Acórdão nº 1208/07.3TBETR.C1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DE DEUS CORREIA
Data da Resolução18 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA.

Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO - LIVRO 403 - FLS 52.

Área Temática: .

Sumário: I - Para que o dolo do declaratário seja relevante como motivo de anulação é necessário a verificação das seguintes condições: deve tratar-se de dolus malus; ser essencial ou determinante (embora o dolo incidental também possa vir a conduzir à anulação); existência no deceptor da intenção ou consciência de induzir ou manter em erro.

II - São condições de relevância do erro-vício como motivo de anulabilidade: a essencialidade, a propriedade e a escusabilidade.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º1208/07.3TBETR.C1.P1 Autores: B……….

C……….

Réus: D……… E……….

(Tribunal Judicial de Estarreja- ..º Juízo) Acordam no Tribunal da Relação do Porto I-RELATÓRIO B………. e mulher C………., intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra os réus, D………. e mulher, E………. pedindo que seja considerado reduzido o preço do negócio de cessão de quotas da sociedade “F……….” celebrado entre autores, enquanto cessionários, e réus, como cedentes, para as quantias já pagas de € 35.000 e de € 40.000, sendo os réus condenados a: a) – Considerar pago na sua totalidade o preço pela cessão de quotas, não sendo devidos os € 75.000,00 relativos à declaração de dívida então subscrita pelos autores e ainda em dívida.

  1. Pagar aos Autores a quantia de €15.000,00, a título de indemnização pelos danos morais c) Pagar aos AA o montante que se venha a apurar em liquidação de sentença pelos danos causados pela indevida utilização de meios e matérias da F………. pelos Réus, pela concorrência injusta que efectuaram mediante a criação de outra sociedade, desviando para esta trabalhos e clientes.

  2. E ainda juros de mora sobre essas importâncias, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, invocaram o facto de, posteriormente à celebração da cessão de quotas, terem sido surpreendidos com o aparecimento de várias letras em circulação, assinadas pelos réus em representação da sociedade “F……….”, duas delas inclusivamente já depois daquele negócio, letras essas cuja existência não lhes foi comunicada pelos réus nem constava dos elementos contabilísticos da sociedade, tendo estes alegado tratarem-se de letras “fictícias” ou de favor pessoal para com a empresa “G……….”, com cujos sócios gerentes mantinham relações de amizade e de plena confiança. Assim, os autores sentiram-se enganados e burlados, o que os deixou aborrecidos, preocupados e angustiados, tendo-se visto obrigados a efectuar o pagamento de uma dessas letras, no valor de € 65.000, encontrando-se ainda a efectuar o pagamento de uma outra, no valor de € 24.750, uma vez que a sociedade “G……….”, que assumiu o pagamento das letras, entrou em insolvência, causando aos autores e à “F……….” um enorme sacrifício patrimonial, para além de afectar a sua imagem junto dos bancos.

Por outro lado, não obstante terem passado a prestar serviços à “F……….”, os réus criaram a empresa “H……….”, servindo-se das instalações, máquinas, equipamentos e matérias primas da primeira sociedade em benefício desta, provocando dificuldades de tesouraria e fundo de maneio daquela, o que também fez com que os autores se sentissem ludibriados no negócio que haviam celebrado com os réus. Em suma, sustentam os autores que os réus prestaram falsas informações sobre o objecto do negócio, ocultando elementos importantes da situação económico-financeira da “F……….”, omitindo nas contas da mesma e não informando os autores da existência das aludidas letras, violando o princípio da boa fé e também o dever de não concorrência, o que causou danos no património social e, consequentemente, no património dos autores, para cuja formação da vontade de negociar foi decisiva a representação de que a situação financeira da sociedade era a que figura na respectiva contabilidade.

Nestes termos, o objecto do negócio possui vícios que diminuem substancialmente o seu valor, sendo certo que os autores nunca teriam acordado na celebração do mesmo pelo montante estipulado se conhecessem a existência do passivo social que lhes foi ardilosamente omitido pelos réus, pelo que lhes assiste o direito a verem reduzido o preço na parte remanescente da contraprestação acordada (€ 75.000), titulada pelo documento de reconhecimento de dívida, subscrito pelos autores, aquando da cessão de quotas.

Devidamente citados os réus contestaram, começando por alegar que este reconhecimento de dívida respeita ao empréstimo da quantia global de € 75.000 que efectuaram aos autores antes da cessão de quotas e que estes se pretendem furtar a pagar, nada tendo a ver com o preço desse negócio, que foi apenas de € 30.000. Quanto ao mais, impugnam a matéria alegada, sustentando que todas as letras foram subscritas pelo réu marido, em representação da “F……….” antes da celebração da escritura de cessão de quotas, sendo letras de garantia (assinadas, mas não preenchidas) de um negócio de compra de uma máquina à empresa “G……….”, que dava um ano de carência para se proceder ao seu pagamento, findo o qual se procederia a este através de um contrato de locação financeira. Sucede que esta sociedade, quando recebeu o dinheiro da locadora, ainda antes da cessão de quotas da “F……….”, em vez de dar como pagas as letras, accionou-as abusivamente e à revelia, por se encontrar com dificuldades financeiras. Mais alegaram os réus que nada foi omitido ou escondido aos autores, os quais tinham perfeito conhecimento da compra das máquinas e que o negócio tinha sido titulado por letras de garantia, bem sabendo de toda a situação patrimonial da sociedade.

Impugnaram ainda os alegados indícios de aproveitamento pessoal dos réus ou da sociedade “H……….” em detrimento da “F……….”. Por fim, invocaram que os autores deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, alteraram conscientemente a verdade dos factos e fizeram dos meios processuais um uso manifestamente reprovável.

Concluem os réus, pedindo que a acção seja julgada totalmente improcedente e que os autores sejam condenados como litigantes de má fé, no pagamento de indemnização.

Na réplica, os Autores impugnaram o alegado empréstimo e reafirmaram que os elementos contabilísticos que lhes foram facultados não indicavam a existência de quaisquer letras a pagar a fornecedores, concluindo como na petição inicial.

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, por consequência, “reconhecendo o direito dos autores à redução do preço do negócio jurídico de cessão de quotas celebrado com os réus, condenaram-se estes a pagarem àqueles a quantia que se vier a apurar em momento posterior, relativa à repercussão que o prejuízo efectivamente sofrido pela sociedade “F……….” (ponderando também o valor, igualmente a apurar em liquidação posterior, da máquina que recebeu da “G……….” para atenuar esse prejuízo) pelo facto de ter tido de pagar a letra no valor de € 65.000, teve no valor acordado para a cessão de quotas (€ 150.000)” Absolveram-se os Réus do restante pedido.

Julgou-se improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé.

Inconformados com a decisão ambas as partes recorreram.

Os Autores formularam as seguintes conclusões de recurso: 1 . O prejuízo decorrente para os recorrentes do facto de os réus terem ocultado a existência de algumas letras não se resume às letras cujo pagamento os recorrentes efectuaram.

O simples facto de a empresa ver aumentado o passivo acarreta dificuldades no crédito para além de este se tornar mais oneroso, o que desvaloriza a empresa.

  1. Os recorrentes são portadores duma letra de 24.750,00 € que juntaram aos autos e cuja posse não foi questionada pelo que se presume que a pagaram pelo que deve tal montante ser também tido em consideração no cálculo do prejuízo sofrido pelos aqui recorrentes.

    O mesmo se dizendo quanto à letra de 19.800,00 € que deverá ser tida em consideração caso se venha, aquando da liquidação do prejuízo, a comprovar que os autores a pagaram.

    3- À redução do preço acresce o direito a uma indemnização pela desvalorização do bem vendido o que deverá ser tido em consideração. A douta sentença recorrida violou o disposto no art.º 911.º do CC ao não ter atendido a todos esses factos: letras na posse dos recorrentes, prejuízo decorrente do aumento do passivo, afectação da imagem da empresa e indemnização devida por tal.

    4- Os réus ao ocultarem a existência das letras violaram o dever de boa-fé plasmado no art.º 227.º do CC em contraponto aos autores que actuaram diligentemente informando-se previamente sobre a situação da empresa, solicitando elementos contabilísticos que foram determinantes na sua vontade de contratar, elementos que não correspondiam à verdade face à ocultação das ditas letras, o que para além dos danos materiais lhes determinou danos morais que devem ser atendidos.

    Sendo os réus comerciantes já há vários anos é indesculpável a actuação leviana que tiveram e que determinou avultados prejuízos para os autores.

    Deveriam pois os réus ser condenados no pagamento dos danos morais.

    5- Devendo a indemnização pelos danos morais ter uma dupla função de reparação e punição deveria o tribunal, em obediência ao disposto no art. 496.º do CC, que foi violado, ter tido em consideração também a conduta incorrecta dos réus para a sua fixação. Assim tal conduta também justificava a sua condenação em danos não patrimoniais.

    6- Os réus entraram em concorrência desleal com os recorrentes pois que se dedicaram ao mesmo ramo de actividade da empresa cujas quotas cederam aos recorrentes o que ocorreu através da constituição de uma nova empresa do mesmo ramo cujos sócios eram o filho dos réus e um outro indivíduo que era funcionário da empresa vendida pelos réus e cuja admissão foi efectuada pelos recorrentes a conselho dos réus. Empresa essa que os réus se apressaram a...

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