Acórdão nº 8388/15.2BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
Data da Resolução | 22 de Maio de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acórdão I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 10.11.2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por J….
e E….
(doravante Recorridos ou impugnantes), que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referentes aos anos de 1995, 1996 e 1997.
O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “
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A douta sentença violou os artigos os artigos 661/1 do CPC, 668/1 alínea d) do CPC [actuais artigos 609° e 615° do CPC], o artigo 125° do CPPT, o artigo 413° do CPC (anterior artigo 515° do CPC), em virtude do tribunal "a quo" não ter considerado toda a prova carreada aos autos e não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar. A douta sentença violou também o artigo 38/ 1 alínea d) e 38/2 do CIRS em virtude da AT ter logrado demonstrar a existência de indícios suficientes que permitem descredibilizar a escrita do sujeito passivo e justificar a impossibilidade de comprovação exacta e directa da matéria tributável.
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Não foi tido em conta pelo tribunal "a quo" a constatação, pela inspecção tributária, da inexistência, "na contabilidade , de qualquer movimento na conta bancos mas tão só na conta caixa", facto de maior relevo na demonstração da necessidade inelutável de recurso a métodos indirectos para cálculo da matéria tributável, uma vez que, tal como salientado em sede de pedido de revisão da matéria tributável no Parecer do perito da administração tributária - também desconsiderado pelo tribunal "a quo" -, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos radicou também na "não contabilização de qualquer movimento na conta bancos apesar de haver recebimentos e pagamentos suportados por cheque".
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Reincidindo o perito da administração tributária ao evidenciar que "de facto a contabilidade sofre de insuficiências, irregularidades e inexactidões acima expostas, revelando indícios de incorrecção na determinação da matéria tributável. A não exibição de contratos promessa de compra e venda, a não contabilização dos cheques por si emitidos e pelos seus clientes (sublinhado nosso), a contabilização da venda de fracções e moradias muito abaixo do preço de mercado como é o caso de um T3 por apenas 8.000 contos em 1997 no Bº da Srª dos Remédios e de uma vivenda que curiosamente não contabilizou mas diz ter vendido por apenas 10.500 contos são prova das anomalias apontadas".
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Foi desconsiderada pelo tribunal "a quo" a prova testemunhal tendo, nessa sede, a testemunha J….., técnico de contas do impugnante à data dos factos, no concernente aos motivos que implicaram o recurso a métodos indirectos, respondido que o impugnante não pediu dinheiro emprestado ao banco para a construção das três moradias e do bloco habitacional constituído por 8 fracções e que a firma não recebeu adiantamentos dos compradores das moradias e das fracções, não sabendo, no entanto, responder se foi com dinheiro próprio que construiu as moradias e as fracções e se a compra dos materiais e o pagamento das prestações de serviços foi sempre feita em dinheiro ou através de cheques ou outro meio de pagamento, refugiando-se na resposta de que se limitava a lançar na contabilidade os documentos que lhe eram facultados pelo impugnante. Ou seja, nada se sabe sobre a origem do dinheiro, por que formas é que o impugnante conseguiu fazer face às enormes despesas de construção.
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A inspecção constatou, e a testemunha corroborou, que a contabilidade do impugnante nada tem a ver com a realidade, uma vez que não reflecte qualquer movimentação de cheques, empréstimos, livranças ou outras formas de movimentação de dinheiro, tratando-se de quantias tão elevadas.
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Estão em causa, no âmbito da actividade levada a cabo pelo impugnante - construção e venda de prédios -, quer na aquisição de material e de serviços, quer na venda das fracções e moradias, valores avultados que exigem a intervenção de entidades financeiras e que são incompatíveis com pagamentos em dinheiro, uma vez que estão em causa quantias avultadas que pressupõem a montante contratos garantísticos, que pressupõem a obtenção de empréstimos, a assunção de hipotecas e de outras garantias sucedâneas, valores e contratos que são incomportáveis com o transporte e pagamento em dinheiro vivo e, logo, de forma inelutável e imprescindível obrigando à movimentação da conta bancos . Factos que, por si e concatenados com a inexistência de adiantamentos por conta e não exibição de contratos promessa de compra e venda , são reveladores da evasão fiscal ostensiva perpetrada pelo impugnante. Verificou-se, pois, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, verificando-se a necessidade de recurso a métodos indirectos.
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Quanto ao indício área da construção , a douta sentença, embora enunciando este indicador, não o procura depois desconstruir ou destruir no sentido de não ser revelador de fundamentação para aplicação de métodos indirectos, em violação dos artigos supra.
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Quanto aos indícios/ indicadores preços praticados no mercado, área da construção e localização, o tribunal "a quo" desconsiderou [para além do facto do impugnante , nos anos de 1995 a 1997, ter vendido três moradias e oito fracções obtendo no conjunto desses três anos apenas um lucro de cerca de 5.500 contos, ou seja, em média um lucro de 500 contos (2.500 €) por cada venda], a comparação efectuada pela inspecção tributária com os valores unitários de custo de construção por m2 previstos nas portarias n° 975-C/94, de 31/10, n° 1330-C/95, de 31/10 e n° 616-C/96, de 30/10, para os anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente, portarias estas a aplicar aos contratos de arrendamento para habitação de renda condicionada, evidenciando o perito da administração tributária em sede de pedido de revisão estar em causa a comparação entre um preço de venda e um preço de custo, obviamente mais favorável ao sujeito passivo, e depois, estar em causa naquelas portarias um mercado de habitação para as classes médias/baixas, sendo as habitações necessariamente de custos mais modestos . Comparação que iria servir de critério para a quantificação dos valores em causa nos presentes autos. Comparação a corroborar à saciedade a evasão fiscal planeada e levada a cabo pelo impugnante.
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Ainda quanto aos indicadores supra - preços praticados no mercado, área da construção e localização -, o tribunal "a quo" desconsiderou também as escrituras juntas aos autos concernentes a outros imóveis, desde logo as escrituras concernentes à venda de moradias, a dar conta de valores de venda superiores aos valores dados a conhecer pelo impugnante, respectivamente de 15.500 contos, 16.000 contos e 14.000 contos a última com a concessão dum empréstimo bancário no total de 20.000 contos. E quanto às fracções, valores de 8.500 contos, 9.000 contos e 9.500 contos, a corroborar que os imóveis em causa nos presentes autos foram vendidos por valor inferior ao real, ao de mercado.
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Desconsiderou ainda o tribunal "a quo" as conclusões a que chegou a peritagem ou o "parecer técnico" requerido e junto pelo impugnante aos autos, em violação do artigo 413° do CPC (anterior artigo 515° do CPC), ex vi artigo 2° do CPPT. Note-se, quanto ao valor dos imóveis, e sobretudo das moradias, a que chegou a peritagem do impugnante, que esta, para além de dar a conhecer valores diferentes dos que foram dados a conhecer pelo impugnante, conclui sempre no sentido dos imóveis vendidos -apesar de neles encontrar muitos defeitos, desde a construção à localização, e esmiuçar áreas a fim de lhes atribuir diferentes valores de construção -, terem necessariamente um valor superior ao declarado pelo impugnante, corroborando a evasão fiscal perpetrada a jusante, ou seja, na declaração de venda dos imóveis bem abaixo do preço real.
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Sendo ainda, mais uma vez, de evidenciar a prova testemunhal do técnico de contas Jorge João Martins Farias, desconsiderada pelo tribunal "a quo", que confirma a venda dos imóveis sem pressa, sem necessidade de fazer dinheiro rapidamente mas feita imediatamente a seguir ao acabamento dos mesmos, a dar conta do interesse manifestado na sua compra.
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Assim, deverá ser revogada a douta sentença.
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No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda. O tribunal "a quo" na matéria de facto desconsiderou: a) a constatação, pela inspecção tributária, da inexistência, "na contabilidade, de qualquer movimento na conta bancos mas tão só na conta caixa"; b) o indício área da construção; c) o parecer do perito da administração tributária em sede de comissão de revisão; d) a prova testemunhal; e) a comparação efectuada pela inspecção tributária com os valores unitários de custo de construção por m2 previstos nas portarias n° 975-C/94, de 31/10, n° 1330-C/95, de 31/ 10 e n° 616-C/96, de 30/ 10, para os anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente; f) as escrituras juntas aos autos; g) o parecer técnico junto pelo impugnante aos autos; elementos que vêm corroborar , explicitar e aprofundar os vícios da contabilidade apontados pela inspeccão como fundamentadores da necessidade inelutável do recurso a métodos indirectos, sendo de importância relevante no sentido de determinar a revogação da douta sentença, como supra evidenciado”.
Os Recorridos apresentaram contra-alegações, das quais resulta que: “1. Antes de mais, o impugnante discorda da não aplicação retroativa dos artigos 87.º e 88.º da LGT defendida na sentença recorrida, e o que se lhe oferece dizer sobre a evolução da jurisprudência nesse sentido é que, no mínimo, pecaria por tardia, ao por eventualmente em causa a uniformidade de julgamento...
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