essencial de um direito fundamental - na medida em que o artigo 100.º do CPA constitui uma concretização constitucional.

H/ Nulidade essa que, tendo em conta a factualidade melhor identificada na p.i. pela A. – máxime no âmbito do procedimento melhor identificado nos autos – teria, cremos, que ser declarada (mesmo oficiosamente) pelo Tribunal a quo, o que se deixa invocado para todos os devidos e legais efeitos.

Acresce que, I/ Entende a recorrente que nas caducidades previstas no art.º 71º do RJUE, em que a Administração valora as causas do não cumprimento, por parte do particular, de forma a averiguar se a relação jurídica estabelecida deverá ou não permanecer, existe não só uma obrigatoriedade de declaração da caducidade, como também ela própria produz efeitos jurídicos, operando a partir do momento em que é declarada, mais referindo que nestes casos, a declaração da Administração a decretar a caducidade do licenciamento é o momento a partir do qual os efeitos jurídicos se começam a produzir.

J/ É dizer: mesmo que se tivesse esgotado o prazo máximo fixado pela Administração e estivessem esgotadas as possibilidades de prorrogação (como parece suceder no caso aqui em causa), por estarmos perante uma caducidade-sanção e não uma caducidade preclusiva, a declaração de caducidade tem sempre efeitos constitutivos e não declarativos.

L/ Concluindo-se, portanto, que, enquanto a declaração de caducidade não fosse emanada a A. poderia requerer a emissão do Alvará, já que a causa que gera a caducidade - o decurso do tempo sem que a emissão do Alvará tivesse sido requerida - não constitui em si mesmo um facto extintivo.

M/ Ora, sobre tal circunstância, o Tribunal a quo limitou-se a referir, de forma inaceitavelmente perfunctória o seguinte: “Indagado os vícios atirados pela A. contra a decisão impugnada (…) considera-se que o (…) explicitado ponto ii) um vicio de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito (…) gerador de mera anulabilidade, enquanto regime-regra das invalidades dos actos administrativos (cf. o artigo 163º nº 1 do CPA).

N/ Conforme vindo de referir a A. sustenta, desde a p.i., que não basta a mera verificação do pressuposto objetivo do decurso do tempo, uma vez que tal caducidade não é automática, sendo sempre necessária uma declaração administrativa para fazer operar o efeito extintivo do direito, e, por maioria de razão, do ato administrativo impugnando.

O/ O que implica, já se vê, que o prazo de 3 meses previsto no artigo 58º nº 1 b) do CPTA não se aplique in casu, mas sim o prazo de um ano previsto no artigo 58º nº 3 alínea c) do CPTA onde se estipula que “Quando, não tendo ainda decorrido um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma.” P/ Ainda que – como defendido nos autos pelo Município R. – se pudesse entender que se trata de uma formulação legal ambígua, o que não pode aceitar-se é que o Tribunal pura e simplesmente ignore tal questão, absolutamente essencial para o caso sub judice.

Q/ Quando é sabido que o Tribunal a quo teria que apreciar a relação material controvertida sob o prisma da sua factualidade, pois, só com o caso concreto em mãos poderia considerar o prazo estipulado na alínea c) do nº 3 do artigo 58º do CPTA (aplicável, como se viu, in casu).

R/ O que se impõe, quer por força do Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva – art.º 268 nº 4 da Constituição da República Portuguesa, quer, bem assim, por força do artigo 7º do CPTA.

S/ Por outro lado, a recorrente imputou (e imputa) ao acto em causa um vício de violação de lei, por prática de ato de objeto impossível, no momento em que o mesmo o foi, por parte do Município do Porto (traduzido numa sequência de vários erros sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito, que afectam a validade de tal acto, nos termos do artigo 148º do CPA).

T/ Conforme alegado (em 56.º da p.i.),a A. requereu a emissão do Alvará em 23/03/2015, pelo que a partir dessa data, e nos termos do art.º 76º, n.º 5 do RJUE, o Réu apenas poderia recusar a emissão do Alvará com base na revogação ou suspensão da licença (ou com fundamento na sua nulidade ou anulabilidade).

U/ O que significa que, desde essa data, o Réu estava impedido de declarar a caducidade dessa licença (era-lhe impossível fazê-lo), V/ Pelo que a declaração de caducidade, notificada à A. em 12.04.2016, por ser posterior à data em que foi requerida a emissão do Alvará, constitui, também por isso, um acto nulo, por violação da lei, nos termos do art.º 161º, n.º 2, alínea c) do CPA, por configurar um acto cujo conteúdo ou objecto é impossível – cfr. art.º 133.º n.º 2 d) do CPA.

W/ Impossibilidade essa que aqui deve se entendida num sentido jurídico-invalidante, é dizer: ignorando a entidade administrativa, de forma grosseira, uma realidade factual indesmentível (como seja o facto de ter sido requerida a emissão do Alvará) que impede a prática de um acto como aquele que veio a praticar, a consequência da prática de tal ato não pode senão ser, do ponto de vista da aferição da sua validade, a da respetiva nulidade.

X/ Sendo certo que, a não ser assim, estariam em causa os mais elementares princípios constitucionais de consagração de uma tutela jurisdicional efectiva e plena, de escopo material, e de procura da justiça (haja em vista que não deixa de ser chocante que o Município tenha pura e simplesmente contrariando uma realidade que a isso o impedia, nos termos legais – com gravíssimas consequências no que aos direitos da A. diz respeito – e a douta decisão recorrida a isso dedique um único paragrafo para dizer que se trataria de um “eventual erro nos pressupostos”).

Z/ O que se deixa, uma vez mais, invocado para todos os legais efeitos.

AA/ Por último, A. assacou ao acto impugnado um vício de nulidade, por violação de lei, consubstanciada na emissão de um ato administrativo ofensivo de conteúdo essencial de um direito fundamental – cfr. art.º 161º nº 2 d) do CPA.

BB/ Sendo manifesto que o ato impugnado teria uma consequência ablatória ao causar uma grave lesão nos direitos da A., que assim se veria impedida de vender o imóvel com capacidade construtiva e/ou de executar ela própria as obras.

CC/ A este respeito o Tribunal a quo refere unicamente que “…na órbita da nulidade não circulam os actos administrativos ofensivos de todos os direitos fundamentais inscritos na CRP, mas apenas aqueles que giram em torno dos direitos...

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