Acórdão nº 2636/17.1T8SNT.L2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelRAIMUNDO QUEIRÓS
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório AA propôs processo especial de revitalização.

Por despacho datado de 09/02/2017, entendeu o Tribunal de 1ª instância que o caso dos autos preenchia os requisitos constantes do art.17.°-A e 17.°-C, n.° 1 e 2 do CIRE, pelo que declarou iniciado o processo especial de revitalização. E, por sentença datada de 29/11/2017, o Tribunal homologou o plano de revitalização do Revitalizando, ora Recorrente.

Porém, o credor Banco BB, S.A. e o credor CC, S.A. interpuseram recurso da sentença homologatória, alegando, designadamente, a inadmissibilidade da aplicação do processo especial de revitalização a pessoas singulares; a falta de documentos comprovativos da qualidade de empresário do Revitalizando, ora Recorrente e de indicação da data de início da sua actividade; e a falta de documentos comprovativos da sua situação financeira, nomeadamente, a respectiva declaração de IRS.

Por decisão singular, datada de 12/02/2018, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que as normas que regem o processo especial de revitalização devem ser objecto de uma interpretação restritiva conducente à sua aplicação exclusiva às pessoas singulares que sejam comerciantes, empresários ou que desenvolvam uma actividade económica por conta própria, julgando parcialmente os recursos interpostos, e determinou que o ora Recorrente juntasse aos autos prova documental atinente à demonstração de que é empresário, comerciante ou que desenvolve uma actividade económica por conta própria, bem como a data de início da sua actividade e declaração de IRS, sob pena de não homologação do plano de revitalização.

Juntos os documentos, o Tribunal de 1ª instância proferiu decisão, com o seguinte teor: “Os documentos juntos aos autos pelo devedor não são passíveis de comprovar a sua qualidade de empresário ou comerciante, aquando da entrada dos presentes autos em juízo.

Assim sendo, na sequência da Douta decisão Sumária do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, revogo a homologação do Plano e determino o encerramento dos autos.” Inconformado com tal decisão o ora Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

A credora Banco BB S.A apresentou contra alegações, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 15 de Novembro de 2018, julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida.

Desta decisão o Requerente interpôs recurso de revista excepcional por oposição de acórdãos, a qual não foi admitida pela Formação a que alude o artigo 672°, n° 3 do CPC, tendo ordenado a remessa dos autos a esta 6ª secção, para conhecimento como Revista normal.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões: “1. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 15/11/2018, julgou improcedente o recurso de apelação e, por consequência, confirmou a decisão recorrida que tinha revogado a homologação do plano de revitalização e determinado o encerramento dos autos.

2.

O Tribunal da Relação de Lisboa aplicou erradamente as regras decorrentes do art.º 1.º, n.º 2, art.º 2.º, n.º 1 e art.º 17.º-A, n.º 1 e 2, todos do CIRE, na redação em vigor à data de entrada dos autos em juízo (07/02/2017), o que o levaria, por um lado, a julgar os documentos juntos aos autos pelo Recorrente insuscetíveis de comprovar a respetiva qualidade de empresário ou comerciante e, por outro, a julgar o PER inaplicável a pessoas singulares que não fossem comerciantes ou empresários ou que não exercessem uma atividade económica por conta própria.

3. O presente recurso tem por objeto o referido acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa por consubstanciar uma errada aplicação da Lei, 4. Porquanto nos termos da Lei e da jurisprudência, os factos demonstrados através dos documentos juntos aos autos pelo Recorrente integram a qualidade de empresário e, ainda que assim não se entendesse - o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio -, sempre o PER seria aplicável a pessoas singulares que não fossem comerciantes ou empresários ou não exercessem, por conta própria, qualquer atividade económica.

⎯ DA ADMISSIBILIDADE LIMINAR DO PRESENTE RECURSO 5. O acórdão recorrido está em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 16/12/2015, no âmbito do processo n.º 2112/15.7T8STS.P1 (“acórdão fundamento” - cfr. Doc. n.º 1), sem que exista jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça conforme ao primeiro (cfr. art.º 14.º, n.º 1 do CIRE e art.º 686.º e 687.º do CPC ex vi art.º 14.º, n.º 1 do CIRE).

6. Proferidos no domínio da mesma legislação, tais acórdãos decidiram de forma divergente as mesmas questões fundamentais de direito: • Contrariamente ao acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão fundamento, julgou factos idênticos aos demonstrados através dos documentos juntos aos autos pelo Recorrente como integrantes da qualidade de “empresário”; e • Também contrariamente ao acórdão recorrido, o mesmo Tribunal, no mesmo acórdão, julgou o PER aplicável a pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, nem exerçam, por conta própria, qualquer atividade económica.

⎯ DA QUALIDADE DE EMPRESÁRIO DO RECORRENTE 7. Andou mal o Tribunal da Relação de Lisboa, ao julgar que os documentos juntos aos autos pelo Recorrente não são passíveis de comprovar a sua qualidade de empresário, aquando da entrada dos presentes autos em juízo.

Senão vejamos: 8. O Recorrente dedicou toda a sua vida à atividade empresarial e assim se apresentou nos presentes autos na qualidade de empresário (cfr. requerimento inicial de apresentação a PER e demais requerimentos subsequentes).

9.

O Recorrente foi fundador e titular de inúmeras empresas, dedicando-se ao negócio e industrialização das mesmas de forma profissional e delas retirando o principal sustento para si e para a sua família (cfr. requerimento inicial de apresentação a PER), 10.

Tanto que a crise económica e financeira, ao ter impacto na sua atividade empresarial, conduziu, também, à situação económica difícil do Recorrente, cujo principal passivo decorreu, pois, da recessão sofrida pela sua atividade empresarial (cfr. requerimento inicial de apresentação a PER e respetivo anexo III).

11.

Assumindo, ao longo da sua vida, a responsabilidade máxima pela sua gestão e administração, o Recorrente já foi sócio e gerente da DD, Lda. (de notar que além do Recorrente, o outro sócio era a EE, S.A., da qual o Recorrente era administrador único); administrador único da EE, S.A.; sócio e gerente da FF, Lda.; sócio e gerente da GG, Lda.; sócio e gerente da HH, Lda.; gerente da II, Lda. (de notar que o seu sócio único era a EE, S.A., da qual o Recorrente era administrador único); e sócio e gerente da JJ Portugal, Lda., conforme ficou demonstrado nos presentes autos (cfr. requerimento inicial de apresentação a PER, respetivo anexo III e Docs. n.º 8, n.º 9, n.º 3, n.º 4, n.º 10, n.º 11 e n.º 7 do Recurso de Apelação).

12.

Os próprios contratos de sociedade das acima referidas empresas consagravam o papel fundamental dos membros da gerência e da administração (cfr. contrato de sociedade da sociedade GG, Lda. junto como Doc. n.º 12 do Recurso de Apelação).

13.

Para além das mencionadas sociedades comerciais, o Recorrente era no momento da entrada dos presentes autos em juízo e continua, ainda, a ser hoje, o responsável máximo pela gestão e administração da sociedade KK, S.A.

, da qual é acionista e presidente do conselho de administração, assumindo-se como a sua “alma mater”, ditando, enquanto seu gestor de “direito” e de “facto”, os caminhos da mesma (cfr. requerimento apresentado pelo Recorrente em 22/02/2018, respetivo Doc. n.º 1, Docs. n.º 13 e n.º 14 do Recurso de Apelação e, ainda, contrato de sociedade da KK, S.A. junto como Doc. n.º 14 do Recurso de Apelação).

14.

Além das ações da KK, S.A. detidas pelo próprio Recorrente, as restantes foram subscritas pela EE, SGPS, S.A. da qual o Recorrente era administrador único (cfr. Doc. n.º 13 do Recurso de Apelação), donde resulta o monopólio do Recorrente do controlo daquela sociedade.

15.

O Recorrente ainda é, atualmente, sócio único e gerente e, por isso, o responsável máximo pela gestão e administração, da sociedade comercial por quotas LL, Unipessoal, Lda.

(cfr. requerimento apresentado pelo Recorrente em 22/02/2018, respetivo Doc. n.º 1 e Doc. n.º 15 do Recurso de Apelação).

16.

Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a detenção de participações sociais, bem como a titularidade de órgãos sociais no momento da entrada dos presentes autos em juízo (no caso, a qualidade de acionista e de presidente do conselho de administração da sociedade KK, S.A.) atribuem, no caso dos presentes autos, a qualidade de “empresário” ao Recorrente.

17.

Assim decidiu Tribunal da Relação do Porto no acórdão fundamento (cfr.transcrição supra).

18.

O património do Recorrente sempre integrou, em todos os momentos, uma empresa, pelo que, com o presente PER, visa a revitalização do substrato empresarial de que é titular.

19.

O Recorrente, agindo em prol das acima identificadas empresas, perseguindo a finalidade de lucro das mesmas, agiu também em nome próprio para o seu comércio, nomeadamente, prestando avales e demais responsabilidades.

20.

Entre as responsabilidades do Recorrente inerentes ao exercício da atividade empresarial, estava, nomeadamente, o pagamento de salários aos trabalhadores.

21.

Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio, sempre se diria que o facto de o Recorrente ter sido, em data...

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