Acórdão nº 1245/05.2TBMCN.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1. AA, BB, CC e DD propuseram ação com processo comum declarativo e forma ordinária no Juízo Central Cível de ... contra EE, S.A., e FF, S.A. (anteriormente denominada por GG, S.A.).

    Assumiram a qualidade de intervenientes acessórias a HH, S.A., e II, S.A. Foi interveniente incidental o Instituto da Segurança Social, IP (Centro Nacional de Pensões).

    Formularam os autores o seguinte pedido: que os RR fossem condenados a pagar aos Autores a quantia global de € 385 022,10, acrescida de juros desde a citação, sendo € 29 927,87 EUR pelos danos morais de cada um, € 39 903,8 pelos danos próprios da vítima mortal, € 49.879,79 pela perda do direito à vida do seu pai e marido e € 175 526,98 a título de danos patrimoniais, dos quais € 698,32 atinentes a despesas de funeral e com a aquisição de sepultura e € 249,40 de gastos com roupa para o enterro. Sustentaram para tanto que: o marido e pai dos AA. faleceu, por afogamento, na albufeira da Barragem do ..., em consequência da existência de um fundão, por seu turno decorrente do enchimento da albufeira sem qualquer nivelamento da orografia preexistente, por atuação das Rés.

    Inexistia qualquer aviso ou advertência no local para uma tal realidade e perigosidade e, por outro lado, o local era utilizado como praia fluvial.

    Na medida da existência de uma concessão pelo Estado às Rés daquela parcela do domínio hídrico, as obrigações de segurança e prevenção de sinistros como o ocorrido impendiam sobre as Rés, assim se consubstanciando a ilicitude do seu comportamento.

    Computam o montante do dano patrimonial e não patrimonial sofrido nos montantes peticionados.

    1. As rés contestaram a ação, defendendo não existe qualquer fundamento para a sua responsabilização, dado não lhes caber qualquer dever de vigilância do “território” da albufeira ou sequer de advertência dos perigos, salvo o perímetro exclusivo junto da barragem, sinalizado, posto que a jurisdição do espaço não lhes pertencia.

      A morte do sinistrado ficou a dever-se à sua própria culpa e imprevidência.

    2. As intervenientes acessórias excecionam a prescrição do direito à indemnização e a interveniente incidental deduziu pedido de condenação das Rés a satisfazerem-lhe as quantias por si pagas aos herdeiros, respetivos titulares legais, a título de subsídio por morte e de pensões de sobrevivência, ampliando sucessivamente os pedidos, ampliações admitidas por despacho judicial.

    3. A primeira instância decidiu julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: - Condenar as Rés, solidariamente, a pagarem aos Autores: a) pela perda de alimentos: € 150.000,00; b) por despesas com o funeral: € 947,60 à Autora viúva; c) pelo sofrimento da vítima antes da morte: € 15.000,00; d) pelo dano da morte do pai e marido, a cada um dos AA: € 20.000; e) pela perda do direito à vida da vítima: € 70.000,00.

      - Condenar as Rés, solidariamente, a pagarem ao interveniente/demandante, ISSS, CNP: a) o montante de € 954,70, a título de subsídio por morte e o montante de € 23.931,17 a título de pensão de sobrevivência no período de 09/2000 a 04/2012, satisfeito à A viúva; b) o montante de € 318,23, a título de subsídio por morte e o montante de € 8 189,60 a título de pensão de sobrevivência no período de 09/2000 a 04/2012, pago ao filho A. DD; c) o montante de €318,23 a título de subsídio por morte e o montante de € 5 706,04 a título de pensão de sobrevivência no período de 09/2000 a 04/2012, pago à filha A. CC; d) o montante de € 318,23, a título de subsídio por morte e o montante de € 2 491,69 a título de pensão de sobrevivência no período de 09/2000 a 08/2006, pago ao filho A. JJ.

      Quantias sobre as quais serão contados juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação até efetivo reembolso.

    4. Inconformadas, as rés interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou o recurso procedente e absolveu-as do pedido.

    5. Não se conformando com a decisão do TRP, os autores apelados interpuseram o presente recurso de revista, em cujas alegações formularam as conclusões que se transcrevem: «1.

      A obrigação diz-se solidária, pelo seu lado passivo, quando o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores e a prestação efectuada por um destes os libera a todos perante o credor comum (artigo 512º, n.º 1 CC).

    6. Pressupostos da solidariedade são (i) o direito à prestação integral; (ii) efeito extintivo recíproco ou comum; (iii) identidade da prestação; (iv) identidade da causa; e (v) comunhão de fim.

    7. A causa, fonte da obrigação ou facto ilícito que na acção administrativa desencadeou o direito à indemnização do dano dos AA./Recorrentes, foi a violação pela Freguesia de ... do disposto na última parte do art. 6 do Dec. Lei nº 48.052, ao realizar uma série de actos materiais para que o local do sinistro fosse utilizado para banhos, 4.

      A causa, fonte da obrigação ou facto ilícito que nos presentes autos desencadeou o direito à indemnização do dano dos AA/Recorrentes, foi a violação do dever genérico de prevenção do perigo, ou deveres de segurança no tráfego (art.s 483 e 486 do CCiv.) 5.

      Temos assim que, a conduta danosa da Freguesia de ... é distinta da conduta danosa das aqui RR/ Recorridas, ou seja, as indemnizações arbitradas num e noutro processo tem causas ou factos ilícitos distintos, bem como não ocorreu qualquer comunhão de fim entre a Freguesia de ... e as aqui RR/Recorridas 6.

      Assim ao contrário do que se concluiu no acórdão recorrido não estamos perante uma obrigação solidária.

    8. Só existe responsabilidade solidária no acto ilícito desde que na sua prática ou para ela, exista um concerto na actuação dos seus participantes, o que não se verifica.

    9. Não há solidariedade passiva de diversos responsáveis quando os danos derivam de mais que um facto ilícito. É por isso inaplicável ao nosso caso o regime do art. 519 nº1 do CCiv.

    10. Sem prescindir e mesmo que assim não se entendesse, os AA./Recorrentes não estavam inibidos de proceder contra as aqui RR./Recorridas.

    11. A parte final do art.519 nº 1 do CCiv excepciona a impossibilidade do credor que exigiu judicialmente a um dos devedores solidários a totalidade ou parte da prestação, de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, a situações em que há razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do credor inicialmente demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação.

    12. O acidente aqui em questão ocorreu em 6 de Agosto de 2000. Os AA./Recorrentes com vista a evitar a prescrição do art. 498 nº 3 do Cciv. (5 anos porque consideraram existir facto ilicito que constituia crime) no dia 27 de Julho de 2005 instauraram a presente acção.

    13. Para além de evitar a prescrição do seu crédito contra as aqui RR/Recorridas, os AA/Recorrentes tiveram como objectivo ao intentarem a presente acção ultrapassar a dificuldade decorrente do regime jurídico dos bens imóveis dos domínios públicos das autarquias locais, isto é, a inalienabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade dos bens imóveis da Freguesia de ..., tendo ainda em conta que a Freguesia de ..., enquanto pessoa colectiva pública, não podia ser objecto de declaração de insolvência (art.2, nº 2 a) do CIRE) 13.

      Por outro lado, como também resulta dos autos tendo a acção contra a Freguesia de ..., no Tribunal Administrativo, sido intentada em 2003(Proc.163/03 do Tribunal Administrativo e fiscal do Porto) só em 8 de Maio de 2017( isto é quase 17 anos após o acidente) veio a transitar em julgado.(tudo conforme consta de certidão junta aos autos) 14.

      Resulta portanto à saciedade por um lado que, não poderiam os AA/Recorrentes aguardar, que fosse proferida no Tribunal Administrativo sentença transitada em julgado e seguir com a respectiva execução, para só depois demandarem as aqui RR/Recorridas, pois quando isso acontecesse já o direito dos AA/Recorrente há muito estaria prescrito e por outro que muito dificilmente os AA/Recorrentes conseguiriam penhorar bens à Freguesia de ... que uma vez executados pudessem satisfazer o seu crédito. Por outro lado, 15.

      Os AA./Recorrentes, em 8 de Novembro de 2017 com base no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo instauraram contra a Freguesia de ... execução para pagamento de quantia certa, com vista ao pagamento coercivo das quantias em que esta havia sido condenada. A Freguesia de ... foi notificada para deduzir Oposição na execução em 23 de Novembro de 2017 com a cominação de que “A inexistência de verba ou cabimento orçamental não constitui fundamento de oposição à execução, sem prejuizo de poder ser invocada como causa de exclusão de ilicitude de inexecução espontânea da sentença, para efeitos do disposto no art.159 do CPTA.” 16.

      Por requerimento datado de 29 de Dezembro de 2017 a Freguesia de ... veio à execução informar a inexistência de verba, cabimento orçamental, ou mesmo património passivel de permitir cumprir a sentença, o que constitui causa de exclusão da ilicitude de inexecução espontânea da sentença.

    14. Aqui chegados, não podemos deixar de concluir que, estes factos, subsumem-se precisavente à previsão da última parte do art. 519 nº 1 do CCiv. Está por isso demonstrada e provada nos autos a morosidade ,a onerosidade e a cobrança de resultado duvidoso a que se alude na parte final do art.519 nº 1 do Cciv, e só não está demonstrado e provado o risco de insolvência da Freguesia de ... porque as pessoas colectivas de direito público não podem ser declaradas insolventes senão tal também estaria demonstrado.

    15. Não estavam por isso os AA/Recorrentes inibidos de proceder contra ao RR/Recorridas, às quais o seu crédito podia, porque se verificararem as circunstâncias previstas no art.519 nº 1 in fine, ser exigido 19.

      Não é rigoroso dizer-se, como faz o acórdão recorrido, que o caso em que nos encontramos não pode configurar uma obrigação inexigível tal como prevista no art. 610 do CPCiv.

    16. De facto a entender-se que não estão já verificadas as excepções previstas...

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