Acórdão nº 60/2002.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO CRUZ
Data da Resolução20 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA DO A. E CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DO R.

Sumário : Quando os danos físicos e psíquicos decorrentes de um acidente atinjam pessoas cuja esperança de vida seja ainda muito elevada, sejam fortemente incapacitantes e dolorosos e perdurem ao longo da vida, justifica-se que o montante compensatório a atribuir possa superar o que é vulgarmente atribuído pela própria perda do direito á vida.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, intentou acção declarativa com processo ordinário contra 1) BB e 2) CC, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe: - a quantia de € 409.538,02 (quatrocentos e nove mil, quinhentos e trinta e oito euros e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora, à taxa de juro legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; - os tratamentos médicos, operações, tratamentos de fisioterapia, acompanhamento psicológico, despesas médicas e de medicamentos, despesas de deslocação necessárias aos tratamentos e consultas, despesas na assistência ao autor no que se vier a apurar e liquidar em execução de sentença, acrescida essa quantia de juros de mora, à taxa de juro legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, ter sido vítima de acidente de viação, cuja responsabilidade imputa ao segundo R., que conduzia um motociclo, sem carta e sem seguro válido Em consequência do mesmo sofreu o autor várias lesões que lhe provocaram enorme sofrimento e uma incapacidade genérica parcial permanente, não conseguindo o autor efectuar tarefas diárias como apertar os sapatos.

O 1.º R.( BB ) veio contestar, impugnando factos e danos alegados pelo autor por não serem factos pessoais ou que deles deva ter conhecimento, dizendo também serem exagerados os montantes peticionados a título de danos não patrimoniais como os pedidos a título de lucros cessantes.

O 2.º R. (CC) contestou por excepção alegando ter dezasseis anos à data do acidente e por isso ser incapaz, e por impugnação a versão do acidente alegada pelo A., bem como os danos.

O A. veio entretanto a requerer a intervenção principal provocada de DD, alegando ser o mesmo o proprietário do veículo e por isso responsável nos termos do artigo 503° n.o 1 do Código Civil.

O R. CC pronunciou-se pelo indeferimento desse incidente.

A intervenção principal provocada de DD foi admitida.

Citado o chamado DD, não veio este, no entanto, apresentar contestação.

Em sede de réplica, o A. ampliou o pedido pedindo a condenação do chamado DD nos mesmos termos.

Saneado, condensado e instruído o processo seguiu ele para julgamento, em cuja audiência foram dadas as respostas aos quesitos da base instrutória, culminando com Sentença.

Esta julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência, decidiu: 1. Condenar solidariamente os réus BB e CC a pagar ao autor AA a quantia global de € 118.266,03 (cento e dezoito mil, duzentos e sessenta e seis euros e três cêntimos) (€ 93.266,03 a título de danos patrimoniais e € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, deduzida no caso do réu BB a franquia de € 299,27 (duzentos e noventa e nove euros e vinte e sete cêntimos).

  1. Condenar solidariamente os réus BB e CC a pagar ao autor AA a quantia a liquidar em execução de sentença que o autor venha a despender com tratamentos médicos, fisioterapia, consultas, tratamentos de auxílio psicológico, medicamentos para as lesões sofridas em consequência do acidente.

  2. Absolver os réus BB e CC, do mais peticionado.

  3. Absolver o chamado DD do pedido.

    Interpuseram recurso da Sentença o A AA e o R. CC.

    A Relação veio a julgar improcedente o recurso de apelação interposto por CC . e julgou o recurso de apelação interposto pelo A. parcialmente procedente, alterando o montante indemnizatório por danos não patrimoniais atribuídos na Sentença, fixando estes em € 100.000,00 (cem mil euros).

    Os RR. BB e CC não se conformaram com o decidido, tendo interposto recurso.

    ……………..

    1. Âmbito dos recursos Nas alegações de recurso que apresentaram, foram indicadas pelos Recorrentes as seguintes “conclusões”: II-A) Na revista do R. CC: “ I. Ao recusar a apreciação da impugnação da matéria de facto deduzida pelo R., ora Recorrente, o Tribunal a quo, ofendeu o disposto no art.º 690°-A, 1, al. a) e b), 2 e 5° do CPC.

      2) Quando impugna a matéria de facto, o recorrente deve indicar os depoimentos em que se funda, não estando, porém, obrigado a indicar a posição do depoimento que quer que seja ouvida.

      3) O art.º 690°-A, 5 do CPC não prevê a audição parcial dos depoimentos indicados pelas partes.

      4) A douta decisão recorrida deve ser revogada, determinando-se que, porque estão preenchidos os pressupostos legais de impugnação da matéria de facto, deve o Tribunal a quo proceder ao julgamento das questões suscitadas no recurso.” II-B) - Na revista do BB: “a) O Tribunal a quo fixou nos presentes autos, a título de dano moral pelas ofensas corporais sofridas pelo A. AA, o valor de € 100.000,00; b) A fixação em tal ordem de valores, para além da convicção e consciência pessoal do M.º Juiz “a quo”, baseou-se num quadro traçado na fundamentação da douta Sentença cujos componentes são de elevada gravidade (no domínio de ofensas corporais) pelo que desenquadrado do contexto jurisprudencial, ainda que o mais recente considerado, para aquele tipo de danos, e que deveria apontar para um valor conforme, em montante não superior a € 25.000,00, e não € 100.000,00; c) O douto Acórdão recorrido violou, assim, o disposto no art. 496.º do CC.” …………………….

      Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC podemos constatar através das “conclusões” acima transcritas que as questões sobre as quais os Recorrentes pretendem que nos pronunciemos são as seguintes: a) no recurso do CC, determinar se podia a Relação recusar-se a sindicar a matéria de facto por ele impugnada; b) no recurso do BB, determinar qual o montante a fixar a título de danos não patrimoniais.

      …………………………..

    2. – Fundamentação III.-A) Os factos A Relação considerou assentes ou provados os factos seguintes: “ No dia 18 de Abril de 1999, em Lisboa, na Av. António Augusto de Aguiar, pelas 19h15m, ocorreu um acidente de viação entre o ciclomotor de marca Aprilia, com a matrícula … e o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula … - (A).

      O ciclomotor … era conduzido pelo réu CC - (B).

      O veículo automóvel era conduzido por EE - (C).

      O autor era transportado no ciclomotor à pendura - (D).

      O veículo automóvel … circulava pela fila da esquerda na Av. António Augusto de Aguiar, no sentido Av. Fontes Pereira de Melo/Av. Calouste Gulbenkian, e um pouco antes de chegar ao entroncamento formado por esta e a Rua Ramalho Ortigão, por onde pretendia passar a circular, foi embatido sobre o lado esquerdo, pelo ciclomotor conduzido pelo réu CC que vinha da Rua Ramalho Ortigão - (E).

      No local do acidente existe um separador central com 30 cm de largura e 15 cm de altura - (F).

      O ciclomotor …, conduzido pelo réu CC, seguia na Rua Ramalho Ortigão, no sentido José Malhoa/Av. António Augusto de Aguiar, a mais de 80 Km por hora - (G).

      O réu CC, à data do acidente, não tinha carta de condução ou licença para conduzir o referido ciclomotor e tinha pouca experiência de condução - (H).

      O réu CC não conseguiu virar o ciclomotor à direita porque seguia a mais de 80Km/hora - (I).

      (...) Devido à sua falta de experiência de condução - (J).

      (...) Porque não accionou os mecanismos de travagem - (K).

      (...) Porque não reduziu a velocidade através da caixa de velocidades - (L).

      (…) Não imobilizou o veículo no espaço livre e visível à sua frente ¬(M).

      Seguiu em frente passando por cima do separador da Av. António Augusto de Aguiar - (N).

      Invadiu a hemifaixa contrária ao seu sentido de marcha, onde circulava o veículo … no sentido da Av. Fontes Pereira de Melo/ Av. Calouste Gulbenkian - (O) (...) Embatendo de seguida, com a sua frente, na frente sobre o lado esquerdo do veículo …, que se encontrava a cerca de 1 metro e 30 centímetros do separador central - (P).

      O veículo … ao aperceber-se da trajectória do ciclomotor ainda travou e afastou ligeiramente a sua trajectória para a direita, deixando um rasto de travagem de 5,30m, não logrando evitar o embate, imobilizando-se com a sua parte dianteira esquerda a 1,30m do separador central, e com a traseira esquerda a 1,20m - (Q) O estado do tempo e do pavimento muito bom no local - (R).

      A Rua Ramalho Ortigão é uma rua extensa, com mais de cento e oitenta metros, com dois sentidos e com duas filas de trânsito na hemifaixa no sentido José Malhoa/Av. António Augusto de Aguiar, tendo cada hemifaixa uma largura aproximada de sete metros e cinquenta centímetros - (S).

      O entroncamento com a Av. António Augusto de Aguiar é bastante largo, com mais de nove metros até ao separador central, e existe óptima visibilidade das viaturas que entram na referida Avenida - (T).

      Existe sinalização luminosa vertical a regular o trânsito no entroncamento, que estava em funcionamento no momento do acidente - (U) A hemifaixa da Av. António Augusto de Aguiar, no sentido Av. Calouste Gulbenkian /Av. Fontes Pereira de Meio, é também formada por duas filas de trânsito-(V) Em consequência do acidente o autor foi projectado do ciclomotor, que ficou imobilizado a 6,70m do veículo automóvel, à sua frente, na mesma hemifaixa de rodagem, e perpendicularmente ao separador central de cuja traseira distou 80cm, e caiu no chão da Av. António Augusto de Aguiar, a mais de cinco metros do veículo automóvel, paralelamente a este, na hemifaixa contrária ao...

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