Acórdão nº 782/2001.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I- O regime jurídico dos baldios sofreu consideráveis mudanças, sendo tais terrenos considerados como bens colectivos (propriedade comunal ou comunitária) desde a Idade Média, mas variando a sua consideração como sendo do domínio público ou privado, não obstante, sempre do domínio colectivo.

II- Na vigência do Código Civil de 1867 ( Código de Seabra), os baldios eram tidos pela doutrina civilista da época, como integrando a propriedade pública das autarquias locais, podendo entrar no domínio privado por desafectação, erguendo-se, no entanto, algumas vozes contrárias a este entendimento, como a de Marcello Caetano e Rogério E. Soares.

III- Porém, o Código de Seabra havia criado, no seu artº 379º, a figura de coisas comuns (restaurando a trilogia romana de coisas comuns, coisas públicas e coisas privadas), pelo que, no seu domínio, o eminente civilista Luís da Cunha Gonçalves, acompanhado pela jurisprudência coetânea, considerava os baldios municipais ( que se contrapunham dos baldios paroquiais) alienáveis e prescritíveis acentuando que essa era a tendência da legislação da época «para se favorecer o incremento da produção agrícola».

Por isso, no domínio daquele Código, muitas vozes se inclinavam no sentido de considerar que também os baldios podiam ser adquiridos mediante a prescrição aquisitiva ou positiva que era regulada nos artºs 517º e segs. do citado compêndio legal.

IV- No domínio do actual Código Civil, foi suprimida a categoria legal de coisas comuns, pelo que se passou a entender genericamente que tais bens eram susceptíveis de apropriação e de usucapião (antiga prescrição aquisitiva), não obstante a existência de algumas vozes discordantes.

Isto até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro que, no seu artº 2º, estatuiu: «Os terrenos baldios, encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião».

V- A partir do advento deste diploma legal, aliás em consonância com o texto da Lei Fundamental na altura (artº 89º da CRP/76) e até hoje, os baldios são insusceptíveis de apropriação privada.

VI- Por isso, como resumidamente se sumariou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 20-6-2000, «o baldio é uma figura específica, em que é a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas que é titular da propriedade dos bens, e da unidade produtiva, bem como da respectiva gestão, no quadro do artº 82º, nº 4, alínea b) da CRP» acrescentando que «os actos ou negócios jurídicos de apossamento ou apropriação, tendo por objecto terrenos baldios, são nulos nos termos gerais, excepto nos casos expressamente previstos na própria lei, nas fronteiras do artigo 4º, nº 1, da Lei 68/93» ( Relator, o Exmº Conselheiro Pinto Monteiro, Pº 00A342, in www.dgsi.pt).

VII - A definição legal do contrato de locação, que se acha no artº 1022º do Código Civil, é a de que se trata de um «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição».

Como refere Pedro Romano Martinez, «proporcionar o gozo implica que seja concedido ao locatário o direito de gozo sobre a coisa».

Ora este direito de gozo da coisa, adquirido por via do contrato de locação ou, como terá acontecido no caso referido no presente acórdão, por via de arrematação ocorrida em 1956, é o denominado «direito à locação» que, incidindo sobre bem imóvel, se designa por «direito ao arrendamento».

VIII- Tal direito do arrendatário, segundo a faixa dogmática maioritária, onde se inclui o Ilustre Autor acabado de citar, e a posição amplamente dominante da nossa jurisprudência, tem a natureza de um direito pessoal de gozo, de um direito de natureza obrigacional ou de crédito e não de direito real, pelo que o locatário, tanto no arrendamento urbano, como no rural, não tem posse da coisa arrendada, antes uma detenção, também designada por posse precária.

IX- Ainda que o cultivador do terreno baldio, de que tratam os autos, não fosse arrendatário, mas simplesmente um titular de licença de cultivo a que se refere a factualidade provada, isto é, que tal licença de cultivo não fosse consequência de arrematação do direito ao arrendamento ( que também ocorreu) , nem por isso a sua posse deixaria de ser precária, pois é por demais evidente que tal licença apenas permite o cultivo da terra nos termos e no prazo de validade da mesma e das suas eventuais renovações.

X- Pela licença de cultivo, como é sabido, não é conferido um poder directo e imediato sobre a terra a cultivar, idêntico ao dos titulares de direitos reais, mas apenas a afectação das utilidades da terra a cultivar.

Já assim era no domínio do Código Civil de 1866, em que Cunha Gonçalves escreveu no seu célebre e, ainda hoje muito valioso Tratado, as seguintes palavras: «São meros detentores precários ... dum modo geral, todos os que reconheceram o direito doutrem e detêm a cousa em virtude dum título ou duma qualidade que os obriga a restituir».

Decisão Texto Integral: Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Junta de Freguesia de L....d' O... instaurou contra BB e cônjuge CC e Outros, todos com os sinais dos autos, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo:

  1. Que os Réus sejam condenados a reconhecer o direito de propriedade comunitária do prédio baldio melhor identificado nos artºs 3° e 4° da petição inicial; Reconhecerem que as parcelas de terreno identificadas nos artigos 90º, 100º e 16° al. a), b), c), d) e), f) da petição inicial, fazem parte integrante do prédio baldio identificado no artº 3º e 4º da P.I.); b) Que se declarem, consequentemente, nulas e sem efeito, com todas as consequências legais, as Escrituras de Justificação Judicial e a Escritura de partilhas constantes dos documentos nºs 9, 12 e 14 juntos à P.I. e referidas no artº 18°; 28° e 35° da P.I, cancelando-se todos os registos que tenham sido efectuados pelos Réus sobre as referidas parcelas de terreno, nomeadamente as constantes dos nºs 00383, 00120 e 00101 da Freguesia de L....d' O...; c) Que sejam condenados a restituírem aos seus legítimos donos as faixas de terreno baldio usurpadas e identificadas nos artigos 9°; 10°; 16° als. a) a f) da p.i. e absterem-se de praticar quaisquer actos lesivos do direito de propriedade comunitária no referido baldio e a indemnizar os Autores por todos os prejuízos morais e materiais no montante de 534 212 500$00.

    Alegaram, para tanto, que: Os compartes da Freguesia de L....d' O..., são donos e legítimos possuidores desde tempos imemoriais de um prédio rústico inscrito sob o artº. matricial n° 991; Em meados de Novembro de 2001 os Réus apoderaram-se de uma faixa de terreno desse prédio sito na Queimada com aproximadamente 45 000 m2, abrindo umas valas e fazendo com que o terreno possa secar e fazer perecer espécies protegidas, uma vez que o mesmo se integra no parque Natural do Alvão; Os Réus procederam ao registo dessa propriedade mas nunca exerceram qualquer acto de posse ou fruição desse prédio.

    Contestaram os réus e deduziram pedido reconvencional, alegando, em síntese que: O prédio em causa pertenceu aos seus avós e pais, bem como uma casa construída no mesmo pelos seus pais há mais de 70 anos onde chegaram a pernoitar; sendo as obras de drenagem mais antigas.

    Pelo que por si e pelos seus antepossuidores vêm exercendo actos de posse, pública, pacífica, contínua e de boa-fé.

    Concluindo pela aquisição do prédio por usucapião e pedindo assim o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição do prédio, e, bem assim, a pagar os prejuízos (danos patrimoniais e não patrimoniais) inerentes.

    Prosseguiu o processo os seus legais termos tendo, a final, sido proferida sentença que, tendo em conta as disposições conjugadas dos artigos 1251º, 1258º,1259º, 1260º, 1261º, 1262º,1263º, 1296º, todos do Código Civil, 82º, nº 4 b) da Constituição da República Portuguesa e art. 1º, nº 1, art.ºs 3º e 4º, do Dec.-Lei nº 68/93 de 4/9, julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:

  2. Condenou os réus a reconhecerem que as parcelas de terreno identificadas sob os artigos matriciais números 651º, 652º, 653º, 654º, 655º, 656º da freguesia de L....d' O... fazem parte integrante do prédio baldio composto de cultura, mato e pastagem, a confrontar de norte com rio de nascente com Cardadora, do sul com E...... e de poente com E......, e inscrito na matriz predial sob o art. 991º.

  3. Declarou nulas e sem efeito as Escrituras de Justificação notarial, constantes de fls. 20 e ss., 36 e ss. e realizadas respectivamente nos dias 11/1/2001 e 24/1/1989, no Cartório Notarial, sendo na primeira outorgantes DD e mulher EE e FF, GG e HH e na segunda outorgantes BB e mulher CC, II, JJ e KK.

  4. Decidiu anular a escritura de partilhas realizada no dia 23/9/1999 por morte de MM de Vila Real, constante a fls. 45 dos autos no que respeita à adjudicação do prédio identificado sob o artº matricial nº 654º da Freguesia de L....d' O... ou outros pertencentes à autora como fazendo parte do Baldio reivindicado nesta acção aos herdeiros e réus na acção, NN e esposa OO.

  5. Ordenou cancelamento de todos os registos efectuados pelos réus sobre as referidas parcelas em cima identificadas.

  6. Condenou os réus a restitui-las à autora, e a não mais praticarem quaisquer actos lesivos do seu direito de propriedade comunitária do baldio.

  7. Condenou os réus a pagar à autora da quantia de 34.212$00 por danos de natureza patrimonial.

    g)Absolveu os réus do pagamento de quaisquer outros danos de natureza patrimonial e não patrimonial.

    h)Absolveu a Autora de todos os pedidos formulados contra ela em sede de Reconvenção.

    Inconformados, interpuseram os Réus recurso de Apelação da referida decisão para o Tribunal da Relação do Porto, que, todavia, julgou improcedente tal recurso e, embora por razões parcialmente diferentes, confirmou a...

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