Acórdão nº 1551/03.0TBLLE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução27 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I- É sabido que, quanto aos factos instrumentais, não é pela simples razão de eles constarem de documentos e de se afigurar às partes que podem ser dados como provados, que eles devem ser atendidos pelo julgador, mas apenas aqueles que resultarem da instrução e discussão da causa como reza o preceito legal ( artº 264º, nº 2 do CPC) e quanto aos factos referidos no nº 3 do mesmo preceito, desde que obedeçam aos requisitos nele insertos.

Em suma, só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa.

É esse o sentido do temo resultar que não é sinónimo de constar de documentos ou de outros meios de prova.

É esse o alcance da expressão legal «... dos factos que resultem da instrução e discussão da causa» constante do nº 2 do artº 264º do CPC.

II- Instrução é termo que decorre da aglutinação dos termos latinos « in+ struere» que tem o sentido de acumular em certo lugar e que consiste na «actividade processual tendente a coligir no processo os meios de prova a utilizar e preparar a sua discussão».

Estes factos serão tidos em conta na sentença, inseridos no acervo factual que suportará a decisão de direito, pelo que constituem sempre matéria de facto.

III- Discussão é termo que se refere ao debate ocorrido na audiência de julgamento ou equivalente, onde tais factos serão filtrados pelo crivo do contraditório, nas alegações e, sobretudo, pela convicção fundamentada do julgador em caso de prova não tarifada.

Desta forma, para que se dê cumprimento ao aludido preceito legal não basta que os factos constem de documentos inseridos nos autos, como refere o Recorrente ao afirmar que «... há ainda no processo inúmeros factos instrumentais, provados por documentos, que reforçam e confirmam esta convicção».

IV- Uma vez que a 1ª Instância não se serviu de qualquer facto nessas condições, antes se apoiando apenas nos alegados pelas partes e que foram provados (factos esses que, como se colhe da acta respectiva, não mereceram oportunamente qualquer reclamação do Autor, ora Recorrente), só mediante a alteração da matéria de facto fixada por aquela Instância seria possível à Relação a sua inclusão na decisão.

Desta sorte, sempre teria a Relação de se pronunciar sobre a alteração ou modificação da matéria de facto (para apreciar a pretensão do recorrente de ver atendidos os factos que alegou no dito § 15º das suas alegações de Apelação).

Não se trata apenas da valoração de tais factos, como defende o Recorrente, pois para valorar é necessário, antes do mais, que os mesmos constem da decisão! V- Na acção pauliana «o bem não regressa ao património do devedor sendo executado no património do obrigado à restituição, limitando-se os seus efeitos ao credor-autor», sendo que o adquirente «é demandado na lide cautelar para que conserve intacto o bem adquirido e o entregue quando lhe for pedido, para eventual execução», como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 29-05-2007 ( Relator, o Exmº Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, Pº 07A1674 in www.dgsi.pt).

VI- A «consciência do prejuízo que o acto causa ao credor» em que se consubstancia a má fé do terceiro adquirente e a que se refere o nº 2 do artº 612º do C.Civil, é conceito normativo cuja verificação no plano factual não se presume, antes carece de ser integrado pela factualidade atinente, podendo ver-se, neste sentido, por todos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 13-05-2004 (Relator, o Exmº Juiz Conselheiro, Ferreira de Almeida) em que se sentenciou: « A existência da «consciência do prejuízo que o acto causa ao credor» é conclusão a extrair de factos que a patenteiem, pois que atinente à descoberta da real intenção o estado de espírito das partes ao emitir a declaração negocial – o chamado « animus contrahendi».

Como tal, trata-se de pura matéria de facto cujos conhecimento e apuramento constituem prerrogativa exclusiva das Instâncias, sendo que ao Supremo é vedado extrair ilações ou conclusões dos factos provados» (disponível em www.dgsi.pt, Pº 04B1350).

Esta é posição consensual uniforme deste Supremo Tribunal, que ora se reitera por inteiramente aplicável ao caso sub judicio! Decisão Texto Integral: Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA, residente na Rua dos......., lote ......., Vila Nogueira de Azeitão, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB – Empresa de Construção, S.A. e CC Empreendimentos Urbanos, Lda., todos com os sinais dos autos, na qual: – Pediu que se declarasse procedente a impugnação, julgando ineficaz em relação ao Autor a compra e venda celebrada em 9/04/2003 no Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, entre as Rés e, consequentemente, se ordene a restituição do prédio urbano, constituído por lote de terreno para construção urbana, com a área de 1.664 m2, sito na Rua .....................(Prolongamento), freguesia de Almancil e concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo 10.092, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o n.º000000 ao património da Ré BB, na medida do interesse do Autor.

– Pediu também que se ordenasse o cancelamento da inscrição de propriedade do prédio a favor da Ré CC, na Conservatória do Registo Predial de Loulé.

– Pediu ainda, em alternativa, o direito do Autor de executar o prédio directamente no património da Ré CC, condenando-a a reconhecer esse direito e a aceitar a execução respectiva.

Alegou, para tanto e em síntese, que: O Autor celebrou com a 1ª Ré três contratos promessa de compra e venda, tendo por objecto 3 apartamentos tipo T2, com estacionamento na cave, do prédio que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 0000000000 da freguesia de Almancil, tendo o Autor, enquanto promitente comprador, pago a totalidade dos respectivos preços.

Sucede que foi inscrita no registo predial a aquisição desses apartamentos a favor de terceiras pessoas, razão pela qual o Autor instaurou uma acção ordinária, onde peticiona que se declare definitivamente incumpridos os contratos pela Ré BB, sendo esta condenada a pagar ao Autor a quantia de 319.230,65 euros.

Por outro lado, a Ré BB já não tem qualquer bem imóvel em seu nome, tendo feito venda de apartamentos e lojas nos últimos meses, tem dividas de muitos milhares de euros, que deram origem a hipotecas bancárias, tendo sido ainda decretado o arresto em bens dessa Ré, para além do que, a mesma tem requerido apoio judiciário em acções judiciais alegando dificuldades económicas.

Um dos prédios arrestados à Ré BB, no âmbito da acção judicial acima referida, é o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 0000000, o qual foi vendido pela Ré BB à Ré CC, por escritura pública celebrada em 29/04/2003, pelo preço de 115.000 euros. Nessa escritura ficou a constar a advertência de que se encontrava registado o arresto atrás mencionado.

Por força da referida venda, o Autor ficou impossibilitado de obter a satisfação integral do seu crédito sobre a Ré, dado que esta não tem mais património, o que era conhecido pela Ré CC, que assim agiu de má-fé.

Deste modo, e nos termos do disposto no art.º 610º e 612º do Código Civil, concluiu pela procedência da impugnação pauliana.

A Ré CC contestou alegando, em resumo, que por contrato celebrado em 7/03/2002 a Ré BB prometeu vender o prédio objecto da impugnação a DD, EE e FF, que prometeram comprar, pelo preço de 199.519,16 euros., de que foi entregue a quantia de 29.927,87 a título de sinal e principio de pagamento, posteriormente reforçado (em 10/05/2002) com a quantia total de 74.879,79 euros.

Os referidos promitentes-compradores são sócios da 2ª Ré, a qual foi constituída tendo em vista apenas a construção de um edifício no dito prédio.

No dia anterior ao da realização da escritura a Ré BB notificou a Ré CC para outorgar essa escritura e pagar o remanescente do preço, no valor de 94.771,60 euros. No entanto a Ré CC só aceitou celebrar a escritura pelo preço já pago de 115.000 euros, obrigando-se a pagar o restante no prazo de 30 dias contado do levantamento do arresto que fora inscrito no registo. Foi nesses termos que se efectuou a venda.

Assim, sustenta que não agiu de má-fé.

Por outro lado, alegou que o invocado crédito do Autor não está demonstrado, não tendo ainda sido proferida decisão judicial, pelo que apenas goza de uma expectativa.

Concluiu, pedindo a improcedência da acção.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que considerando, além do mais, que «a aquisição de um prédio onerado com um arresto, que foi levado ao registo, não corresponderá a um prejuízo para o credor garantido por esse arresto e, nessa medida, só por esse facto, nunca se poderá afirmar que o adquirente do prédio onerado tem consciência do prejuízo causado ao credor (prejuízo que não se verifica).

Perante a antecedente conclusão, então, entender-se-á que não foi demonstrada a má-fé da segunda Ré.

É que, o Autor não logrou provar todas as outras alegações de facto e que se destinavam exactamente a demonstrar a invocada má-fé também da segunda Ré.

Não se deixará de referir que a aquisição feita pela segunda Ré mostrando-se justificada em face do negócio anteriormente celebrado pelos seus sócios, nem evidencia que ao agir como consta nos autos, a Ré o fizesse sabendo que daí derivaria qualquer prejuízo para o Autor.

A lei exige que a má-fé se verifique, quer relativamente ao alienante (devedor) quer relativamente ao adquirente. Não se concluindo pela má-fé do adquirente, então, mostra-se prejudicada a necessidade de apreciar a má-fé do alienante», julgou a acção improcedente, absolvendo as Rés de todo o peticionado.

Inconformado, interpôs o Autor recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação de Évora, que, por sua vez, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Novamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT