Acórdão nº 214/03.1LDBRG de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2009
Magistrado Responsável | CRUZ BUCHO |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2009 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *I- Relatório No 3º Juízo Criminal de Guimarães, no âmbito do processo comum singular nº 214/03.1IDBRG, por sentença de 12 de Junho de 2009, o arguido Nuno R..., com os demais sinais dos autos, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105, nºs 1, 2 e 4 do RGIT, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 9 (nove euros).
Na procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido pelo Estado, o arguido foi, ainda, condenado a pagar-lhe “a quantia de € 23 637,40 (vinte e três mil, seiscentos e trinta e sete euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, nomeadamente a decorrente do artº 3º/1 do DL nº 73/99 de 16/03, desde a data do vencimento de cada uma das respectivas prestações tributárias e sobre os respectivos montantes até integral pagamento.” *Inconformado com esta decisão, o arguido dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1.º Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. _ e sgs que condenou o arguido, como autor material, pelo crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art.° 24.°, 1, do RJFINA, aprovado pela Lei n..º 20-N90, de 15 de Janeiro, a uma pena de multa de 90 (noventa) dias de multa a uma taxa diária de € 9,00 (nove) Euros, num total de € 810,00 (oitocentos e dez euros) e a pagar ao Estado, a título de indemnização, a quantia de € 23.637,40 (vinte de três mil seiscentos e trinta e sete euros e quarenta cêntimos).
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Ficou demonstrado que: - Algumas das referidas quantias foram cobradas e recebidas efectivamente de clientes da sociedade, concretamente da empresa M..., Lda., no âmbito de vendas efectuadas, e retidas por conta de IVA e as restantes quantias respeitam à aquisição de matérias-primas efectuadas pela sociedade G... Calçado, Lda. á sociedade Calçado F..., Lda., para abatimento de um crédito da primeira sociedade sobre a segunda - Na verdade, a sociedade G... Calçado, Lda., era, à data, um dos principais credores da sociedade Calçado F..., Lda., - para abatimento da referido crédito, foi acordado entre ambas as sociedades que a sociedade G... Calçado, Lda., adquiriria à sociedade Calçado F..., Lda., algumas matérias-primas, nomeadamente, couro e peles de vacas.
- a sociedade apresentava "naquele período de tempo dificuldades financeiras, que viriam a culminar na sua declaração de falência".
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Para o preenchimento do tipo exigia-se que a não entrega da prestação deduzida fosse acompanhada de apropriação. O agente teria de fazer sua a prestação deduzida, de a fazer confundir e integrar no seu património à imagem do que está previsto no artigo 205º do CP, isto é, de operar uma inversão do título da posse ou detenção.
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No que respeita às vendas efectuadas à sociedade G... - e, conforme decorre dos documentos juntos aos autos, respeitantes a Março, Abril, Maio e Junho de 2001 - não houve qualquer entrega de dinheiro à F... para pagamento das facturas em causa.
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Não ocorreu qualquer apropriação de «prestação tributária (...) que tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar» (art.° 24.°, 1 e 2 do RJIFNA).
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É que o valor não foi recebido, mas apenas houve «abatimento de um crédito».
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A infracção só acontece «se o infractor inverter o título de posse e fizer sua a prestação tributária retida ou recebida, incorporando-a no seu património» (NUNO SÁ GOMES, Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1997, pag. 261).
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Não havendo recebimento, logicamente não pode haver inversão do título de posse ou incorporação no património da empresa ou próprio.
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«O crime de abuso de confiança fiscal exige a apropriação da prestação tributária e, estando em causa coisa fungível, como é o dinheiro, a apropriação não se concretiza com a mera disposição injustificada da coisa ou com a sua não entrega no tempo e pela forma juridicamente devidos» (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de Dezembro de 2004 (Rec. 0411036 in www.dgsi.pt/jtrp.nsf).
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Como é evidente, a inversão do título de posse apenas pode acontecer nos casos em que existe um pagamento efectivo ao sujeito passivo de IVA.
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O que é necessário atender é que, para efeitos fiscais, não há aqui qualquer apropriação ou inversão de título de posse.
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No caso, e tal como se provou, não ocorreu qualquer entrega de dinheiro da G...
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