Acórdão nº 274/19 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução15 de Maio de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 274/2019

Processo n.º 344/18

3ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), em que é recorrente A. e são recorridos B., C. e D., foi pelo primeiro interposto recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada pela sigla LTC), do acórdão daquele Tribunal da Relação, proferido em 18 de janeiro de 2018 (cf. fls. 186-209), que julgou improcedente o recurso interposto pelo ora recorrente da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 5 de 28 de abril de 2017 (cf. fls. 156-verso-157), a qual não dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça, calculada sobre valor superior a € 275.000,00.

2. Na Decisão Sumária n.º 152/2019 (a fls. 271-299) decidiu-se não conhecer do objeto do recurso por não estarem preenchidos vários pressupostos, cumulativos, de que depende tal conhecimento, nos seguintes termos (cfr. II – Fundamentação, n.º 5 e ss.):

«5. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 6138/98 e 710/04 – também disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do objeto do recurso.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelos recorrentes no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, o acórdão do TRG, proferido em conferência, em 18/01/2018 (a fls. 186-209, parcialmente transcrito supra em I, 2., alínea d)), que concluiu pela improcedência do recurso apresentado pelo ora recorrente e confirmando na íntegra a decisão então recorrida.

As duas questões de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciadas são assim enunciadas no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade:

«As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie são os n.º 1 e 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais quando interpretadas nos sentidos que se passam a indicar:

a) O n.º 1 do artigo 6. °, quando interpretado no sentido de que a parte vencedora é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça após o trânsito em julgado das decisões que não a condenaram no pagamento de custas (…).

b) O n.º 7 do artigo 6.º, quando interpretado no sentido que o valor da taxa de justiça é diretamente proporcional ao valor da causa, violando os princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça, sempre que, como no caso concreto, sucedeu, não haja correspetividade entre o valor devido a final e o serviço prestado, transmutando a taxa num verdadeiro imposto (…)».

Vejamos, quanto a cada uma das questões de constitucionalidade colocadas pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende o conhecimento do objeto do recurso.

A) Primeira questão de constitucionalidade

7. Relativamente à primeira questão de constitucionalidade colocada pelo ora recorrente –reportada ao artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais –, verifica-se, primeiramente, que o pressuposto de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal recorrido, das normas (interpretações normativas) impugnadas, como razão determinante da respetiva decisão, não se mostra cumprido.

Com efeito, cabe aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso, i.e., tem de haver exata correspondência entre a norma cuja (re)apreciação é requerida pelo recorrente e aquela que fundamentou a decisão recorrida e tal pressuposto não se mostra cumprido quanto à primeira questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente.

7.1 Desde logo, quanto à identificação da base legal aplicada.

Como escreve Carlos Lopes do Rego (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 208): «A identificação da norma assenta prioritariamente na indicação do preceito ou preceitos – do “arco legislativo” – que funciona como “fonte” do núcleo essencial do regime jurídico que se considera colidente com a Constituição – cabendo ao recorrente identificar, de forma certeira, os preceitos relevantes – e que naturalmente – salvo demonstração de que ocorreu implícita aplicação de diferente “arco legislativo” – não poderão deixar de ser aqueles que a decisão recorrida no exercício da sua tarefa de determinação e interpretação do direito infraconstitucional tido por aplicável, eleger como base do “critério normativo” aplicado à definição do caso.»

A este respeito, verifica-se, contudo, que a interpretação normativa que o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional – alegadamente retirada do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais – não decorre da aplicação do preceito legal em causa.

Aliás, dificilmente de outro modo poderia ser, já que a pretensa interpretação do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Judiciais que o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional – «no sentido de que a parte vencedora é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça após o trânsito em julgado das decisões que não a condenaram no pagamento de custas» – não encontra um mínimo de correspondência verbal no enunciado daquele preceito.

Tenha-se presente que o invocado artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Judiciais (aprovado pelo artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro e publicado no respetivo Anexo III), assim dispõe:

«Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.»

Esta regra geral sobre a taxa de justiça devida e a sua fixação, contida no transcrito artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Judiciais, nunca poderia constituir por si só a “base normativa” da questão de constitucionalidade colocada, faltando, assim, um «enlace ou conexão mínima entre a “norma” e o preceito ou preceitos legais invocados» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, cit., p. 51), tal como tem sido exigido pela jurisprudência constitucional desde o Acórdão n.º 367/94 (disponível, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt):

«Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão só uma interpretação que do mesmo se faça.

Como toda a interpretação tem que ter 'na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso' (cf. artigo 9º, nº 2 do Código Civil), ao questionar se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há-de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do texto do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição.»

7.2 Faltando correspondência entre a «interpretação» questionada e o preceito legal de que alegadamente deriva, assim também da leitura do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/01/2018, ora recorrido, retira-se que o mesmo aresto não aplicou expressamente o artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais à...

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