Acórdão nº 155/04.5TBFAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Fevereiro de 2010

Data04 Fevereiro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - As decisões da 1.ª instância sobre a matéria de facto são passíveis de reclamação perante o próprio tribunal, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade; porém, a decisão respectiva não pode ser objecto de recurso autónomo (art. 511.º, n.ºs 2 e 3, do CPC).

II - Quando tenha existido audiência preliminar, a reclamação deve fazer-se imediatamente à prolação da decisão (art. 508.º-A, n.º 1, al. e) do CPC) e, na situação oposta, a reclamação deve ser apresentada no início da audiência de discussão e julgamento (art. 508.º-B, n.º 2, do CPC).

III - No entanto, se vier a ser interposto recurso da decisão final, o seu objecto poderá ser alargado à reapreciação da matéria de facto no que concerne à parte dessa matéria concretamente questionada.

IV - O réu tem, portanto, toda a legitimidade para, no recurso da decisão final, fazer notar ao tribunal as omissões da especificação e do questionário, mesmo que não tenha apresentado qualquer reclamação contra as referidas peças processuais.

V - Os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos, constituindo, portanto, prática incorrecta, na decisão sobre a matéria de facto, remeter para o teor de documentos.

VI - Pode-se compreender, embora sem a aceitar, especialmente se for o caso de grande profusão de documentos, ainda que essa profusão não pressuponha, nem tenha que lhe corresponder profusão de factos, maxime, de factos relevantes para a decisão, seja esta em que sentido for.

VII - Dar por reproduzidos documentos ou o seu conteúdo é bem diferente de dizer qual ou quais os factos que, deles constando, considera provados - provados quer por força do próprio documento em si, quer por outra causa (v.g.

acordo sobre um facto nele indicado, embora o documento não gozasse de força suficiente para o dar como provado).

VIII - Pode, portanto, ao longo do acórdão tornar-se necessário “abrir” algum desses documentos; mas, se for esse o caso, ter-se-á de o fazer com respeito pela competência do tribunal a quo e apenas aí considerar o que deva ser tido como plenamente provado (art. 722.º, n.º 2 in fine, do CPC).

IX - Não se reveste de ilicitude, para efeitos do disposto no art. 483.º do CC, a informação prestada por um munícipe de que um caminho existente no seu prédio não era público e que foi insuficiente para desfazer a dúvida que o próprio Município tinha a respeito de tal caminho, levando a que o mesmo tivesse imposto ao autor - que pretendia a concessão de licença para construção de duas moradias unifamiliares, sendo que o respectivo acesso se faria unicamente pelo troço em causa - a necessidade de obtenção prévia de uma decisão judicial que atestasse a natureza pública do caminho, atrasando, deste modo, a conclusão e fruição dos imóveis projectados.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA e mulher BB instauraram acção declarativa, com processo ordinário, contra CC e mulher DD, pedindo a condenação destes a pagar-lhes, a título de indemnização por perdas e danos, a quantia de € 110.484,83, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Alegam que adquiriram dois lotes de terreno, destacados do Campo da Veiga de Baixo, Castilhão, Fafe. No adquirido inicialmente, construíram uma casa de habitação e, no lote comprado em segundo lugar, o autor requereu licença para construção de uma outra casa, em 22-3-1994, apresentando o respectivo projecto de arquitectura.

Porém, em 18-7-94, o vereador competente da Câmara Municipal de Fafe, uma vez que se haviam colocado dúvidas acerca do terreno onde se pretendia construir, mandou que o réu se pronunciasse sobre o caminho que constituía o único acesso à construção pretendida, sendo que a licença para a construção foi recusada com base na oposição que o réu fez junto da Câmara Municipal à passagem por tal caminho.

Em 31-1-96, os autores e outros utilizadores do referido caminho intentaram uma acção judicial contra os réus, na qual foi decidido declarar constituída servidão de passagem a pé e com quaisquer veículos a favor dos prédios ali identificados, que os réus são proprietários da parte subsistente do Campo da Veiga de Baixo, na qual se integra o referido arruamento e que os primitivos donos do Campo da Veiga de Baixo destinaram uma faixa de terreno, com a largura de seis metros, para um arruamento iniciado no caminho, que, pelo seu lado norte, margina tal prédio.

Os réus tinham conhecimento que esse arruamento tinha sido propositadamente aberto pelos anteriores donos do Campo da Veiga de Baixo, para caminho dos lotes, designadamente daquele dos autores, que, assim, sofreram prejuízos, uma vez que, desde a data em que pretenderam construir e até ser proferida sentença definitiva, decorreram mais de nove anos, tempo suficiente para provocar um considerável aumento do custo da construção. Por outro lado, sofreram desgosto e sofrimento com a referida situação.

Os réus contestaram, impugnando os factos alegados pelos autores e pedindo a improcedência da acção.

Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida sentença, que, julgando a acção procedente, condenou os réus a pagarem aos autores, a título de danos patrimoniais, a quantia que se vier a apurar em execução de sentença e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00, quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Inconformados, os réus recorreram, ainda que sem êxito, para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Ainda irresignados, pedem revista.

Concluíram a alegação do recurso pela seguinte forma: O acórdão recorrido confirmou uma sentença da primeira instância, que condenou os ora recorrentes a pagar aos autores uma indemnização, a liquidar em execução de sentença quanto a danos patrimoniais, e já liquidada, em € 5.000, quanto a danos não patrimoniais, pois se entendeu que os réus devem ser responsabilizados pelo facto de a Câmara Municipal de Fafe não ter concedido aos autores licença de construção de um prédio urbano, face à informação do réu de que o lote de terreno dos autores onde a construção seria levada a efeito não era servido de qualquer "caminho, muito menos de natureza pública"(sic); Da sentença fora interposto recurso, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito; quanto à matéria de facto, porque o tribunal não analisou nem considerou provada a matéria de facto transcrita por remissão, mas sem análise das respectivas incidências e consequências (cfr. os factos 6, 8, 9 atrás transcritos constantes de documentos juntos aos autos, pelos autores, que os réus expressamente aceitaram, e que a sentença alude como "cujo teor aqui se dá por reproduzido", o que constitui "prática incorrecta", como sustentam os Acs. Rel. de Lisboa, de 17/1/91, in Col. Jur. 1991, 1, 133 e de 24/6/93, in Col. Jur. 1993, 3, 139, de 28/10/1993, in Col. Jur. 1993, 4, 159 e de 15/12/93, in BMJ 432, 419, porquanto deve "transcrever-se o que relevar desse documento", violando, assim, a sentença o nº1 do artigo 511° do Código de Processo Civil; e, quanto à matéria de direito, por se entender que a informação do réu foi verdadeira e em nada podia prejudicar os autores, acabando por ser confirmada por acórdão deste STJ; Por tais motivos, pedia-se ao Tribunal de apelação, nos termos do art. 712°, nº1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, que corrigisse a matéria de facto fixada, por forma a aditar-lhe expressamente o teor dos documentos juntos aos autos, na parte relevante e com interesse para a decisão, nos lugares onde a sentença se refere apenas a documentos "cujo teor aqui se dá por reproduzido", sugerindo-se também que fossem levados aos factos provados, os seguintes, que constam desses documentos e que fossem incluídos seguidamente e em desenvolvimento dos factos nºs 6, 8 e 9 (utilizando a numeração atrás referida):

  1. Facto 6 A Da informação datada de 16/7/1994, que foi comunicada aos autores pela Câmara Municipal de Fafe, consta que "o Sr. Presidente não considera aquele caminho público", que "o licenciamento implicava o reconhecimento daquele caminho como público", que "só podia ser autorizada a construção (...) desde que: a) os interessados provassem judicialmente a natureza pública do caminho", caso em que "b) (...) "deveriam previamente proceder à sua pavimentação em cubos", que se propõe "a emissão de parecer favorável ao projecto de arquitectura condicionado à prévia decisão judicial de natureza pública do caminho" ou, "caso esta hipótese se não verifique, poderá, neste caso, resolver-se a situação, se o requerente, ao definir os limites da área a destacar, deixar uma passagem para a construção existente, com pelo menos 3 metros".

  2. Do Facto 8 deve ser eliminada a expressão "cujo teor se dá aqui por reproduzido", porque a carta aí referida está efectivamente transcrita nesse mesmo facto n° 8; c) Do Facto 9 deve eliminar-se a expressão "cujo teor se dá aqui por reproduzido" e ser acrescentado um Facto 9 A, de onde conste o teor da "informação de fls. 43", a saber: que "o Sr. CC, na petição apresentada, refere (que) “em seu entendimento, o terreno do caminho é sua propriedade", enquanto "o Sr. AA (...) apresentou uma declaração do antigo proprietário daqueles terrenos (...)" onde "é referido que (...) a abertura deste caminho se destinava unicamente a dar acesso aos lotes de terreno criados"; E ao mesmo tribunal de apelação, em termos de direito, pediu-se a revogação da decisão, porque a procedência do pedido sempre dependeria de verificação das circunstâncias aludidas nos arts. 483º e 563º do Código Civil, ou seja, de ter ocorrido um acto voluntário dos réus, que, com dolo ou mera culpa, viole direitos de outrem, de modo ilícito, e se verificasse nexo de causalidade adequada entre os danos sofridos pelo lesado e a acção do lesante em relação aos danos que este provavelmente não teria sofrido se não fosse...

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