Acórdão nº 555/05.3TAVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA AUGUSTA
Data da Resolução23 de Outubro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No processo comum colectivo nº555/05.3TAVVD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, foi o arguido FRANCISCO condenado, pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 165º, nº2 do C.P., na redacção da Lei nº59/2007 e artº30º, nº2 do mesmo diploma, na pena de 4 anos de prisão, suspensa pelo mesmo período, sob a condição de pagar à ofendida a indemnização atribuída.

Foi ainda condenado no pagamento da quantia de € 12 500,00, a título de indemnização, acrecida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificção do pedido.

***** Inconformado, recorreu o arguido, terminando a sua motivação com 50 conclusões Nos termos do nº1 do artº412º as conclusões devem ser um resumo das razões do pedido. Por isso, devem ser concisas, precisas e claras a fim de que se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ad quem.

As conclusões do recorrente, salvo o devido respeito, são exactamente o contrário. Contudo, por uma questão de celeridade e eficácia e porque é possível determinar quais as questões a decidir e o sentido da sua pretensão, optou-se por não o convidar a reformulá-las.

das quais se retira serem as seguintes as questões a decidir: 1. Saber se foram incorrectamente julgados os factos provados sob os §§3º, 4º, 5º, 6º, 7º, parte final, 9º, 10º e 11º, por violação do artº340º, nº1 do C.P.P., por errada valoração da prova e por violação dos princípios in dubio pro reo e presunção de inocência ; 2. Saber se o acórdão padece dos vícios das als.a) e c) do nº2 do artº410º do C.P.P.; 3. Saber se, mesmo a manterem-se os factos provados, estes não integram a prática de qualquer crime, designadamente aquele que lhe é imputado por falta de um dos elementos objectivos do tipo; 4. Saber se a pena em que foi condenado é desproporcionada; 5. Saber se o montante indemnizatório é desproporcional e inadequado 6. Saber se os deveres impostos ao recorrente como condição da suspensão da pena são impossíveis de cumprir.

***** O recurso foi admitido tendo a ele respondido o MºPº e a ofendia, que concluem pela sua improcedência.

***** O Exmo Procurador–Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no qual conclui pela mesma forma.

***** Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P..

***** Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir: Factos provados, não provados e fundamentação de facto (transcrição): MATÉRIA DE FACTO PROVADA: O arguido e Carla B... residem há mais de 10 anos no lugar de V..., freguesia de A..., neste concelho e comarca de Vila Verde.

A Carla nasceu no dia 1 de Janeiro de 1971 e padece de oligofrenia de natureza congénita, por virtude da qual apresenta atraso mental e diminuição da capacidade de entendimento, facto que é do conhecimento de todas as pessoas que com ela convivem e que é imediatamente perceptível em função do seu comportamento e do modo como se exprime.

Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde o ano 2000 e até Setembro de 2005, o arguido manteve, por diversas vezes, sempre durante o dia, relações sexuais de cópula completa com a Carla, designadamente no interior de bouças situadas no referido lugar de V... e no interior da residência de uma sua filha, situada nas proximidades da residência da Carla e que se encontra desabitada durante quase todo o ano, já que os proprietários estão emigrados em França e apenas se deslocam a Portugal para gozarem um mês de férias no Verão.

Durante o referido lapso de tempo, o arguido abordava a Carla quando a encontrava sozinha nos caminhos rurais que ambos frequentavam ou assomava a uma janela da residência da filha, cujas chaves possuía, donde avistava o logradouro da residência daquela e de uma residência contígua, pertencente a um irmão dela, locais onde a mesma executava trabalhos agrícolas, e, gesticulando, instava-a a ir ter consigo, deixando, para o efeito, aberta uma porta de acesso ao imóvel.

Acedendo a esses convites, com o intuito de conseguir os objectos em ouro que o arguido lhe prometia em troca dos seus favores sexuais - promessas essas que, aliás, nunca cumpriu -, a Carla embrenhava-se com ele no interior da mata ou dirigia-se à casa da filha dele, onde o acompanhava até um dos quartos situados no piso superior.

Nesses locais, o arguido despia a Carla ou aguardava que ela se despisse, a seu pedido, e, depois de se libertar da sua própria roupa, designadamente das calças e das cuecas, acariciava-lhe os seios e introduzia o seu pénis erecto na vagina dela, friccionando-o repetidamente até ejacular.

Mercê da anomalia psíquica de que padece, a Carla não tem capacidade para avaliar em toda a sua extensão o sentido e o significado do relacionamento sexual e suas consequências e, também por esse motivo, de lhe resistir, circunstância que o arguido conhecia e de que se aproveitou para satisfazer os seus instintos libidinosos, mantendo com aquela, repetidamente, relações sexuais de cópula completa.

Na sequência da denúncia dos factos, os pais da Carla passaram a assumir uma atitude mais vigilante com vista a prevenir novos abusos ou represálias, impedindo-a de se afastar deles e fechando-a em casa quando necessitam de se ausentar, o que lhe causa tristeza e angústia.

Sentiu ainda durante algum tempo receio de represálias por parte do arguido, bem como vergonha por ter de se sujeitar a diversos exames médicos e psicológicos e pela exposição e publicidade decorrentes da denúncia da situação.

O arguido agiu livre e deliberadamente, com o propósito de satisfazer a sua lascívia e obter satisfação sexual, com plena consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Praticou esses actos durante vários anos aproveitando a circunstância de dispor de um local onde podia encontrar-se a sós com a ofendida e confiando na discrição desta e consequente impunidade da sua conduta por falta de denúncia às autoridades.

É casado e tem quatro filhos, todos maiores e independentes.

É reformado, subsistindo da sua pensão de reforma e da pensão de reforma da sua mulher, ambas no valor aproximado de €250,00 mensais.

Vive em casa própria.

É iletrado.

Não tem antecedentes criminais.

Os pais da ofendida e o arguido encontram-se de relações cortadas há cerca de 10 anos devido a uma questão de vizinhança.

* MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão, designadamente que o arguido tivesse mantido relações sexuais de cópula completa com a ofendida Carla desde, pelo menos, o ano de 1995.

Ficou igualmente por demonstrar a factualidade alegada pelo arguido na contestação e, oralmente, em sede de audiência de julgamento e que se encontra em oposição com a dada como provada, designadamente que a ofendida tivesse sido “manipulada” pelos pais para imputar falsamente àquele os abusos sexuais pelos quais foi acusado e bem assim que o arguido sofra de uma disfunção eréctil impeditiva da consumação da cópula.

Por último, não se provou que em consequência dos abusos de que foi vítima a Carla se sinta envergonhada e vexada e bem assim que viva em permanente sobressalto, agitada e deprimida com receio de represálias por parte do arguido.

* FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto fundou-se na ponderação crítica da prova produzida, maxime nas declarações prestadas pela ofendida Carla B... e por sua mãe, Rosa, anotando-se que aquela, não obstante a deficiência psíquica de que padece, se mostrou muito coerente na forma como relatou os abusos de que foi vítima, explicando o motivo pelo qual correspondia aos apelos do arguido (o desejo de conseguir os objectos em ouro que o mesmo lhe prometia em troca dos seus favores sexuais) e descrevendo os locais e circunstâncias em que tais abusos ocorreram.

Acresce que descreveu a residência onde, pelo menos, um dos abusos terá ocorrido de forma minuciosa e coincidente com a sua configuração e decoração reais, ilustrada nas fotografias insertas a fls. 35 a 42, sendo certo que, como o próprio acusado admitiu, a mesma não lhe era acessível.

Mais. A única desconformidade entre a descrição da ofendida e o interior da citada residência na data em que foi efectuada a reportagem fotográfica deve-se, inequivocamente, a obras que ali terão sido realizadas após o termo dos abusos, obras essas que o arguido refutou categoricamente, mas cuja realização foi admitida por diversas testemunhas por ele próprio arroladas, designadamente por Alice A... e pela sua filha Cidália A..., que referiram espontaneamente que a filha do arguido “anda sempre a fazer obras” e a primeira ainda que a mesma terá construído uma “cozinha nos fundos” há cerca de dois anos, embora depois, confrontada com essa afirmação e porque, certamente, se apercebeu da sua relevância, tivesse procurado retirá-la, refugiando-se em evasivas.

Por sua vez, a mãe da ofendida sustentou, de forma que se nos afigurou coerente e isenta, que surpreendeu a filha e o arguido em três ocasiões, duas delas na mata e uma na casa da filha deste (esclarecendo que em nenhuma delas os viu relacionarem-se sexualmente ou, sequer, despidos, mas apenas abandonarem a residência da filha do arguido ou o local, oculto entre o mato, onde se haviam encontrado), sendo certo que já tinha conhecimento da situação há alguns anos, sensivelmente desde o ano 2000, e que só não a denunciou anteriormente porque julgava que tal a obrigaria a despender avultados meios financeiros de que não dispunha.

Para a formação da convicção do tribunal concorreu ainda o depoimento de Carla P..., técnica superior de serviço social do Centro de Saúde de Vila Verde que observou a ofendida a pedido do seu médico de família (que lhe enviou o relatório constante de fls. 70) e confirmou o teor da informação por si elaborada na sequência das duas consultas efectuadas, inserta a fls. 66 a 69, sustentando ainda que a ofendida não...

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