Acórdão nº 322/04.1BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO ……………………………………., Lda.

, instaurou ação administrativa comum, tramitada sob a forma de processo ordinário, contra Maria……………………, Maria ………………….

, Direção-Geral dos Registos e Notariado e Estado Português, na qual apresentou pedido de condenação solidária dos réus no pagamento de uma indemnização no valor de € 315.739,06 relativa a danos patrimoniais.

Em síntese, alega a autora ter suportado perdas e danos em consequência do comportamento negligente de duas funcionárias do Cartório Notarial da Guarda que, em 13/08/1992, reconheceram as assinaturas de dois dos seus sócios em carta minuta de aceitação de crédito em conta corrente, com a menção de que dispunham de poderes, quando não os detinham; assim permitiram a obtenção de financiamento e que contra a autora fosse instaurada ação executiva por parte da ………………………, S.A., vindo a pagar a esta o valor de 66.607.961$00.

Por despacho de 20/12/2004, o TAF de Castelo Branco julgou procedentes a exceção da litispendência em relação às rés Maria………………….. e Maria …………………..

, e a exceção de falta de personalidade judiciária da Direcção-Geral dos Registos e Notariado, absolvendo-as da instância.

Por sentença de 29/05/2017, o TAF de Castelo Branco julgou a acção parcialmente procedente, condenando o réu Estado Português a pagar à autora a quantia de € 62.959,28, sendo absolvido quanto ao demais peticionado.

Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1ª.- O Estado [através dos funcionários de cartórios notariais] confere fé pública a um reconhecimento de assinatura com menção de que os intervenientes têm poderes para vincular uma sociedade comercial.

  1. - Sem a fé pública, que o reconhecimento com a menção de poderes para o acto confere, os intervenientes tendem a não querer celebrar o contrato ou, pelo menos, a não querer considerá-lo eficaz.

  2. - A conduta dos funcionários do Cartório Notarial da Guarda, foi causa directa e necessária à produção do evento danoso.

    Na verdade ...

  3. - Os funcionários do cartório notarial, sabiam, ou não podiam deixar de saber, é do senso comum de qualquer funcionário de cartório notarial medianamente competente, preparado e responsável, que a alteração dos pactos sociais é uma constante da vida comercial das sociedades.

  4. - Os funcionários do cartório notarial sabiam, ou não podiam deixar de saber, que o reconhecimento das assinaturas com menções especiais vinculava a sociedade.

  5. - Os funcionários devem adoptar uma conduta responsável que os prestigie a si próprios e ao serviço público 7ª.- O reconhecimento por conhecimento pessoal é uma prática que envolve riscos evidentes pelo que se exige ao funcionário prudência, cautela e um cuidado acrescido.

  6. - Não resulta dos autos, que os funcionários do cartório se tenham comportado com o cuidado acrescido que se impunha, pelo contrário agiram de forma leviana e irresponsável.

  7. - A conduta dos funcionários foi consciente, representaram como possível a alteração do pacto social, porque tal decorre da normalidade do comércio jurídico, ainda que acreditassem que tal circunstância não ocorrera.

  8. - O "pecado original" na génese dos danos resulta do acto notarial.

  9. - Em consequência, há que concluir, como já foi doutamente decidido em sede de julgamento dos embargos de executado, opostos pela A. à …….., que foi a acção notarial que provocou a ocorrência do evento danoso, pelo que só ao Estado Português, enquanto titular da acção notarial, cabe a responsabilidade e obrigação de ressarcir.

  10. - Foram violados os artºs 570º. e 571º. Do C.C.” Em sede de contra-alegações o recorrido Estado Português pugnou pela improcedência deste recurso.

    Igualmente inconformado, o réu Estado Português interpôs recurso da sentença, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1ª Constitui objecto do presente recurso a douta sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Estado a pagar à autora a quantia de € 62.959, 28 por efectivação de responsabilidade civil extracontratual; 2ª Com todo o respeito, não concordamos com a douta decisão proferida, por, e salvo melhor opinião, ter procedido a erro de direito ou de julgamento, assim como da sua subsunção do direito aos factos provados, nomeadamente com ofensa e erro de interpretação e aplicabilidade do art.º 2.º do DL 48 051, de 21/11/67, e dos art.ºs 483.º, 487.º, 494.º, 496.º, 563.º a contrario, 566.º, 570.º, n.º 1, e 572.º, todos do C. Civil que foram violados nos termos infra expostos e que deviam ter o sentido infra referido; 3ª Ora, quanto ao caso sub judice, desde logo não cumpriu a Autora, ora Recorrida, o ónus da prova que sobre o mesmo impendia relativo aos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Réu Estado Português, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do C. Civil; 4ª Acresce, e concretizando o supra exposto, os próprios factos dados como provados sob os números 27 a 29, cujo teor aqui se dá por reproduzido, contrariam a fundamentação da douta sentença recorrida no sentido da condenação do Estado.

  11. Na verdade, tendo presente o objecto do litígio fixado no despacho saneador, é forçoso concluir perante a referida factualidade dada como provada que o reconhecimento feito no Cartório Notarial não foi o fundamento para disponibilizar os montantes referidos uma vez que resulta do referido probatório que as transferências efectuadas pela …… foram anteriores a 12 de Outubro de 1992, altura em que na ficha de assinaturas constava a assinatura de um dos sócios-gerentes, sendo que só após essa data foi averbada a assinatura de outros dois sócios- gerentes.

  12. Assim não se verifica o exigido nexo causal entre os factos imputados às agentes do Estado e os prejuízos invocados; 7ª Com efeito, a negligência e o facto causador do prejuízo patrimonial peticionado pela Autora na presente acção não resultou do alegado irregular reconhecimento notarial de duas assinaturas em carta minuta de aceitação dos termos de contrato de abertura de crédito a favor da …………., antes sim resultou, conforme se extrai dos factos dados como provados, da omissão, por parte da Autora, do dever de comunicação à …….. da alteração do seu pacto social e a forma como a sociedade se passava a obrigar com a actualização da ficha de assinaturas.

  13. Diga-se, de resto, que as alterações de quem obriga a sociedade não geram automaticamente uma alteração simultânea da ficha de assinaturas, sendo necessário que a parte interessada - os restantes sócios-gerentes- vá ao banco e actualize a ficha com a assinatura dos novos gerentes.

  14. Acresce que, na nossa opinião e sempre salvo o devido respeito, não se verifica, ao contrário do entendido pela Mmª Juiz a quo qualquer nexo indirecto.

  15. Deste modo, deverá considerar-se afastado o nexo causal entre o facto e o dano e prejuízos invocados (Ac. do TCA Sul, proc. n.0 08408/ 12, de 02-06- 2016).

  16. Atendendo ao exposto, os alegados prejuízos são de atribuir exclusivamente à conduta da própria autora atrás descrita e constante do probatório e exclui a responsabilidade civil do ora Recorrente/Estado, nos termos dos art.ºs 563.º, a contrario, e 570.º, n.º 1, do C. Civil; 12ª Deverá em conclusão, a nosso ver, ser revogada a douta sentença recorrida, não podendo o Réu Estado Português ser condenado com os fundamentos ali expostos mas sim, ao invés, ser absolvido do pedido 13ª Assim, não tendo a Autora demonstrado os factos constitutivos do seu direito atrás explicitados, nos termos expostos, e tendo o Réu demonstrado documentalmente - cfr requerimento do Estado de 28 de Abril de 2017 - factos que o eximem de responsabilidade civil, deve ocorrer a absolvição total do Estado Português do pedido e a acção ser julgada improcedente, por não provada, nos termos expostos -art.º 572.º do C. Civil; 14ª- Por último, sem conceder, sempre se dirá que se reputa elevado o montante indemnizatório em que o Réu foi condenado.” A autora apresentou contra alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1ª- Invoca o recorrente que os factos dados como provados sob os nºs 27 a 29 contrariam os fundamentos da douta sentença.

  17. - Na opinião do recorrente, o reconhecimento feito no Cartório Notarial não foi o fundamento para disponibilizar os montantes referidos, uma vez que, as transferências efectuadas pela ……. foram anteriores a 12 de Outubro de 1992, altura em que na ficha de assinatura constava a assinatura de um sócio gerente, sendo que só após essa data foi averbada a assinatura de outros dois sócios.

  18. - Pelo que é forçoso concluir que o prejuízo patrimonial da A. não resultou do alegado irregular reconhecimento das assinaturas inseridas na minuta de aceitação de contrato de abertura de crédito, antes resulta da omissão do dever, por parte da Autora., de comunicar à ……… a alteração do pacto social.

  19. - A recorrida não pode concordar com este raciocínio.

  20. - Desde logo, impõe-se perguntar para que serviria o reconhecimento das assinaturas, e porque ele não foi dispensado pela Caixa.

  21. - A crer, nesta tese, o reconhecimento das assinaturas, não teria, nunca, qualquer relevância jurídica e seria sempre dispensável.

  22. - Longe de ser uma mera burocracia, o reconhecimento de assinatura, agrega segurança aos documentos particulares, 8ª.- Confere-lhe fé pública, geradora da presunção de veracidade, atestando que a assinatura aposta em documento particular é autêntica, e assinada pela parte identificada, conferindo ao documento valor que não tinha antes.

  23. - Os reconhecimentos que se discutem nestes autos, atestavam, que aqueles que assinavam, tinham poderes para, em nome da sociedade que representavam, a vincularem às obrigações emergentes do contrato a celebrar com a caixa.

  24. - Dúvidas não restam, que o reconhecimento das assinaturas tem relevância, relevância jurídica para aferir das responsabilidades...

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