Acórdão nº 239/06.5GAVNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelANSELMO LOPES
Data da Resolução28 de Setembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira ARGUIDO/RECORRENTE F RECORRIDO O Ministério Público OBJECTO DO RECURSO O arguido foi julgado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 172, nº 1 do CPenal (vigente art. 171, nº 1) Veio a ser condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cuja execução se declarou suspensa sob condição dele pagar à ofendida C a quantia de 3600 euros, em prestações mensais de 200 euros, bem assim de se apresentar semanalmente no posto policial mais próximo da sua residência.

É desta decisão que vem interposto o presente recurso, pois o recorrente:

a) Dissente do facto de na sentença se consignar que o arguido é “construtor civil/empreiteiro” pois que “jamais o referiu”, não correspondendo à verdade que “não passe dificuldades económicas” – conclusões 3 e 5; b) Dissente do facto de se ter dado como provado que não gozava de “bom conceito” já que tem tido bom comportamento antes e depois dos factos – conclusões 8 e 9; c) Diverge da forma como foi concretizada a tomada de depoimento à ofendida, perseguindo o entendimento de que o depoimento daquela foi prestado sob sugestão e com falta de espontaneidade – conclusões 12 a 17; d) Afirma que “nenhuma testemunha da acusação foi peremptória em afirmar” o que se deu como provado na sentença, não aceitando o que se deu como assente, portanto, nos n.ºs 4 a 6, 8 a 11, 14 e 15 e 24 da sentença impugnada.

e) Manifesta-se expressamente e com mais incisão sobre o depoimento dos avós da ofendida, por nada terem feito para pôr fim aos comportamentos “algo estranhos do arguido com a menor”, por forma a concluir que os comportamentos do arguido, afinal “não eram assim tão graves como no julgamento quiseram fazer crer” – conclusões 24 a 28; f) Quanto à matéria de facto, o julgador decidiu “contra a prova realmente produzida”, todos os factos provados deverão ser julgados como não provados, por as provas imporem decisão diversa da recorrida, não sendo admissível que o arguido tenha praticado os factos à hora e no local referidos na sentença pois o normal seria ele ter “procurado fazê-lo em local menos exposto” – conclusões 35 a 39.

g) Foi feito uso de provas nulas pois que as fotografias admitidas como prova foram obtidas ilegalmente “em clara violação do direito de imagem do arguido”, não tendo sido “autorizadas por nenhum juiz”, e, aliás, “nada provam as mesmas” – conclusões41 a 45.

h) Os factos dados como provados porque não revelam a prática de um qualquer acto sexual de relevo, deveriam ser qualificados como crime p. e p. pelo art.170 do CPenal actual – importunação sexual – conclusões 47 a 53 i) É “violência extrema e inaudita” a fixação das condições de suspensão da suspensão da pena – conclusão 54 porque as “possibilidades do arguido são escassas” e porque “os actos porventura praticados pelo arguido não revestem a gravidade que a sentença em crise lhes empresta” – conclusões 63 e 64.

j) A sentença é nula “pois que conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento” – conclusão 70, por ter fixado pagamento indemnizatório à menor sem atentar nas possibilidades económico-financeiras do arguido – conclusões 73 a 76.

MATÉRIA DE FACTO Com relevância para a decisão da causa resulta demonstrada a seguinte factualidade: 1. C nasceu no dia 19 de Agosto de 1999 e é filha de Manuel e de Maria.

  1. O arguido conhecia a C, porque para além de ser vizinho, frequentava com regularidade o restaurante explorado, à data, pelos pais da C, denominado “X”, sito no lugar da ...

  2. No decurso das férias escolares de Verão do ano de 2006, no referido restaurante, quando aí se deslocava na hora de almoço, o arguido foi conquistando a confiança da menor, a quem mostrava o telemóvel, dizendo-lhe que tirava fotografias.

  3. Neste contexto, em número não concretamente apurado de vezes, mas ao longo de pelo menos uma semana, o arguido, aliciando a menor com o telemóvel, incitou-a a mostrar a vagina e a tocar-lhe no pénis.

  4. Nessas ocasiões o arguido fotografava a vagina da menor e entregava-lhe o telemóvel para que a menor lhe fotografasse o pénis.

  5. Tais actos eram praticados dissimuladamente na esplanada do restaurante, tendo numa dessas vezes o arguido pedido à C para subirem ao terraço onde se situa a churrasqueira, a fim de fotografar a vagina, o que veio a suceder.

  6. Assim, nos dias 30 e 31 de Agosto de 2006, cerca das 12:30h., o arguido dirigiu-se ao restaurante “X” e, após ter tomado café na zona do bar, fez-se acompanhar da menor até à esplanada.

  7. Aí, estando sentados lado a lado, o arguido abriu a perna do calção curto que vestia e mostrou o pénis à menor.

  8. A C, por sua vez, a pedido do arguido, segurou-lhe o pénis.

  9. Depois, inclinou-se para trás e desviou o vestido e cuecas para o lado para que o arguido visse e fotografasse a sua vagina.

  10. Neste circunstancialismo, o arguido fotografou, por diversas vezes, a vagina da menor e entregou o telemóvel à menor para que esta lhe fotografasse o pénis.

  11. M, avô da C, que nos dias referidos tinha assistido de sua casa aos factos descritos, logo tratou de contratar um fotógrafo profissional, a fim de denunciar a situação.

  12. Assim, no dia 1 de Setembro de 2006, à hora do almoço, o fotógrafo R posicionou-se na janela da cozinha de casa dos avós da C, sita em frente ao restaurante “X” e tirou as fotografias juntas aos autos.

  13. Nesse dia, o arguido, como habitualmente, entrou no restaurante e voltou a sair na companhia da menor. Sentaram-se na esplanada e voltaram a fotografar-se, tendo uma vez mais o arguido puxado para o lado o calção e colocado o pénis de fora, ao mesmo tempo que o escondia com a mão ou com a perna traçada.

  14. A menor tocava e fotografava o pénis do arguido e afastava as cuecas e a saia, mostrando a vagina ao arguido para que este a fotografasse.

  15. Mais tarde, o arguido abandonou o local e convidou a menor a segui-lo pelo caminho lateral ao restaurante.

  16. Nessa altura, M, que a tudo tinha assistido, saiu para a rua e gritou pela neta, evitando que esta acompanhasse o arguido.

  17. O arguido agiu da forma descrita, com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos, actuando sobre a menor C, que sabia ser menor de 14 anos de idade e que não tinha capacidade para se determinar sexualmente.

  18. Sabia que com a sua conduta, reiterada, ofendia os mais elementares princípios da moral sexual e atentava contra a liberdade de determinação sexual daquela menor.

  19. Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

  20. O arguido e os pais da C conheciam-se, sendo a mãe desta sua familiar afastada.

  21. O arguido conhece a C desde pequena.

  22. O arguido, à data dos factos, frequentava o restaurante “X”.

  23. O arguido, construtor civil/empreiteiro, declarou que se encontra desempregado há cerca de um ano e não aufere já qualquer rendimento.

  24. O arguido tem dois filhos maiores, embora um deles dependa economicamente dele.

  25. A mulher do arguido é ajudante de cozinha numa estalagem, auferindo cerca de €485,00 mensais.

  26. O arguido vive em casa própria.

  27. O arguido tem o 6º ano de escolaridade.

  28. O arguido é reputado por pessoa respeitadora.

  29. O arguido não tem antecedentes criminais.

  30. A mãe de C é cozinheira.

  31. O arguido não voltou a contactar com a C.

    Factos não provados: Não resulta demonstrada qualquer outra factualidade relevante para a boa decisão da causa. Nomeadamente, que a) o avô da C tivesse ameaçado o arguido com uma pistola; b) o arguido seja bom marido e sempre tenha respeitado a sua mulher; c) o arguido seja um bom pai; d) o arguido tenha sempre tido bom comportamento anterior e posterior aos factos.

    MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES São as seguintes as conclusões do recurso: 1.

    Passamos a indicar os concretos pontos de facto incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa; 2.

    Na verdade, a sentença em crise ignorou a prova realmente trazida ao julgamento, afirmando, inclusivamente, factos como tendo sido declarados pelo arguido que não o foram, de todo; 3.

    Como seja, o de se intitular construtor civil/empreiteiro, quando jamais o referiu, pois, tão só, disse que trabalhava na construção civil, encontrando-se desempregado há mais de um ano; 4.

    Não correspondendo, pois, à verdade que alguma vez se tenha assumido como construtor civil/empreiteiro, para se permitir concluir que nada de concreto se apurou quanto à sua condição sócio-económica; 5.

    Pelo que não corresponde à verdade que não passe dificuldades económicas; 6.

    Tal conclusão é errada, primeiro, porque nunca o arguido a afirmou, como erradamente diz a sentença; 7.

    E, segundo, porque as testemunhas MJ, ouvido em 2009/03/09 das 12:10:14 às 12:18:23 horas, e EF, ouvido em 2009/03/09 das 12:19:01 às 12:25:20 horas, foram claras em afirmar que o arguido trabalhava na construção civil e que se encontra desempregado; 8.

    Por outro lado, as mesmas testemunhas e, ainda, H, ouvido em 2009/03/09 das 11:50:59 às 11:58:10, foram unânimes em afirmar que o arguido goza de bom conceito; 9.

    Nada conhecendo em seu desabono, tendo tido bom comportamento antes e depois dos factos; 10.

    Sendo incorrecto, pois, afirmar o contrário, como faz a sentença em crise; 11.

    Mais adiantando as mesmas que parece impossível que pelo crime em causa tenha o arguido sido acusado; 12.

    Relativamente aos factos, de notar, em primeiro lugar, a orientação e condução dadas à menor durante o seu depoimento pela própria Mº(ª) Juiz(a) a quo, o que não é aceitável, muito embora se trate de uma criança de 9 anos; 13.

    Todos sabemos que as crianças são facilmente sugestionáveis e, uma vez apercebendo-se de que caminho queremos que sigam, seguem-no; 14.

    Tendo sido o que aconteceu com a dita menor C, ouvida em 2009/02/17 das 12:00:30 às 13:01:26, em que o seu depoimento nada de espontâneo teve; 15.

    Tendo sido insistentemente conduzido pela Mº(ª) Juiz(a) a quo que sugeria constantemente a mesma, como bem se pode alcançar...

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