Acórdão nº 6959/15.6T8CBR.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I R e A, instauraram acção declarativa contra MASSA INSOLVENTE DE L, SA e M, pedindo que seja: a) declarada a nulidade dos contratos, que celebraram com a L, que permitiu o registo, por esta última, em seu nome, do veículo …., bem como do contrato de compra e venda supostamente celebrado entre a L e a 2ª Ré, que teve por objecto o mesmo veículo; b) ordenado o cancelamento daqueles registos, constantes das AP. … em 22.8.2004, e A.P. …. em 17.9.2014 e de todos os que houver após o registo em nome da A. mulher; c) declarar-se e condenar-se as Rés a reconhecer que os Autores são os únicos proprietários e possuidores de tal veículo; d) condenar-se a 2ª Ré a restituir aos Autores tal veículo.

Alegaram para o efeito e em síntese, ter o Autor celebrado com a 1ª Ré, que veio a ser declarada insolvente, um negócio por via do qual procedia à compra de um veículo automóvel, Porsche 911, pelo preço de 81.005 €, o qual se encontrava num concessionário na Alemanha, tendo acordado que 41.000 € seriam pagos em dinheiro e 40.000 € através de entrega do veículo Ferrari 355 F1, matrícula ….. Não tendo a L cumprido com a entrega do Porsche as partes acordaram na revogação do negócio, uma vez que aquele veículo já não era passível de ser adquirido junto do proprietário, sendo o objecto do contrato impossível física e legalmente, e por isso nulo nos termos do art. 280º do CCivil. Na revogação ficou estabelecido, além do mais, que esta Ré se comprometia a pagar ao Autor as quantias por si entregues a título de sinal em singelo no total de 81.005 €. A dita revogação implicava a restituição do Ferrari, além do dinheiro, mas como a sociedade Ré alegava que o veículo tinha desaparecido, a mesma obrigou-se a restituir o valor correspondente, sem prejuízo da sua eventual localização e restituição, o que nunca veio a ocorrer, nem quanto à quantia nem quanto ao veículo, nem assim quanto à indemnização prevista na referida revogação. Posteriormente os Autores tomaram conhecimento que o veículo havia sido registado em nome da sociedade Ré e depois vendido à 2ª Ré, que o registou a seu favor. Confrontado o administrador da Ré este negou a venda. Os documentos de suporte do registo são falsos. Que tal negócio entre a 1ª e 2ª Ré é inexistente ou nulo, por se tratar de venda de bens alheios, nos termos do art. 892º do CC. A sociedade Ré, face à nulidade do contratado com os Autores deveria restituir tudo o que estes tinham prestado, nomeadamente o Ferrari ou, não sendo possível, o valor correspondente, o que nunca aconteceu. Os Autores invocaram ainda a usucapião quanto ao veículo Ferrari por parte da Autora.

A Ré M contestou, referindo que o crédito dos Autores, emergente do incumprimento do contrato celebrado com a L, que os mesmos agora dizem ser nulo, e que foi depois objecto de liquidação na mencionada revogação, e até serviu para interposição de acção executiva em que o título executivo foi o dito instrumento de revogação, veio a ser reconhecido por sentença de graduação de créditos na insolvência da L, e, por via disso, verifica-se a excepção de caso julgado. Pretendendo, através do presente processo “receber”, com prejuízo dos restantes credores, nomeadamente os que tenham créditos graduados acima do seu. Que apesar do título do contrato celebrado entre Autores e sociedade, o mesmo configura uma compra e venda, e que, atento o incumprimento, foi acordada a revogação do mesmo, nunca se tendo acordado ou colocado a hipótese de devolução do Ferrari nem foi invocada qualquer impossibilidade física e legal do objecto do negócio, não havendo qualquer nulidade. Em reconvenção invocou a propriedade do veículo a seu favor por ter pago o preço ao seu então proprietário, a L, e a realização de despesas relativas ao mesmo, considerando que os Autores devem ser condenados a tal reconhecer, acrescentando que aqueles alteraram a verdade dos factos, fazendo um uso reprovável dos meios processuais, pelo que devem ser condenados como litigantes de má fé.

Terminou pedindo para: a) ser julgada procedente a excepção de caso julgado, e absolvidos os RR da instância; b) caso assim não se entenda, ser a acção julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a 2ª Ré de todos os pedidos formulados pelos A; c) ser julgada procedente, por provada, a reconvenção, e, por via disso, os Autores e a 1ª Ré condenados a reconhecer que a 2ª Ré é única e exclusiva proprietária do veículo Ferrari …-…-…; d) ser a invocada litigância de má fé dos Autores julgada procedente e a final, serem estes condenados no pagamento de indemnização de valor não inferior a 5.000€ para além de multa, bem como todos os custos que a Ré tiver com o mandato judicial necessário nos presentes autos, nomeadamente, honorários de advogado e despesas de escritório, a liquidar em execução de sentença.

Os Autores replicaram, afirmando inexistir caso julgado, e que a impossibilidade do objecto que tinham alegado é legal já que, não tendo pago o Porsche, a Ré sociedade perdeu a possibilidade de adquirir tal veículo.

Contestaram o pedido reconvencional, dizendo que a Ré não comprou o veículo porquanto o mesmo lhe foi entregue por quem não tinha legitimidade nem poderes de representação, tanto mais que o preço não entrou na conta daquela, acrescendo que a Ré não é terceira de boa fé, pois a acção não foi proposta e registada no prazo de três anos posterior à conclusão do negócio, nos termos do artigo 291º do CCivil, sendo que no momento da aquisição conhecia ou devia conhecer a invalidade do negócio.

Responderam, ainda, à questão da litigância de má fé, dizendo que ela não existe.

A final foi proferida sentença que julgou, parcialmente, procedente a acção e improcedente a reconvenção e, em consequência: a) anulou o contrato celebrado entre os Autores e a L, aludido em I) dos factos assentes; b) declarou ineficaz o documento referido em X) dos factos assentes; c) ordenou o cancelamento dos registos, constantes das AP. … em 22.8.2004, e AP. … em 17.9.2014, constantes em G) dos factos assentes e de todos os posteriores; d) condenou as Rés a reconhecer que os Autores são os únicos e legítimos proprietários e possuidores do veículo automóvel Ferrari, matrícula …; e) condenou a 2ª Ré a restituir aos Autores o veículo automóvel Ferrari; f) absolveu as Rés do demais peticionado (declaração de nulidade do contrato referido em B) dos factos assentes); g) absolveu os Autores dos pedidos contra eles formulado; h) absolveu os Autores do pedido de condenação como litigantes de má fé contra eles formulado.

Desta decisão apelaram as Rés, tendo sido julgados procedentes, na totalidade, o recurso da 1ª Ré L e, parcialmente, o da Ré M, e, em consequência, julgou-se a acção improcedente, revogando a sentença recorrida quanto às alíneas a) a e), absolvendo-se as Rés dos pedidos, mantendo-se a sentença recorrida no demais, alíneas g) e h).

Inconformados, recorrem agora de Revista os Autores e a Ré M.

Os Autores concluíram da seguinte forma: - A causa pedir foi alegada na petição inicial, designadamente nos art°s 12 e 13 dos quais consta: «Como à data da outorga da revogação a L alegava que o ferrari havia desaparecido (sem que tivesse sido vendido ou tivesse recebido por ele qualquer valor), obrigou-se a restituir o valor correspondente sem prejuízo de se obrigarem a diligenciar no sentido da localização do veículo ferrari, com vista a que o mesmo fosse restituído aos Autores, em vez dos 40.000,00€.» - A causa de invalidade de tal acordo de revogação decorria e decorre justamente disso, de terem sido dos Autores enganados pela L, de que o veículo tinha desaparecido, e por isso, não o podiam restituir, mas que apesar da assinatura de revogação continuariam a diligenciar para o restituírem aos Autores em vez dos 40.000,00€.

- E tais factos até foram dados como provados na alínea N) da sentença da 1ª Instância.

- Assim, das duas uma, ou se considera a causa de pedir, para o efeito, de se julgar procedente o pedido de invalidade da revogação, dado que a mesma foi alegada no modelo processual próprio, ou não se entendendo assim, - Não podem tais factos deixar de ser ponderados no desfecho da acção, que tinha como pedido principal a declaração de propriedade dos Autores sobre o automóvel em questão, e a restituição do mesmo à sua esfera patrimonial, condenando-se a 2ª Ré nesse sentido.

- O que o Tribunal “a quo” não pode, é deixar de apreciar a relevância da factualidade provada em N) da sentença da 1ª Instância, e que não foi alterada pela Relação, no desfecho da acção, e para tanto, - Pode atribuir-lhe a qualificação jurídica que entender, tanto mais que, nos termos do disposto no art° 5, nº 3 do CPC, “o Juiz não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” - Os factos que constituem a causa de pedir valem independentemente da qualificação jurídica fornecida ou não pela parte, dado que a mesma não é vinculativa para o Tribunal.

- Não houve pois excesso...

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