Acórdão nº 4822/06.0TVLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA QUANTO À RÉ CC E NEGADA A REVISTA QUANTO AO RÉ BB Sumário : 1. Em acção cível para ressarcimento dos danos provocados por factos cometidos através da imprensa, os responsáveis, de acordo com o nº 2 do art. 29º da Lei 2/99, e 13 de Janeiro, são, para além do autor do escrito ou imagem, a empresa jornalística e não o director do periódico ou o seu substituto legal, mesmo que se prove que tiveram conhecimento prévio da publicação do escrito ou imagem em causa.

  1. A expressão «empresas de comunicação social» utiliza-se para referir, sinteticamente, as pessoas singulares ou colectivas (qualquer que seja a sua forma ou tipo) que exercem, em nome e por conta própria e de um modo organizado, uma actividade de recolha, tratamento e divulgação de informações destinadas ao público, através da imprensa, do cinema, da televisão e de outros meios análogos.

  2. Por aplicação do disposto no citado art. 335º do C. Civil, há que entender que a liberdade de expressão não possa (e não deva) atentar contra os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à imagem, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação.

  3. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade.

  4. O dano constitui a razão de ser do instituto da responsabilidade civil, seja ela contratual, seja extracontratual.

    Ora, também se perfila como igualmente relevante o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, à imagem e reserva da vida privada e familiar - art. 26°, n°1, da mesma LF.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

    AA intentou acção, sob a forma ordinária, contra BB e CC, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia de 40.000,00 euros, a título de indemnização por danos morais.

    Alega, em síntese, que, na edição nº 1405 da «Nova Gente», foi publicada uma reportagem com manchete na capa sob o título: «DD e AA - Juntos no Algarve - O Romance surpresa deste Verão». As fotografias da autora e de DD foram tiradas a grande distância, dissimulando o autor das mesmas a sua presença, e nem a autora nem o DD deram autorização para a sua feitura e divulgação. As fotografias são acompanhadas de legendas, desenvolvendo a ideia de que a autora e DD manteriam uma relação amorosa. As fotografias e reportagem não estão assinadas. O 1º réu era, à época, proprietário da «Nova Gente» e o 2º réu é jornalista e era, também à época, o director da revista, que teve conhecimento da publicação das fotografias e da reportagem.

    Os réus contestaram, dizendo que se contiveram no direito de informar, sendo, de qualquer modo, exagerado o valor peticionado.

    Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida sentença, que condenou os réus a pagarem à autora, solidariamente, a quantia de 4.000 €.

    Inconformados, tanto a autora com os réus recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos réus e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela autora, revogando a sentença na parte em que fixou o valor da indemnização em 4.000,00 € e, em sua substituição, fixou o mesmo em 12.000,00 €, valor em cujo pagamento condenou os réus, solidariamente, pelos danos não patrimoniais causados à autora.

    Irresignados, os réus pedem revista.

    Concluíram a alegação do recurso pela seguinte forma: Não se conformam os réus com o acórdão recorrido, pois que os penalizam a triplicar, relativamente à sentença proferida em 1.a Instância, da qual recorreram; É a Impala - Serviços Editoriais, S.A., anteriormente denominada Impala - Sociedade Editorial, S.A., que se dedica à edição e comercialização de revistas, de entre as quais a "Nova Gente"; O Mº Juiz a quo fez uma errada aplicação da Lei de Imprensa, ao condenar os réus; Na Lei de Imprensa, o director não é civilmente responsável, mas sim a empresa jornalística com o autor; O réu BB não é uma empresa jornalística; O réu CC é um mero assalariado da Impala - Serviços Editoriais, S.A; Nos termos da Lei de Imprensa, a empresa jornalística é responsável pelas decisões tomadas pelo director que elegeu, havendo, assim, uma culpa in eligendo; Quem lucra com a publicação dos artigos é a empresa jornalística e não o director da revista, nem tão pouco o seu proprietário, até porque, no caso em apreço, o primeiro é assalariado, sendo que ambos recebem o mesmo montante, quer as vendas aumentem ou diminuam; Parece-nos, salvo o devido respeito, que o Mº Juiz a quo vem tentar "emendar a mão" da autora, pois que a mesma não demandou a empresa jornalística, nem o autor do texto ou imagem, mas sim o proprietário e o director; A Lei de Imprensa contém um preceito próprio que afasta a responsabilidade do director e do proprietário; Salvo melhor opinião, o Mº Juiz a quo confundiu os regimes da responsabilidade em matérias de imprensa; Ao tratar-se da liberdade de imprensa e do seu âmbito, lê-se em Liberdade de Imprensa e Vida Privada, Dr. Ricardo Leite Pinto, ROA, Ano 54, 60: «Preferimos, pois, a expressão de Enrique Ruiz Vadillo, quando este fala em "direito de todos a uma informação objectiva, não verdadeira ( ... ), mas, em todo o caso, de boa fé, para procurar sempre a verdade, e este direito compreende também o de rectificação e réplica»; «O que tanto monta dizer que não existe uma hierarquia constitucionalmente fundada entre os dois direitos. A liberdade de imprensa não é mais do que a intimidade da vida privada, nem esta tem valor superior àquela».

    Ao tratar-se dos bens jurídicos incluídos no âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, lê-se no mesmo artigo: «Com efeito o "muro da vida privada" é mais baixo, por exemplo, em relação a certas categorias de pessoas, como as apelidadas vedetas ou os titulares de cargos políticos»; Vulgares dores e incómodos, indisposições e arrelias comuns não conferem direito à indemnização por danos morais; A autora sentiu, por força dos factos dos autos, e apenas, em face da matéria provada na sentença: - incómodo e embaraço; incómodo, chatice, zanga e fúria; embaraço, incómodo e indignação; embaraço e incómodo no contacto diário; receio de se gerar um juizo de maledicência; Trata-se de juízos de valor, sentidos pela própria, os quais, em face da prova produzida, não se demonstrou que tivessem sido revelados à autora por manifestações de terceiros; As fotos foram tiradas em local público (praia) e de acesso do público; Os próprios termos usados na resposta à matéria de facto mostram que à autora foram causados meros incómodos e aborrecimentos, sem que, repete-se, tivessem sido despertados à autora por manifestações de terceiros; A imputação de um romance entre duas pessoas não materializa uma noção de desprimor ou menosprezo por essas pessoas; A autora sofreu meros incómodos pela publicação dos autos, sendo que apenas os danos merecem a tutela jurídica; O valor pedido a título de danos morais, tal como se fixou na sentença, sempre foi indevido pelos réus, mas, ainda que assim não se entendesse, seria exagerado; No entanto, no acórdão recorrido, mantém-se a fundamentação de facto da 1a Instância, tendo apenas os Venerandos Desembargadores resolvido triplicar o montante, abstendo-se de verificar os vícios de legitimidade existentes desde o inicio; Por erro de interpretação, violaram a sentença e o acórdão recorridos o disposto nos artigos 496°, nº1 e 483°, nº1, ambos do Código Civil.

    Nas contra-alegações, a autora sustenta que a invocada ilegitimidade é uma questão nova, não podendo, por isso, ser objecto do recurso.

    Em qualquer caso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT