Acórdão nº 18/06.GAVCT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução20 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, previsto no art. 21.º do diploma citado.

II - Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou quantidade das plantas substâncias ou preparações. É, pois, a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade. Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado.

III - Assim e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do citado art. 25.º, como vem defendendo o STJ, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades e contemplados no crime tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para a integração da norma que prevê e pune o crime tipo.

IV - Estando provado que: - desde o ano de 2006 o arguido juntamente com outro, se dedicava à venda de doses de heroína e cocaína a terceiros, no acampamento em que viviam, destinando-se o numerário obtido ao sustento da família; - pelo menos, até ao dia 3 de Agosto de 2007, o arguido preparava doses individuais de heroína e de cocaína, que acondicionou em saquetas de plástico, as quais foi vendendo aos vários clientes que para o efeito convergiam para o acampamento, pelo valor de € 10 por unidade; - durante esse período, o arguido e outro venderam tais doses a vários clientes habituais, bem como a clientes ocasionais, ou a indivíduos por eles transportados nas respectiva viaturas; - no dia 3 de Agosto de 2007, pelas 18.05h, achavam-se na barraca do arguido setenta e nove embalagens de plástico, que se encontravam acondicionadas num saco de plástico, no interior de uma bolsa de cor preta, colocada sobre uma mesa, contendo um produto em pó, de cor castanha, com o peso líquido de 6,736 g, composto por heroína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-A, anexa ao DL 15/93, de 22-01, bem como três sacos de plástico, no interior de um faqueiro, contendo trinta e seis recortes de plástico, de cor transparente, a fim de serem utilizados no acondicionamento de doses individuais de estupefacientes, tal quadro factual, aponta claramente no sentido de que a sua actividade de tráfico não pode ser subsumida à norma do art. 25.º, do DL 15/93, de 22-01, mas à norma do art. 21.º do diploma legal.

V - O DL 15/93 dispõe de regulamentação própria no que concerne à perda dos instrumenta e producta sceleris, bem como às vantagens e direitos retirados do facto, estabelecendo que as vantagens e os direitos dele decorrentes, bem como os eventuais juros, lucros e outros benefícios obtidos através daqueles, são declarados perdidos a favor do Estado – arts. 35.º a 38.º.

VI - O art. 7.º, da Lei 5/02, de 11-01 (alterada pela Lei 19/08, de 21-04) estabelece uma presunção, aplicável, entre outros, aos crimes de tráfico de estupefacientes, segundo a qual se presume constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 18/06.0GAVCT, do 1º Juízo Criminal da comarca de Viana do Castelo, foram condenados os arguidos AA e BB, com os sinais dos autos, nas penas de 6 anos e 6 meses de prisão e 6 anos e 6 meses de prisão e 80 dias de multa à taxa diária de € 10, respectivamente, o primeiro pela co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, o segundo pela co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes e pela autoria de um crime de condução sem habilitação legal (1).

Os arguidos AA e BB interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

São do seguinte teor as conclusões extraídas das motivações de recurso (2): AA 1 - A existência do critério de determinação da medida da pena exprime pois, que a fixação do quantum da pena concreto se deve fazer na base da culpa e prevenção, afastando-se assim definitivamente, quer a ideia de que o juiz deve partir do meio da moldura penal do crime para encontrar a pena concreta, quer a dualidade de procedimento, fazendo funcionar as circunstâncias atenuantes e agravantes gerais.

2 - No caso concreto, atento ao circunstancialismo pessoa apurado quanto ao recorrente e descrito nos pontos 5 a 8 do item medida da pena, designadamente, o seu comportamento processual após a detenção, não cometendo qualquer acto ilícito, associado ao apoio familiar de que dispõe, ao facto de desempenhar no mesmo um papel preponderante, sendo o chefe da família. Família numerosa e ainda constituída por três filhos menores com quem matem laços de afectividade muito fortes, pese embora integrado num agregado que vive em condições humildes, a sua conduta tem-se pautado pela adequação às regras sociais não manifestando a comunidade qualquer sentimento de rejeição à sua pessoa.

A segurança social tem acompanhado o percurso do agregado familiar, sendo mesmo apoiado pelos mecanismos sociais que o Estado disponibiliza às pessoas mais carenciadas, beneficiando do R.I.S.

Tal prestação associada ao espírito de inter-ajuda dos restantes elementos que compõem o agregado e que desenvolvem actividade ainda que não com carácter regular de venda ambulante, permitem ao arguido e respectivo agregado viver sem estarem ligados à prática de actos ilícitos.

Na verdade, o tempo decorrido desde a data da prática do facto e o momento da condenação, 23 meses, são elucidativos, de que o arguido após a detenção e pese embora se tenham mantido dificuldades económicas do agregado, não voltou a ter comportamentos desviantes, mantendo uma conduta adequada às regras institucionais e uma dinâmica positiva com a comunidade da área da residência.

O arguido esteve preso preventivamente à ordem destes autos, teve percepção das consequências da sua conduta delituosa, tendo por isso alterado o seu comportamento em sociedade.

Reportando-nos ao momento da decisão, o tribunal teria que ter em conta, a postura que o arguido manteve em audiência de julgamento, confessando os factos com relevância para a descoberta da verdade material, a sua integração familiar e social, e a dimensão da sua conduta delituosa caracterizada por um “tráfico de rua” de pequenas quantidades de droga (pacotes de 10 euros), que não era efectuado diariamente, que não era dotado de capacidade organizativa e que proporcionou ao arguido apenas o suficiente para custear as necessidades básicas do agregado, não tendo sido apurados quaisquer sinais exteriores de riqueza.

Pelo que, face ao supra aduzido, dever-se-ia ter fixado a pena de 4 anos de prisão.

5 - Violou-se o disposto nos arts. 70 e 71 do C.P.

6 - Tudo isto, faz ponderar para que ao arguido seja dada a possibilidade de provar, que a simples ameaça da pena serão suficientes para o afastar da criminalidade, pautando o arguido a sua conduta como adequada às regras institucionais.

As condições familiares e pessoais de que dispõe, aliadas ao seu comportamento posterior à detenção são indicadores, de que não estando isenta de riscos a decisão de suspender a pena anteriormente sugerida na sua execução, assegurará de forma segura, as necessidades de prevenção especial e geral, porque, condicionadas à imposição de regras de conduta (manutenção da actividade laboral e afastamento de pessoas e locais conotados com o tráfico de droga) e sujeição ao regime de prova, nos termos dos arts. 50, 52 e 53 do C.P.

7 - Pelo que, face às razões aduzidas, a pena de 4 anos de prisão, deveria ser suspensa na sua execução por igual período, condicionada à imposição de regras de conduta supra indicadas e a regime de prova.

8 - Violou-se o disposto nos arts.50, 52 e 53 do C.P.

BB 1 - Entende o recorrente dever ser condenado não pelo crime p.p. no artigo 21 mas pelo artigo 25 do DL 15/93 de 22-01, face à factualidade provada de que o arguido detinha nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o produto estupefaciente apreendido, (6,736 gramas de heroína (79 embalagens) e 36 recortes de plásticos próprios para o acondicionamento de produtos estupefacientes), aliadas ao facto de ao longo de um ano de investigação, apenas terem sido vistos esporadicamente alguns consumidores, que não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT