Acórdão nº 4583/06.3TTL.SB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de dois requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, os quais valem também quanto aos comportamentos exemplificativamente indicados no n.º 3 do art. 396.º do CT.

II - Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

III - Na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familae”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, como estabelece o art. 396.º, n.º 2 do CT.

IV - Cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa do despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar, sendo esses os únicos que podem ser invocados na acção de impugnação do despedimento, pelo que tais factos são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento.

V - A factualidade provada de que a R ordenou ao A. (mecânico de automóveis) que procedesse à substituição das pastilhas dos travões de um autocarro, serviço que este não fez , por ter ficado a aguardar que um outro trabalhador (limpador/reparador), a quem a R. tinha ordenado que, previamente, procedesse à retirada das rodas, o que este veio a recusar fazer, não é suficiente para afirmar a existência da infracção disciplinar correspondente à violação do dever de obediência por parte do A., uma vez que não se provou que a R., posteriormente à recusa daquele trabalhador, tenha ordenado ao A. que fosse ele a efectuar, pessoalmente, também a retirada das rodas desse autocarro a fim de, em seguida, proceder à substituição das pastilhas dos travões.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I – O autor AA instaurou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a ré Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA, alegando, em síntese: Foi admitido ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho, em 4 de Setembro de 1979.

Tinha a categoria profissional de mecânico de automóveis.

Manteve-se ao serviço da ré, ininterruptamente, até 2 de Novembro de 2006, data em que, na sequência da instauração de processo disciplinar pela ré, lhe foi comunicada a aplicação de sanção de despedimento.

Todavia, não praticou qualquer infracção disciplinar, muito menos que justificasse a aplicação de tal sanção.

Concluiu pedindo: a) A declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da ré a reintegrá-lo e a colocá-lo no seu posto de trabalho, com todos os seus direitos, nomeadamente a antiguidade e a categoria; b) A condenação da ré a pagar-lhe todas as retribuições e outras prestações que deixou de receber em resultado do despedimento, desde a data deste até à sua efectiva reintegração; c) A condenação da ré a pagar-lhe os juros de mora sobre todas as importâncias em dívida, desde o seu vencimento até integral pagamento.

A R. contestou, alegando, em resumo: Em 12 de Junho de 2006, pelas 09,00 horas, quando o A. se encontrava no desempenho das suas funções de “mecânico de automóveis” na Estação da Musgueira, recebeu ordem do seu superior hierárquico para proceder à substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro n.° 94.

O A., porém, não efectuou esse serviço e, até às 12h25, hora de saída para o almoço, limitou-se a esperar que alguém fosse retirar as rodas do autocarro.

Em virtude deste comportamento do A., o seu superior hierárquico, pelas 15,00 horas, teve de destacar outro mecânico para efectuar o trabalho que havia sido distribuído ao A..

A atitude do A. traduz uma manifesta desobediência a ordens legítimas do seu superior hierárquico o que constitui conduta grave e culposa, conduta que é agravada pelo facto de ter estado, durante toda a manhã, sem realizar qualquer tarefa e ter sido necessário deslocar outro mecânico, da parte da tarde, para proceder à substituição das pastilhas de travão do referido autocarro.

Com tal conduta, o autor causou prejuízos acrescidos à ré, na medida em que o trabalho teve de ser efectuado por outro mecânico, o qual, por seu turno, teve de deixar as tarefas que desempenhava.

Ao agir desse modo, o A. manifestou total desprezo pelos interesses da ré e pela estrutura em que se insere, revelando não ter perfil para o exercício de uma função em que o sentido de respeito pelas ordens legítimas dos seus superiores hierárquicos e em que a consciência do cumprimento dos seus deveres é fundamental para a boa imagem e defesa dos interesses da ré e do serviço público que presta.

A gravidade de tal comportamento torna imediata e praticamente impossível a subsistência do contrato de trabalho.

Vem sendo prática disciplinar da ré a de aplicar a sanção de despedimento com justa causa em todas as situações da mesma natureza, não merecendo, por isso, qualquer reparo a sanção de despedimento com justa causa que aplicou ao A..

Tendo sido deferida a providência cautelar de suspensão do despedimento instaurada pelo autor, este encontra-se a receber todas as retribuições e demais prestações desde a data do despedimento.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença, cuja parte decisória foi do seguinte teor: “Por todo o exposto julga-se a presente acção procedente e, em consequência: a. declara-se ilícito o despedimento do autor; b. condena-se a ré a reintegrar o autor; c. condena-se a ré a pagar ao autor a importância das retribuições (incluindo férias, subsídios de férias e subsídios de Natal) que deixou de auferir desde o despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor e que é actualmente de 4% ao ano”.

Dela apelou a R., tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença.

* * * * II – Novamente inconformada, a R. interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões: 1ª. Pelos fundamentos constantes do douto acórdão em recurso, outra decisão deveria ter sido tomada, uma vez que o comportamento do recorrido não é merecedor de uma sanção conservatória que mantenha a relação laboral, mas sim da aplicação da sanção de despedimento com justa causa. Com efeito, 2ª. O recorrido, no âmbito das suas funções de Mecânico de Automóveis, não deu cumprimento a uma ordem legítima que lhe havia sido transmitida pelo seu superior hierárquico, Mestre H..., que às 09,00 horas, do dia 12.06.2006, lhe ordenou que procedesse à substituição das pastilhas de travão das rodas traseiras do autocarro nº. 94, o que o recorrido não fez.

  1. Para efectivar a substituição das pastilhas de travão do autocarro, era necessário tirar e recolocar as rodas do autocarro.

  2. Não obstante o recorrido haver colocado o autocarro na oficina, até às 12,25 horas desse dia 12.06.2006 não efectuou o serviço que lhe foi ordenado pelo seu superior hierárquico, Mestre H....

  3. O trabalho que o recorrido se recusou a efectuar e que lhe foi determinado pelo seu superior hierárquico, foi feito por outro trabalhador com a mesma categoria profissional do recorrido, o Mecânico de Automóveis, J...N....

  4. O recorrido ao ficar numa atitude de inércia durante cerca de três horas e meia, não deu cumprimento a uma ordem legítima que lhe havia sido transmitida pelo seu superior hierárquico, assumindo uma atitude ilegítima e culposa.

  5. Não demonstrou o recorrido que não pudesse executar o trabalho que lhe foi determinado, tanto mais que a execução dessa tarefa integrava o leque das funções integradoras da sua categoria profissional, já que a desmontagem e montagem das rodas é uma função afim e funcionalmente ligada à função de Mecânico de Automóveis, como o diz...

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