Acórdão nº 221/09.0TBSRP.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA Sumário: I - Embora os AUJ, não tenham força obrigatória, é comummente aceite, que os tribunais de primeira e segunda instâncias devem seguir a orientação jurisprudencial uniformizada e só se devem afastar desta, no caso de “fortes razões ou outras especiais circunstâncias que, porventura, ainda não tenham sido suficientemente ponderadas.

II – Tendo sido publicado o Ac. Uniformizador de jurisprudência n.º 7/2009 que estabeleceu a doutrina de que « no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados» é de considerar como manifestamente improcedente, mesmo para os efeitos do disposto no art.º 2º do regime de procedimentos anexo ao DL n.º 269/98, toda a pretensão que contrarie tal doutrina.

III – Consequentemente é legítima a recusa da imposição de força executiva à petição inicial que enferme de tal vício e lícita, a decisão do juiz, de prosseguir com os autos para conhecimento do mérito da causa.

IV - Para poder demonstrar-se a existência do proveito comum não basta alegar a existência do casamento sob o regime de comunhão e que a contracção da dívida ocorreu no âmbitos dos poderes de administração do casal, é necessário alegar, também, que o casal, ao menos à data da assunção da dívida, existia “quo talle”, pois bem pode suceder que se mantenham casados mas, à data dos factos estivessem já separados de facto e neste caso é impossível existir ou dificilmente poder dizer-se que exista o alegado proveito comum.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 221/09.0TBSRP.E1 Apelação 2ª Secção Cível Recorrente: Banco Mais S.A.

Recorrido: Manue……………. .

* O Autor Banco Mais, SA, intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do contrato contra os Réus Manuel…….. e Aurísia ………….., pedindo a condenação destes a pagar solidariamente, entre si, as importâncias de € 6.626,07, acrescidas de i) € 1.191,78 a título de juros vencidos até 21 de Setembro de 2009, de; ii) € 47,67 euros de imposto de selo sobre este juros e ainda; iii) os juros que se vencerem sobre as quantias em dívida à taxa anual de 17,46 % e desde 10 de Setembro de 2008 até integral pagamento, bem com; iv) aquele que recair sobre o imposto de selo à taxa de 4%, desejando ainda; v) o pagamento de custas e procuradoria, alegando os factos e o direito que em seu entender justificam a procedência do pedido.

Fundamenta o seus pedidos na celebração de um contrato de mútuo com o Réu Manuel……………….. por intermédio do qual lhe concedeu um crédito directo no valor de € 8.496,80 nos termos e condições previstas no documento que se acha junto a fls. 10 e que foi por aquele afecto à aquisição de um veículo de marca Suzuki com o modelo DL 650 e matrícula 79-BN-90. Desta forma, não tendo o Réu liquidado 33 das prestações acordadas e na medida em que o veículo em apreço reverteu em proveito comum do casal, considera o Autor assistir-lhe razão para o pedido concretizado.

Os Réus, regulamente citados, não contestaram (fls.18 e 19), nem juntaram aos autos procuração a mandatário judicial, pelo que não se verificando nenhuma das excepções previstas no art. 485.º do CPC, considerar-se-iam confessados todos os factos articulados pelo Autor na sua petição inicial.

Entendeu porém o sr. Juiz, que alguns dos pedidos eram manifestamente improcedentes e como tal conheceu dessas questões.

Para tanto considerou o seguinte: «Temos, .... que parte do pedido do Autor se apresenta manifestamente improcedente designadamente em face da Ré Aurisia ………….e por referência ao disposto no artigo 1691.º do Código Civil. Isto porque, na medida em que a Ré não interveio no documento de fls. 10, apresenta-se certo que qualquer esforço de imputação da dívida à sua pessoa necessitará de passar pelo crivo de tal preceito, em função do qual se estatui que São da responsabilidade de ambos os cônjuges i) As dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro; ii) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar; iii) As dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração; iv) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou se vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens; v) As dívidas consideradas comunicáveis nos termos do n.º 2 do artigo 1693.º.

E do preceito legal em apreço retira-se que a consideração tecida pelo Autor de o empréstimo reverter em proveito comum do casal em função do veículo se destinar ao mesmo património comum não se acha, por si só, suficiente para suportar o accionamento de qualquer uma das alíneas transcritas. Na verdade, as alíneas a), c) e d) supra referenciadas achar-se-iam sempre dependentes, respectivamente, da alegação adicional ou alternativa da existência de consentimento da Ré Aurisia ……….., da imputação da qualidade de cônjuge administrador ao Réu Manuel …….. e de uma simultânea actuação no âmbito dos correspondentes poderes (artigos 1678.º e 1681.º do Código Civil) ou da constatação do exercício do comércio. O que o Autor não faz.

Com o que resta aferir da pertinência da subsunção do litígio dos autos ao enquadramento desenhado na alínea b) do mesmo artigo 1691.º. E será, por outra via, determinante na aferição da bondade do pretendido pelo Autor nesse sentido a sindicância de qual foi a afectação dos montantes mutuados, ou seja, qual a aplicação em que o Réu imputou a quantia proveniente da dívida. O que carece de ser materializado por reporte à noção de «encargos normais do casal» e já não em face do conceito de «proveito comum», o qual não releva para efeitos de tal regra.

E sabemos já, a esse título, que o capital mutuado foi solicitado pelo Réu para fazer face a aquisição de um veículo. Com o que tal constatação é já suficiente para a imediata falência do invocado pelo Autor e mesmo no pressuposto de ser verdadeiro o por si alegado. Na verdade, e recorrendo às lições de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, o conceito de encargos normais da vida familiar acha-se associado a “dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair. É aqui que cabem as dívidas de alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc.

” [1] .

E não entra naturalmente em tal categoria a aquisição de um veículo. O que se conclui, directa e linearmente, em função do valor associado a tal acto e que nunca poderá ser divisado como encargo normal. Conclusão cuja bondade se acha, além do mais, evidenciada pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Julho de 1999 ao considerar que “a aquisição de um veículo automóvel nos dias de hoje, embora frequente, não pode ser considerada um encargo normal da vida familiar” [2] .

Termos em que se acha indubitável a improcedência da acção em face da Ré AurÍsia………..

, a qual deverá ser, nesta senda, absolvida do pedido contra si deduzido.

Por seu turno, e quanto ao Réu Manuel ………, afigura-se, por igual forma e à luz da jurisprudência firmada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, que parte do pedido oferecido pelo Autor figura como manifestamente improcedente e susceptível, por igual forma, de ser apreciado em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.

Fixou-se, no aludido Acórdão n.º 7/2009, jurisprudência no sentido que “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados” [3] .

Sucede, todavia, que o Autor peticiona, no âmbito dos presentes autos, o pagamento de juros remuneratórios do contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações por si invocado como causa de pedir e constante de fls. 10 e seguintes e, outro tanto, de juros capitalizados em função dos preceitos ostentados no artigo 11.º da p.i..

É certo que o Autor argumenta, no que ao primeiro item respeita, que “mau grado o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25 de Março de 2009, proferido no recurso 1992/98-6, certo é que, nesse mesmo Acórdão se deixou expresso que «10- as partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido do artigo 781.º do Código Civil”. O que na sua perspectiva o legitima ao peticionamento dos mesmos juros porquanto considera que “Autor e Réu marido...

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