Acórdão nº 621/06.8TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução12 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

e mulher, B....

, C....

e Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de D....

, representada pela A. C...., instauraram, no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, a presente acção, sob a forma de processo sumário, contra E....

e F....

e mulher, G...

, todos melhor identificados nos autos, pedindo ao tribunal que declare que o prédio propriedade da 1ª Ré (artigo 000......º-U, da freguesia ......) está onerado com uma servidão de passagem a pé e de carro a favor dos prédios dos AA. (artigos 111......º e 222......º-U, da freguesia da ......), adquirida por usucapião, com início na Rua X...... e em direcção a norte, com cerca de 2,50 metros de largura e 10 metros de comprimento) (a) e condene os RR. a respeitarem este direito de servidão de passagem (b), a retirar e a absterem-se de recolocar quaisquer objectos ou materiais no lugar da servidão (corredor), desde o passeio da Rua X...... até à parte descoberta do prédio dos AA. (artigo 111......º) (c) e a pagar aos AA., a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 20/dia até total desocupação da entrada do logradouro dos AA. (d).

Alegaram, em síntese, que são donos de dois prédios urbanos, com logradouro, um com os artigos matriciais n.ºs 111......º e 333.....º e outro com o artigo matricial n.º 222......º, sitos na freguesia ......, concelho da Guarda, registados na Conservatória do Registo Predial da Guarda, respectivamente, sob os n.ºs 4444 e 5555; a 1ª Ré é dona de um prédio contíguo, inscrito na matriz sob o artigo 000......º, sendo os 2ºs RR. arrendatários do mesmo prédio, onde têm instalado um restaurante; os AA., para acederem ao logradouro dos seus prédios e às respectivas casas, têm como única entrada um corredor, com início na Rua X...... em direcção a norte, com uma largura de 2,50 metros e um comprimento de cerca de 10 metros, propriedade da 1ª Ré (conforme definido em anterior acção judicial), que constitui a única entrada para os prédios dos AA. e através da qual têm acedido aos seus prédios há mais de 30 anos, quer a pé, quer com os seus veículos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém até meados de 2002, continuadamente, convictos de estarem a exercer um direito próprio; a partir de Junho de 2002 os RR. passaram a não permitir aos AA. que acedessem aos seus prédios de automóvel, estacionando os seus veículos no referido corredor, dificultando, inclusive, a passagem a pé para os mesmos prédios, o que os tem transtornado e aborrecido.

Os RR. contestaram, invocando a ilegitimidade activa da A. herança, por estar desacompanhada dos demais herdeiros. Aceitando a propriedade dos prédios e reconhecendo o direito de servidão de passagem a pé, impugnaram que os AA. tenham direito de passarem de automóvel, porquanto fizeram-no por mera tolerância e favor dos RR.. Concluíram pela improcedência da acção e pediram a condenação dos AA. como litigantes de má-fé.

H....

e mulher, I...

, aquele filho do falecido D......, tendo tido conhecimento da excepção de ilegitimidade da herança, como forma de a suprirem (agora com intervenção de todos os herdeiros), intervieram nos autos, assumindo a posição de AA. e ratificando o processado.

Após registo da acção, foi proferido despacho saneador, no qual se declarou a regularidade da instância. Seleccionada a matéria de facto, não se verificaram reclamações.

Procedeu-se a julgamento, no decurso do qual, por razões técnicas, não ficaram registados os depoimentos produzidos na sessão de 13.11.2007, após o que foi proferida sentença, que julgou a acção procedente.

Os RR., inconformados, interpuseram recurso da sentença, pedindo a anulação do julgamento por omissão da gravação da prova.

Este Tribunal da Relação, face à referida falha de registo dos depoimentos, por decisão de 15.7.2008, anulou o julgamento (e a sentença) e determinou a repetição do julgamento relativamente aos depoimentos que não ficaram gravados.

Cumprido o determinado, foi depois proferida nova decisão da matéria de facto e a sentença final, que julgou a acção totalmente procedente, declarando que o prédio propriedade da 1ª Ré (identificado na al. c) dos factos provados) está onerado com uma servidão de passagem, a pé e de carro, a favor dos prédios dos AA. (identificados nas alíneas a) e b) dos factos provados), adquirida por usucapião, com início na Rua X...... e em direcção a norte, com cerca de 2,50 metros de largura e 10 metros de comprimento, e condenando os RR.

a respeitarem este direito de servidão de passagem, a retirarem e a absterem-se de recolocar quaisquer objectos ou materiais no lugar da servidão (corredor), desde o passeio da Rua X...... e até à parte descoberta do prédio dos AA. (artigo 111......º) e a pagarem, aos AA. e ao tribunal, na proporção de ½ para cada, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 20/dia até total desocupação da entrada do logradouro dos AA. (corredor).

Desta sentença apelaram os RR., formulando as seguintes conclusões: 1ª - Face à prova produzida e devidamente documentada (gravada): - a resposta ao quesito 1º da base instrutória deveria ser a de que após, aproximadamente, 1986, o autor A...., para tanto pedindo prévia autorização ao réu F......, por vezes, passava de automóvel no corredor referido em h) e i); - a resposta ao quesito 2º da base instrutória deveria ser a de que nas décadas de 1970 e 1980 existiu no prédio referido em a) um armazém afecto a uma tipografia; - a resposta ao quesito 3º da base instrutória deveria ser a de que de que após, aproximadamente, 1986, o autor A...., para tanto pedindo prévia autorização ao réu F......, por vezes, passava de automóvel no corredor referido em h) e i); - os quesitos 4º e 5º da base instrutória deveriam ser considerados como não provados; - a resposta ao quesito 7º da base instrutória deveria ser a de que o réu marido tinha diariamente, e durante quase todo o dia, a sua viatura estacionada no dito corredor, além de ali ter arrumadas grades de bebidas e vasos com flores; - a resposta ao quesito 8º da base instrutória deveria ser a de que o autor A......, por vezes, e apenas após 1986, pedia autorização ao réu F...... para passar no dito corredor com o seu automóvel; então, este retirava a sua viatura, assim permitindo ao autor A...... que passasse com a sua viatura; 2ª - Correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda o Proc. n.º 300/ 03.8 TBGRD, cuja sentença (e Acórdão confirmativo) se encontram juntos ao presente processo, no qual figuravam como autores A......, B......, C...... e HERANÇA POR ÓBITO DE D...... (também aqui autores) e, como réus, F...... e esposa G.... (também aqui réus); 3ª - Pediam os AA. na dita acção que, uma vez julgada provada e procedente, e entre outras coisas, fossem os RR. condenados a respeitar no todo a propriedade dos AA. -arts. 111......º e 222......º, urbanos, da freguesia ......, Guarda; fossem os RR. condenados a não perturbarem a posse integral dos prédios dos AA.; fossem os RR. condenados a abster-se de colocar quaisquer objectos ou materiais no logradouro desde o passeio da Rua X...... até às partes cobertas dos dois prédios dos AA.; 4ª - Na sentença proferida na dita acção (confirmada integralmente pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.6.2004, e já transitada em julgado) escreveu-se o seguinte: «Analisando os factos assentes constata-se, no entanto, que se provou que tal parcela de terreno faz parte integrante do prédio referido na al. C) dos factos assentes - cfr. als. g), h), i), k), l), m) e n) dos factos provados.

Tal prédio, nos termos do artigo 7º do Código do Registo Predial, presume-se propriedade de E..., titular inscrita no registo predial (cfr. al. C) dos factos assentes).

Não obstante isso, analisando os factos assentes, constata-se que sobre o mesmo existe uma servidão de passagem a favor do prédio dos autores.»; 5ª - Mais se escreveu em tal sentença que «(…) analisando uma vez mais os factos assentes, constata-se que o corredor em discussão é a única entrada existente, a pé e de automóvel, para o prédio dos autores (cfr. al. F) dos factos assentes).

Constata-se, no entanto, também, que os réus, desde Maio de 1976, utilizam o referido corredor como fazendo parte do arrendado, ali colocando mercadorias utilizadas no exercício do seu comércio, ali estacionando a sua viatura, ali plantando e tratando plantas, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e continuamente, convictos de estarem a exercer um direito que lhes pertence (cfr. al. l) dos factos assentes), e, por outro lado, que os autores, sempre que pretendiam entrar/sair de viatura para/do seu logradouro pediam (e pedem) ao réu que lho permitisse, nomeadamente retirando a sua viatura primeiro. Deste modo, determinando-se o conteúdo da servidão pela posse do respectivo titular, conclui-se que a posse dos autores manifesta-se através do exercício de um direito de passagem a pé através do corredor em causa e para acederem ao seu prédio, ao qual acresceram actos de mera tolerância dos réus, como possuidores em nome alheio (artigo 1253º7ª) do Código Civil), permitindo, por vezes, o acesso de viaturas ao prédios dos autores (1253º/b) do Código Civil).

De tais actos de mera tolerância não resultou o animus dos autores, não havendo elementos para concluir que tenham adquirido o direito de servidão de passagem de automóvel por usucapião sobre tal prédio – cfr. artigos 1287º e ss. do Código Civil»; 6ª – O caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão; a eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada; excluída está, desde logo, a situação contraditória, como, além disso, está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada; 7ª - Do que resulta...

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