Acórdão nº 5002/08.6TBLRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução20 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

  1. A... e B...

    instauraram contra a sociedade comercial C...

    , Procedimento Cautelar de Suspensão de Deliberações Sociais.

    Pediram: A suspensão da deliberação da Assembleia Geral de accionistas da Requerida de 9 de Julho de 2004.

    Alegaram: Que são únicos accionistas da Requerida.

    Que na referida reunião de assembleia geral de accionistas realizada em 09 de Julho de 2004 se deliberou o aumento do capital social da sociedade, se alterou a sua forma de administração e se elegeu um administrador único, bem como das aprovações de contas relativas aos anos de 2006 e 2007, aprovadas em assembleia-geral.

    Que para tal Assembleia os requerentes não foram convocados.

    Que as deliberações ali tomadas já lhe causaram graves prejuízos patrimoniais.

    Que apenas em 22 de Agosto de 2008 tomaram conhecimento da existência de uma acta representativa de tal Assembleia.

    A requerida deduziu oposição.

    Alegou que aos requerentes não assiste legitimidade para proporem o presente procedimento cautelar, uma vez que não são sócios.

    Que mesmo que assim não fosse, os requerentes tiveram conhecimento anterior das deliberações ora postas em crise, pois, elas só podem ser tomadas por deliberações em assembleia sendo que o contrato alegado pelos requerentes se reporta a Setembro 2003, pelo que caso não tivessem sido tomadas certas deliberações a empresa já se teria extinguido.

    Impetrando a condenação dos requerentes por abuso de direito e caso assim não se entenda a improcedência da acção.

  2. Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que: Julgou o procedimento improcedente por não provado e, consequentemente, absolveu a requerida do pedido nele formulado.

  3. Inconformada recorreram os requerentes.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões, em síntese e no que agora interessa, considerando a rectificação no que à data de 22.04.2008 para 22.08.2008 concerne: 1ª Os factos dados como provados nos pontos 4 e 6 são contraditórios com os dados como provados nos pontos 19 a 21.

    1. Os próprios fundamentos usados pelo tribunal a quo para fundamentar os factos dos pontos 19 a 21 e 4 são contraditórios.

    2. Pois que o documento nº4 junto com o requerimento inicial é contraditório com os factos dados como provados nos pontos 19 a 21.

    3. E os depoimentos das testemunhas D... e E..., nos quais o tribunal fundamentou as respostas aos factos alegados pelos requerentes, são incompatíveis.

    4. Assim, ou o tribunal considera provado que as partes convencionaram que a transmissão das acções da requerida só se faria quando estivessem transmitidos todos os bens constantes da clausula 2ª do contrato e que a testemunha Dr. D... ficou fiel depositário da cautela representativa das acções ou então considera isso como não provado e que as acções foram entregues ao Sr. A... na data da outorga do contrato e que sempre estiveram com ele.

    5. O Tribunal considerou não provado que os requerentes tivessem conhecimento em 22.04.2008 – depois rectificado para 22.08.2008 – da existência da acta representativa de uma assembleia geral de accionistas realizada em 09.06.2004, para na respectiva fundamentação dar a entender precisamente o oposto.

    6. A sentença violou o disposto no artº 668º nº1, al.d) do CPC ao não ter considerado como provados ou não provados os factos alegados pelos requerentes que se referiam ao dano apreciável que a deliberação lhes causou.

    7. O tribunal ao ter considerado que os requerentes não são sócios da requerida violou o disposto nos artºs 304º nº3 do CSC e 96º do CVM, bem como os artºs 420º nº1 als.b) e c) e 526º do CSC.

    8. Ao decretar a caducidade da providencia, para o que ficcionou uma data que não foi alegada pelas partes nem consta de qualquer documento junto aos autos, o tribunal cometeu a nulidade do artº 668º nº1 al.d) do CC.

  4. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógicamente, as seguintes: 1ª Alteração da decisão sobre a matéria de facto no que tange aos pontos 19 a 21 dos factos provados, dando-se como não provados os factos constantes nestes pontos.

    1. Nulidade da sentença por excesso de pronúncia, na parte em que considerou provados ou não provados os factos alegados pelos requerentes no atinente ao prejuízo apreciável e na parte em que julgou verificada a caducidade da providencia.

    2. Ilegalidade da decisão por violação do disposto nos artºs 304º nº3 do CSC e 96º do CVM, bem como dos artºs 420º nº1 als.b) e c) e 526º do CSC.

  5. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.

    Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito, antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa ou irracional.

    Quer dantes dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Ademais o princípio da livre apreciação da prova encontra o seu campo de eleição na esfera da prova testemunhal, da prova por arbitramento e da prova por inspecção judicial.

    Já o princípio da prova legal ou taxada se acomoda mais com a prova por confissão e com a prova documental, maxime documentos autênticos ou com especial valor probatório – Alberto dos Reis, ob. cit. IV, p.569.

    5.1.2.

    Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Antes a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal até porque nela desempenha uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.

    Efectivamente, com produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjectiva, do facto.

    – cfr.

    Acórdão da Relação do Porto de 14.09.2006, dgsi.pt,citando Antunes Varela.

    A verdade que se procura, é pois, antes de mais, uma verdade político-jurídica, sendo a função primacial da sentença a de convencer os interessados – as partes e a sociedade em geral - do bem fundado da decisão.

    Sendo que, destarte: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.

    Assim e como em qualquer actividade humana, existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.

    Desde logo porque a prova produzida, rectius a testemunhal, se efectivada por uma forma deficiente ou até ínvia, distorce a verdade e objectividade da realidade em apreciação, induzindo o julgador em erro.

    Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de alguma abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.

    O que importa, para a sua validação e aceitação social das decisões, é que se minimize o mais possível tal margem de erro e elas se situem dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida.

    O que passa, designadamente, pela sustentação da decisão de facto em prova objectivável e motivável e que a sua apreciação se processe de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT