Acórdão nº 1801/08.7TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução26 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A 29 de Dezembro de 2008, A....

instaurou nas Varas Mistas do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra acção declarativa sob forma ordinária contra B.....

pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 71.554,20 e ainda o valor que o tribunal vier a fixar equitativamente pelos danos não patrimoniais descritos sob os artigos 45 a 50 da petição inicial, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação.

Para fundamentar as suas pretensões o autor alega, em síntese: - que em 05 de Janeiro de 2005 celebrou com a sociedade de construções C......

um contrato para construção de uma moradia, com demolição, no prédio misto sito no ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...º e na matriz rústica sob o artigo ..., imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...; - que para o efeito entregou à sociedade de construções C.... os projectos de Arquitectura e Especialidades, designadamente, o de Estruturas e a respectiva Memória Descritiva e Justificativa, onde se encontravam especificados os materiais e respectivas características técnicas e regulamentares a utilizar na obra, nomeadamente, o betão B 25/C20; - que na sequência do processo de licenciamento da obra foi emitido pela Câmara Municipal de ... o Alvará de Licença de Construção nº 87/05, iniciando-se a obra em Janeiro de 2005; - que após uma visita à obra, aquando dos trabalhos de preparação da colocação da laje do tecto do primeiro andar, o autor apercebeu-se que a estrutura dos pilares, vigas e vigotas já edificados e os materiais utilizados na respectiva construção não revestiam as características constantes dos projectos, pelo que solicitou uma peritagem à obra, nomeadamente, ao betão; - que das peritagens efectuadas bem como dos ensaios laboratoriais ao betão aplicado na obra resultaram diversas desconformidades relativamente ao que constava dos projectos, nomeadamente, não aplicação de betão B 25/C20, construção de vigas e vigotas com dimensões inferiores às constantes do projecto, estalamento de algumas vigas, com fissuras a meio dos vão, quando ainda não tinham qualquer carga sobre si, aplicação das vigotas da laje do tecto do rés-do-chão com orientação contrária à que constava do projecto e espessura inferior de todas as lajes e espaçamento das vigotas superior relativamente ao especificado no projecto; - que nos relatórios periciais se concluiu que a demolição das partes da obra já edificada era a solução prática mais económica, facto que levou a que a construtora da obra parasse os trabalhos de construção; - que mediante declaração datada de 10 de Janeiro de 2005, no exercício da sua actividade profissional de engenheiro civil, o réu assumiu toda a responsabilidade pela direcção técnica da obra, nela se incluindo a fiscalização da obra, a qualidade dos materiais empregues e a sua conformidade com as especificações técnicas e regulamentares constantes dos projectos aprovados; - que em 04 de Janeiro de 2006, no local da obra, decorreu uma reunião em que estiveram presentes o autor, o réu, na qualidade de director técnico, o gerente da sociedade de construções C.... e o engenheiro responsável pelas peritagens efectuadas, procedendo-se à inspecção da obra e à verificação das desconformidades existentes, sendo por todos reconhecido que a solução técnica mais económica para remoção das desconformidades era a demolição parcial e a posterior reconstrução de acordo com as especificações constantes do projecto, lavrando-se acta dessa reunião e assumindo o gerente da sociedade construtora o compromisso de agendar para breve o início dos trabalhos de demolição, o que, apesar das insistência do autor, nunca veio a suceder; - que por essa razão, o autor recorreu a juízo para fixação judicial de prazo, sendo na sequência dessa procedimento judicial, a 11 de Janeiro de 2007, resolvido o contrato que o autor havia celebrado com a sociedade de construções C.... a 05 de Janeiro de 2005; - que os trabalhos necessários para remoção das desconformidades existentes na obra resultaram da omissão de fiscalização da obra por parte do réu e que o seu custo total é de € 71.554,20, tendo o autor suportado desses trabalhos o valor de € 33.394,20; - que por causa da omissão de fiscalização da obra por parte do réu o autor despendeu mais de 150 horas do seu tempo pós-laboral, vivenciou transtornos pessoais e familiares, tensões com alguns familiares, vizinhos e colegas da empresa onde trabalha, períodos de desânimo e irritabilidade e noites mal dormidas que o levaram a receber tratamento médico e falta de produtividade no emprego que até determinou uma chamada de atenção da sua chefia.

O réu foi citado por carta registada com aviso de recepção para, querendo, contestar, com a legal cominação.

O réu contestou impugnando parte da factualidade articulada pelo autor na petição inicial, negando que não tenha acompanhado a execução da obra e concluindo pela total improcedência da acção invocando para o efeito, em síntese: - a prescrição da obrigação de indemnizar accionada pelo autor em virtude do autor ter tido conhecimento das desconformidades que estribam as suas pretensões indemnizatórias entre Janeiro e Maio de 2005; - que alertou o empreiteiro para a existência de diversas desconformidades relativamente ao projecto, respondendo este que tais alterações tinham sido da responsabilidade do engenheiro autor do projecto; - que manifestou a opinião técnica de que a obra não obedecia aos requisitos legais e regulamentares concordando com as conclusões dos relatórios periciais apresentados pelo autor, sugerindo e convencendo o empreiteiro a demolir o edificado e a erigir nova estrutura; - que o autor renunciou a eventual direito de indemnização contra o réu ao optar pela via da responsabilidade contratual e restauração natural, que a presente demanda depois do autor ter optado expressamente pela via da restauração natural por parte do empreiteiro constitui abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium; - que no caso em apreço não se preenche o requisito da ilicitude do facto e que o réu nunca atestou que as obras se encontravam em conformidade com as normas legais e regulamentares em vigor; - que as normas legais que poderiam ser eventualmente violadas com a conduta do réu apenas tutelam interesses públicos ao nível de urbanismo, da higiene e da segurança, não tutelando o interesse do autor; - que falta o requisito do nexo de causalidade.

O autor replicou alegando que só a 04 de Janeiro de 2006 ficou a saber que as desconformidades de que suspeitava eram reais, que a acta subscrita pelo réu a 04 de Janeiro de 2006 tem efeito interruptivo da prescrição, que a aceitação do desempenho das funções de responsável técnico por parte do réu implica a garantia perante o dono da obra, a entidade licenciadora, a Ordem dos Engenheiros e quaisquer outras entidades intervenientes no processo de licenciamento a conformidade da construção com as especificações do projecto aprovado e as normas legais e regulamentares aplicáveis, concluindo pela improcedência das excepções arguidas pelo réu.

A 23 de Abril de 2009, a pretexto de a acção ter por base uma relação obrigacional, declarou-se a incompetência relativa da Vara Mista de Coimbra, determinando-se a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede, tribunal do lugar da residência do réu.

Recebidos os autos no Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede, a 23 de Junho de 2009, rectius a 24 de Junho de 2009, foi proferida decisão julgando a acção improcedente por não se verificar o pressuposto ilicitude do facto, em sede de responsabilidade extracontratual e, no quadro da responsabilidade contratual, por o eventual incumprimento das funções de direcção técnica por parte do réu responsabilizarem a sociedade empreiteira, ex vi artigo 800º do Código Civil, não tendo o autor direito de acção contra o réu.

Inconformado com a decisão de improcedência da acção, o autor interpôs recurso de apelação contra a mesma, no qual formulou as seguintes e extensas conclusões: “1ª)- Contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, não é o incumprimento do contrato de empreitada, celebrado com terceiro e já resolvido à data da instauração da acção, invocado na p.i. para enquadramento circunstancial do comportamento omissivo do Réu, que está em causa na presente acção; 2ª)- O direito ao abrigo do qual o Autor pretende ser ressarcido dos prejuízos sofridos não é resultante da relação estabelecida com a empreiteira, não configurando o direito a qualquer prestação decorrente da empreitada; 3ª)- Tais prejuízos não ocorreram em virtude da execução e, muito menos da posterior resolução daquele contrato; 4ª)- A resolução do aludido contrato de empreitada ocorrido antes da propositura da presente acção, como alegado sob os artºs 31º e 32º da p.i., e comprovado pelos docs. 1 e 2 ora juntos, apenas permitiria exigir da empreiteira, que aqui não é parte, e não do Réu que naquele não outorgou, a restituição do que lhe foi pago uma indemnização pelo chamado interesse contratual negativo ou de confiança, nos termos do preceituado nos artºs 289º, nº 1, 433º, 801º, nº 2 e 808º, nº 1, do Código Civil, 5ª)- o que manifestamente não aconteceu nos presentes autos.

6ª)- Traduzindo-se a resolução na “destruição da relação contratual”, e sendo, quanto aos seus efeitos, equiparada à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (cfr. artº 433º do CC.), é manifesto que o autor não poderia fazer valer na presente acção quaisquer direitos decorrentes do incumprimento do contrato de empreitada, ou exigir qualquer prestação suportada nos seus termos, e, muito menos, invocar a relação jurídica que lhe era subjacente, estabelecida com a sociedade empreiteira; 7ª)- Como resulta da factualidade alegada na p.i., designadamente, sob os artºs...

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