Acórdão nº 2207/04.2TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Novembro de 2009

Data17 Novembro 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório: A) - 1) - A...

e mulher B....

, residentes em....., intentaram, em 19/08/2004, no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, contra “C...

”, com sede ...., acção declarativa, com processo ordinário, alegando, em síntese, que: - Adquiriram à Ré, em 18/2/2004, a viatura D....

, de Dezembro de 2001, pelo preço de € 33.000, sendo parte do mesmo correspondente a retoma recebida pela Ré da viatura E...

, de Janeiro de 2001, a qual foi valorizada em € 16.000; - Na data da sua aquisição, a viatura Mercedes tinha marcados no quadrante 67.033 km, tendo a Ré garantido que os quilómetros eram “reais”, ou seja, que correspondiam aos efectivamente feitos, assim como a respectiva ficha de inspecção apresentava a quilometragem de 61.891 km em 22 de Agosto de 2003; - Desde a data de recepção, a viatura evidenciou vários sinais de desgaste anormal, do que foi dado conhecimento à Ré que reportou a respectiva reparação para a primeira assistência/revisão à viatura nas suas oficinas, com excepção dos travões; - Vindo a ser substituídos, em 8/3/2004, nas oficinas da Ré, os discos de travagem da frente, foi-lhes prestada a informação de que os discos que ali se encontravam não eram de origem, mas sim da concorrência; - Não lhes foram fornecidos pela Ré os documentos da viatura bem como as chaves duplas, apesar de terem sido solicitados; - Solicitaram junto de outro concessionário da marca Mercedes - Benz informações sobre o historial da viatura, vindo a obter a informação de que esta teria efectuado, em Dezembro de 2002, uma revisão em concessionário da Mercedes na Alemanha, tendo sido registados, nessa data, 126.000 km, do que deram conhecimento à Ré que veio a confirmá-la através da pesquisa que efectuou na presença dos Autores à respectiva base de dados da marca; - Vieram a ter conhecimento, em 10/08/2004, que a referida viatura havia circulado como táxi; - A Ré não procedeu de boa fé na conclusão do negócio já que sabia a proveniência do veículo e todo o seu historial, tendo vendido coisa defeituosa, que bem conhecia, sendo que eles, AA., caso conhecessem a viciação da quilometragem da viatura na ocasião em que a adquiriram, não fariam o contrato em causa, nem entregariam para pagamento a quantia efectivamente paga, nem a viatura E... já referida; - A actuação da Ré provocou-lhes prejuízos patrimoniais que correspondem ao montante total pago (€ 33.000), acrescido de todas as despesas suportadas com a viatura, nomeadamente com seguros - € 837,09 -, com o contrato de mútuo e acréscimo de juros, imposto de selo, despesas sobre o capital mutuado, penalização pela rescisão antecipada do contrato de mútuo e de outras não passíveis de simples cálculo aritmético, a liquidar em execução de sentença, assim como lhes causou incómodos e perturbações no seu quotidiano pessoal, profissional e familiar, além de danos na imagem profissional de cada um dos Autores, os quais computaram em montante global não inferior a € 16.000.

Concluindo, formularam o pedido nos seguintes termos: «Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência ser declarada anulada a compra e venda da viatura D..., nos termos e com os efeitos dos artigos 913° e ss., 908° e 909°, 247° e 252°, 253° e 254°, tudo conjugado com as disposições dos artigos 227°, n° 1 e 762°, n.° 2 do Código Civil e ser a Ré condenada a: A)Restituir aos AA. a quantia de € 33.000,00 (trinta e três mil euros), acrescido de todas as despesas suportadas pelos AA. até à presente data com a viatura, nomeadamente com seguros - € 837,09 -, com o contrato de mútuo e acréscimo de juros, imposto de selo, despesas sobre o capital mutuado, penalização pela rescisão antecipada do referido contrato de mútuo e de outras que não são passíveis de simples cálculo aritmético à presente data e que deverão ser remetidas para liquidação em execução de sentença, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da celebração do negócio em 18-02-2004 até ao seu efectivo e integral pagamento; B) Pagar aos AA. quantia não inferior a € 16.000,00 (dezasseis mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação da Ré para contestar até efectivo e integral pagamento; C)Nas custas, procuradoria condigna e demais despesas, OU EM ALTERNATIVA: D) Entregar aos AA. uma viatura nova, da mesma marca, de iguais características e com os mesmos extras de equipamento e a receber daqueles a de D...; E) Pagar aos AA. quantia não inferior a € 16.000,00 (dezasseis mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação da Ré para contestar até efectivo e integral pagamento; F) Nas custas, procuradoria condigna e demais despesas.».

2) - Contestando, além de excepcionar o abuso do direito relativamente ao pedido formulado em alternativa pelos Autores, a Ré defendeu-se por impugnação, sustentando, em síntese: - Que o contrato firmado entre as partes diz respeito à venda de uma viatura usada e que o negócio foi precedido de várias conversas com o Autor marido que teve oportunidade de experimentar a viatura prolongadamente, por várias vezes, nunca tendo sido decisivo, nas negociações havidas, a quilometragem da viatura mas sim as condições em que a mesma estava ao nível da chapa, pintura e motor; - Que a viatura usada havia sido adquirida à firma “F...

”, que a importou da Alemanha e que, após a sua recepção, foi submetida pela Autora a um completo diagnóstico que determinou a substituição de vários componentes; - Que, sendo ela, ora Ré, completamente alheia a qualquer viciação do conta-quilómetros, se bastou com a informação constante do documento aduaneiro pois a consulta ao histórico só acontece, como excepção, quando algo de suspeito ou dúvida razoável esteja presente, o que não foi o caso.

Concluindo pela improcedência da acção, deduziu a Ré, ainda, o incidente de intervenção principal provocada da firma “ F...” a quem havia adquirido a viatura.

3) - Indeferido que foi o deduzido chamamento da mencionada firma, veio tal decisão a ser confirmada por esta Relação, em 09/11/2005, no âmbito de recurso de Agravo interposto pela Ré.

4) - Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Por despacho de fls. 184 e ss., foi decidido aditar uma alínea à matéria de facto assente e alterar a redacção da constante na alínea f).

  1. - 1) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida sentença (em 09/12/2008), decidindo, na parcial procedência da acção, «…declarar a anulabilidade do contrato de compra e venda do veículo de D..., condenando-se a Ré a restituir aos Autores a quantia de 17.000 € (dezassete mil euros) bem como o veículo de E... ou, caso a mesma não seja possível, o montante de 16.000 € (dezasseis mil euros), devendo os Autores restituir à Ré o veículo de D... ou, caso a mesma não seja possível, o montante de 33.000 € (trinta e três mil euros), sendo que estas obrigações recíprocas de restituição devem ser cumpridas simultaneamente nos termos do artigo 290.º do Código Civil…».

    2) - Inconformados com tal sentença, dela recorreram os AA.

    , bem assim como, subordinadamente, a Ré, recursos esses admitidos como apelações, com efeito meramente devolutivo.

  2. - Na douta alegação de recurso que ofereceram, os Autores apresentaram as seguintes conclusões: […] Finalizaram pedindo a revogação da sentença.

  3. - No que concerne ao recurso subordinado da Ré, rematou esta as respectivas e doutas alegações, com as seguintes conclusões: […] E) - Em face do disposto nos art.ºs 684º, nºs. 3 e 4, 690º, nº 1 do CPC [1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

    Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr. Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586)[2].

    Assim, as questões que cumpre solucionar no presente recurso consistem em saber: - Se ocorre a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC; - Se é de proceder à alteração da matéria de facto em que se fundamentou a douta sentença recorrida; - Se, em face da factualidade que se tenha como provada, é correcta a...

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