Acórdão nº 5331/06.3TBMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Março de 2010
Magistrado Responsável | URBANO DIAS |
Data da Resolução | 02 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I – O simples facto de o artigo 14º do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho, atribuir às empresas transitárias o direito de retenção sobre mercadorias que lhe tenham sido confiadas em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes, não permite, sem mais, a uma qualquer empresa transitária concluir pelo direito de retenção em relação a todo e qualquer material.
II – É que é pressuposto da existência deste direito real de garantia que o titular do direito à entrega da coisa seja sujeito passivo da relação creditícia cujo credor é obrigado à entrega da coisa, e que o crédito deste seja conexo com a referida coisa, em termos de resultar de despesas com ela realizadas sobre prejuízos por ela causados.
III – Deste modo, tendo a A. prestado serviços à R. no âmbito de um determinado contrato e esta não tendo pago o respectivo preço por inteiro, tem aquela direito a exercer retenção sobre as respectivas mercadorias, mas já não pode invocar o incumprimento deste mesmo contrato para reter mercadorias relativas a um outro qualquer contrato, precisamente porque, neste caso, falta o elemento “conexão” para legitimar a sua acção.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.
AA, S. A. intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, acção ordinária contra BB – Transitários Lª, pedindo a sua condenação no pagamento de 17.651,60 € e no que se viesse a liquidar, a título de indemnização pelos danos causados na paragem da produção e na perda de encomendas, pelo facto de, enquanto credora, não ter respeitado a decisão da assembleia de credores, tomada em processo de recuperação de empresa, no que se refere ao pagamento do seu crédito, tendo retido matéria-prima que a si se destinava.
A R. contestou para justificar a legalidade da retenção da dita matéria-prima e pedir a consequente absolvição do pedido.
O processo seguiu, depois, a sua normal tramitação até julgamento e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente.
Em vão, apelou a A. para o Tribunal da Relação do Porto, na medida em que viu o julgado inteiramente confirmado.
Continuando inconformada, pede, ora, revista, a coberto das seguintes conclusões (as mesmas que tinham sido já apresentadas na apelação) com que rematou a sua minuta: 1. No acórdão recorrido parte-se do pressuposto de que a quantia que a recorrida reclamava, de € 2.500,80, beneficiava de um direito real de garantia e, como tal, não se encontrava abrangido pela medida recuperatória, sendo, assim, lícito à recorrida reter o material adquirido pela recorrente (substitui-se apenas sentença por acórdão).
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Com efeito, no direito de retenção, previsto no artigo 754° do Código Civil e no artigo 14° do DL 255/99, de 7 de Julho, terá que existir uma conexão objectiva entre a coisa e o crédito.
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No caso em apreço o direito de retenção apenas existiria se a recorrente se recusasse a pagar os custos derivados da expedição das mercadorias que pretendia levantar, ou seja € 45,38, como consta do documento de fls. 35 supra referido.
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A quantia que se encontrava em dívida desde 2004, de € 2.500,80, que a recorrida exigia para proceder à entrega das mercadorias expedidas em 2006, não beneficiava pois de direito de retenção, porque não tinha qualquer conexão com a expedição destas.
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Nos termos do artigo 761° do Código Civil, o direito de retenção extingue-se pela entrega da coisa.
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Como as coisas que deram origem ao crédito de € 2.500,80 já tinham sido entregues pelo menos na data constante do n° 2 supra dos factos provados, ou seja, 18 de Julho de 2004, extinguiu-se o direito de retenção, e, por consequência, não existe o direito real sobre as obrigações que caracteriza o direito de retenção sobre aquela quantia de € 2.500,80.
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Ou seja, quando deu entrada o processo de recuperação, em 14 de Julho, a recorrida não detinha mercadorias em seu poder e, como tal, não existia qualquer direito de retenção.
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Não existindo direito de retenção, não há a mínima dúvida de que o seu crédito seria comum, sendo-lhe aplicável a medida recuperatória aprovada.
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De qualquer modo, com a interpretação que foi feita no acórdão recorrido, com o transporte efectuado no início de 2006 viria a renascer um direito que, ao tempo do processo de recuperação, não existia, ou seja, o crédito que, então, indiscutivelemente era comum, passaria a privilegiado.
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Nesta medida, é ilícita a retenção das mercadorias expedidas em 2006, uma vez que sujeitava a entrega destas ao pagamento de uma quantia que não tinha nenhuma conexão com esta expedição, sendo certo que quanto a esta expedição apenas era devida a quantia de € 45,38 como consta do doc. de fls. 35, dado por reproduzido no n° 11 supra da matéria provada.
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Na verdade, o direito de retenção apenas pode ser exercido sobre mercadorias que lhe tenham sido confiadas, em consequência dos respectivos contratos e pelos créditos de cada um desses contratos resultante.
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Assim, não beneficiando o crédito de € 2.500,80 do direito de retenção, até porque este direito se extinguiu pela entrega das coisas que deram origem a este crédito, sempre seria crédito comum, sujeito à medida recuperatória aprovada por sentença transitada em julgado.
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Seja a responsabilidade civil contratual, uma vez que a recorrida não cumpriu a obrigação de entrega dos...
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