Acórdão nº 0166/11.4BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…………, Lda, interpôs para a Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, recurso de revista do acórdão do TCA Sul, proferido em 28.06.2018, que confirmou a sentença do TAF de Sintra que, por ineptidão da petição inicial, absolvera da instância o Réu - inicialmente, a Administração da Região Hidrográfica do Centro, IP, a que sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente, IP - na acção administrativa comum, na qual são deduzidos pedidos de condenação no pagamento de indemnizações.

A recorrente apresentou alegações com o seguinte quadro conclusivo: 1. A ora recorrente instaurou uma acção administrativa comum contra a ADMINISTRAÇÃO DE REGIÃO HIDROGRÁFICA DO CENTRO, IP, entretanto absorvida na AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, IP (alínea d) do n.º 1 do art. 15.º do DL 56/2012, de 12 de Março), pedindo a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização de arquitectura variável por danos e prejuízos decorrentes da prática de um acto ilícito, consubstanciado na fixação de um prazo de duração da licença ou concessão inferior ao que resultaria da lei (art. 25.º, n.º 2, do DL 225-A/2007, de 31 de Maio) e também da própria actuação da ré que sempre lhe deu a entender que lhe atribuiria um prazo pelo menos até 2025, o que não fez em clara violação do princípio da boa fé, na sua vertente da confiança, consagrado no art. 6.º-A do CPA ao tempo em vigor (CPA anterior ao que foi aprovado pelo DL 4/2015, de 7 de janeiro).

  1. Sucede que por despacho saneador-sentença, a 1.ª instância absolveu a ré da instância por ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, bem como por verificação da excepção inominada prevista no n.º 2 do art. 38.º do CPTA.

  2. Não conformada, a autora recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Sul que, primeiro por decisão singular e posteriormente, no seguimento de reclamação para conferência, por Acórdão, manteve a decisão recorrida.

  3. É desse Acórdão que a recorrente interpõe o presente recurso de revista excepcional.

  4. Nos termos do disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  5. Crê a recorrente que no caso em apreço se verificam as circunstâncias que legitimam o presente recurso em razão da necessidade clara de uma melhor aplicação do direito.

  6. Desde logo, importa saber se a apontada ineptidão da petição inicial, primeira das excepções invocadas, é tão evidente que torna inútil qualquer instrução posterior para apreciação e julgamento do pedido.

  7. Essa, a clara evidência de que, face à petição, se torna inútil dar continuidade ao processo para apreciação e julgamento do pedido, parece ser a métrica jurisprudencialmente assumida para fundamentar uma decisão tão radical.

  8. E se não é assim tão evidente, justifica-se plenamente a intervenção do tribunal superior para se estabelecer com mais rigor os contornos da figura para que o direito melhor possa ser aplicado e assim assegurada a tutela jurisdicional efectiva postulada pelo art. 2.º do CPTA que, de contrário, ficaria comprometida.

  9. E essa dita inutilidade não é evidente, pelo menos com a intensidade que uma corrente jurisprudencial mais recente exige para inviabilizar a apreciação e julgamento do pedido.

  10. Mas também quanto à segunda excepção invocada, precípua do normativo constante do art. 38.º, n.º 2, do CPTA, necessário se torna fazer intervir o tribunal superior para saber se o pedido de indemnização deduzido em acção administrativa comum, como é o caso, consubstancia o efeito que resultaria da “anulação do acto inimpugnável”.

  11. Para o tribunal a quo, a autora, ao ter peticionado em acção administrativa comum o pagamento de uma indemnização em resultado de danos decorrentes de um acto, que reputa ilícito, imputável à ré, sem o ter atacado previamente, e já não estando em prazo para o fazer, procura obter o efeito que resultaria da anulação desse acto, agora inimpugnável, o que lhe estaria vedado pelo n.º 2 do art. 38.º do CPTA.

  12. A interpretação a ter do art. 38.º do CPTA e designadamente do disposto no seu n.º 2 deve, contudo, ser mais aberta e menos restritiva relativamente à possibilidade de sindicar incidentalmente a validade do acto administrativo que não possa já ser tempestivamente atacado.

  13. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, a pp 227 e ss, depois de referirem, em nota de rodapé, que o STA começou por interpretar a ressalva contida na segunda parte do preceito como constituindo “uma verdadeira excepção peremptória do exercício do direito de indemnização atribuindo assim à acção indemnizatória uma natureza meramente subsidiária em relação ao recurso contencioso”, informam que, “embora tenha havido divergências quanto à interpretação deste dispositivo legal (referem-se à citada corrente jurisprudencial do STA), a jurisprudência administrativa — na linha do ensinamento entretanto expresso por AFONSO QUEIRÓ — acabou por fixar-se no entendimento de que nele não se estabelece um regime de caducidade do direito de ressarcimento, mas um regime de exclusão ou diminuição da indemnização quando a negligência processual do lesado, por falta ou deficiente impugnação contenciosa do acto administrativo ilegal ou utilização de meios processuais acessórios, tenha contribuído para a produção ou agravamento dos danos.

  14. E mais à frente: “o regime de direito substantivo que abre... a possibilidade da apreciação incidental da ilegalidade de actos administrativos inimpugnáveis, segundo o disposto no artigo 38.º do CPTA, não é o resultante do artigo 7.º do Decreto-Lei n. 48051, mas o que advém das normas do artigo 22.º da CRP e dos artigos 2.º e 3.º deste último diploma, que consagram o dever de a Administração reparar os danos resultantes dos seus actos administrativos ilegais como um efeito jurídico distinto daquele que pode ser obtido pela via do processo impugnatório.

  15. É por este motivo que, no n.º 1 deste artigo 38.º, desde logo se admite que a apreciação incidental da ilegalidade de um acto administrativo pode ter lugar no âmbito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes da prática desse acto.

  16. A procedência do pedido indemnizatório depende da verificação dessa ilegalidade e esta carece de ser analisada incidentalmente sempre que o pedido seja deduzido em processo autónomo (no âmbito da acção administrativa comum), e não em cumulação com um pedido impugnatório (no âmbito de uma acção administrativa especial).

  17. Mas, por outro lado, a acção de responsabilidade não se confunde com uma acção dirigida ao próprio restabelecimento dos direitos ou interesses postos em causa por um acto administrativo ilegal, que, embora também siga os termos da acção administrativa comum (cfr. artigo 37.º, n.º 2, alínea d)), como se dirige à reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, pressupõe a prévia anulação desse acto, como resulta do n.º 2 do artigo 38.º (negrito nosso).

  18. Com esta acção, não pretende a recorrente obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.

  19. A recorrente não atacou em tempo o acto ilícito (fixação do termo da concessão em 2014), não porque estivesse de acordo com o seu sentido e alcance, mas apenas porque seria irrealista esperar obter uma decisão judicial que recuperasse em tempo útil o projecto.

  20. Na verdade, a concessão poderia ser garantidamente dada, no entendimento da recorrente, até 2025, e esse prazo até seria aceitável, mas, conforme se compreende, não se compadeceria com o tempo que uma acção administrativa consabidamente impõe para ajuizar sobre a ilicitude do acto (basta verificar o tempo já consumido pela presente acção).

  21. Se e quando a decisão chegasse, ainda que reconhecendo o direito à autora de explorar o aproveitamento até 2025, seria tarde para que o pudesse fazer numa óptica de rentabilidade económico-financeira do projecto. Daí que apenas a indemnização responda (e respondesse ao tempo da prática do acto) aos interesses da autora.

  22. Quer dizer, a recorrente...

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