Acórdão nº 1005/04.8TBCNT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 2009

Data19 Novembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : I.Perante cada situação que seja colocada ao Supremo na interpretação de um contrato, importará distinguir quais os casos em que a interpretação da declaração negocial resultou directamente da prova produzida nas instâncias por se haver directamente demonstrado que o declaratário conhecia a vontade real do declarante – matéria de facto – que o Supremo não pode alterar, daqueloutros casos em que a interpretação negocial decorreu com recurso à teoria da impressão do declaratário normal, ao abrigo do disposto no art. 236.º-1 ou em violação de outras normas cogentes, relativas à interpretação dos contratos, como as limitações decorrentes do art. 238.º - matéria de direito, ao qual o Supremo pode dar outra interpretação.

  1. O contrato de empreitada é um contrato de resultado, sendo o caderno de encargos o instrumento utilizado para demarcar as obras ( e não os simples trabalhos) a realizar e para se indicar os tempos e formas ou fases de pagamento de preços até à obtenção do fim visado, só devendo por isso considerar-se no conceito de “ trabalhos extra” as obras não previstas nele.

  2. Não sendo a limpeza uma construção ou obra em sentido técnico, nem se conhecendo a efectiva vontade das partes quando contrataram, qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, entenderia que a limpeza final não se poderia incluir nos “trabalhos extra”, devendo consequentemente integrar-se no âmbito do próprio contrato, ou seja, como fazendo parte da própria empreitada.

  3. Quando num contrato bilateral uma das prestações (ainda que só acessória) se torne impossível, por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação, mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação, ou seja, deverá haver lugar à redução de preço.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório “AA, Ldª”, instaurou acção declarativa contra BB e esposa CC, pedindo - a condenação dos Réus no pagamento da quantia global de € 9.898,63, acrescida de juros de mora vencidos, desde a data da tentativa de cobrança extrajudicial de tal montante, em 23 de Junho de 2003, e vincendos até efectivo e integral cumprimento, calculados à taxa legal.

    Para o efeito, alegou, em síntese, ter celebrado com o Réu um contrato de empreitada para a realização do alvoramento de uma cave e moradia unifamiliar, pelo valor de €40.901,00 a que acresceria o I.V.A., sendo o prazo de execução do contrato de 12 meses, com início em 15 de Julho de 2002.

    Os trabalhos não indicados no caderno de encargos seriam considerados como trabalhos extras, não incluídos no preço inicial.

    O valor da empreitada seria liquidado em diversas prestações, consoante o andamento dos trabalhos (tudo como definido na douta petição inicial).

    A A. executou a globalidade da obra, ascendendo o montante de todas as facturas emitidas e relativas aos trabalhos efectuados a € 48.672,90, já com IVA. Incluído.

    Os Réus, no entanto, apenas procederam ao pagamento de € 38.774,30, por conta das referidas facturas, faltando por isso o pagamento da parte restante.

    A dívida é comum, dado o proveito comum do casal .

    Os RR. contestaram, excepcionando que a A. abandonou a obra sem que a tivesse acabado, e trazendo à colação ainda que parte dos trabalhos desenvolvidos foram executados defeituosamente, não os havendo reparado.

    Deduziram ainda reconvenção contra a A., por via da qual pretendiam ver-se compensados do valor pecuniário que terão de despender para corrigir os defeitos de execução da obra, no montante de € 8.606,00 (já com IVA incluído), pois a A., instada pelos reconvintes para proceder à correcção dos defeitos em causa, nada se dignou fazer.

    A A. apresentou réplica, mantendo tudo o por si alegado, aquando da propositura da acção.

    Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida Sentença.

    Esta considerou provados os factos seguintes: “ 1 - A A. dedica-se com carácter habitual e lucrativo à actividade de construção civil.

    2 - No dia 3 de Julho de 2002, a A. celebrou com o Réu marido um contrato de empreitada para realização do alvoramento de uma cave e moradia unifamiliar pelo valor de € 40.901, a que acresceria o LV.A., à taxa legal; 3 - O preço da aludida empreitada seria liquidado em três prestações: a primeira, de 50%, a pagar no início do enchimento da placa da cave; a segunda, de 35%, a pagar ao início do enchimento da placa do telhado; a terceira, de 15%, a pagar na conclusão dos trabalhos; 4 - O prazo estipulado para a execução do contrato de empreitada aludido no ponto 2: (desta matéria factual provada) era de 12 meses, com início em 15 de Julho de 2002; 5 - Os trabalhos não indicados no caderno de encargos seriam considerados como trabalhos extras, sendo os mesmos liquidados autonomamente; 6 - Na execução do contrato supra referido no ponto 2: (dos presentes factos assentes) e à medida que a obra ia avançando, foram emitidas pela A. e entregues ao Réu marido as seguintes facturas: - factura n.o 758, emitida em 26 de Agosto de 2002, no valor de € 16.142,90; - factura n.º 760, emitida em 6 de Setembro de 2002, no valor de € 11.782,62; - factura n.º 779, emitida em 28 de Dezembro de 2002, no valor de € 9.282; - factura n.º 787, emitida em 8 de Abril de 2003, no valor de € 11.465,38; 7 - Foram realizados alguns trabalhos não considerados no contrato inicial que não foram orçamentados pela A. na sua proposta inicial e que foram facturados mediante a factura n.o 788, emitida em 8 de Abril de 2003, no valor de € 2.744,14; 8 - As facturas mencionadas no ponto º (desta factualidade provada), juntamente com a factura aludida no ponto 1 (igualmente dos presentes factos assentes), totalizam a quantia de € 48.672,90 (com LV.A. incluído); 9 - Os Réus entregaram à A. o montante de € 38.774,30 por conta das referidas facturas; 10 - No chão da cave não foi aplicada "malha sol" para compactamento, aderência e rigidez do solo; 11 - As paredes interiores da cave foram edificadas em tijolo de medida 30x20x11, em vez de tijolo de medida 30x20x15, como constava do caderno de encargos; 12 - A obra objecto do contrato de empreitada referido no ponto 2 (dos presentes factos provados) destina-se à residência comum dos Réus; 13 - A A. abandonou a obra sem proceder aos trabalhos de limpeza, como remoção de entulho e madeiras acumulados no exterior da obra e dentro desta; 14 - Os mencionados trabalhos de limpeza foram realizados pelos Réus; 15 - Tiveram os Réus de cortar a esquina do pé direito da escada da cave, para não baterem com a cabeça no acesso pretendido ao primeiro andar; 16 - No primeiro andar, a parede que dá acesso à cave assim como as paredes do hall de entrada foram edificadas com 5 a 7 centímetros de espessura, tendo as mesmas sido corrigidas pelos Réus; 17 - No telhado, a telha foi colocada de forma a possibilitar a entrada de água; 18 - As cimalhas estão negras, tortas e irregulares, notando-se as respectivas emendas; 19 - A casa encontra-se fora da esquadria; 20 - Atento o teor dos documentos de fis. 41 a 43 destes autos, o telhado era composto pelos cortes e configuração aí constantes; 21 - Foi efectuado outro telhado mais fácil e mais simples; 22 - Existem telhas soltas nos beirais correspondentes à fachada principal e posterior; 23 - - As cúpulas das chaminés estão tortas; 24 -Foi apresentado aos Réus, pela empresa "A......s, N......., J.... C.... & C.a Lda.", um orçamento para corrigir problemas na moradia, discriminados no documento de fis. 44 destes autos, no valor de € 8.606,00; 25 - A escada da cave que dá acesso ao primeiro andar foi executada de harmonia com as ordens do Réu marido; 26 - A alteração do telhado foi acordada com o Réu marido, que pediu que fosse feito beiral de capa e caleira e cimalhas emolduradas, apesar de não estarem projectadas e não constarem do caderno de encargos.

    Na sequência destes factos, a Sentença julgou a acção parcialmente provada e procedente, e, consequentemente, condenou os RR. a pagarem à A. a quantia de € 2.597,67 (dois mil, quinhentos e noventa e sete euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, no mais se absolvendo os Réus do pedido.

    A reconvenção foi, por seu lado, julgada improcedente, e os AA. reconvindos absolvidos do pedido nele apresentado.

    Inconformada, interpôs a A. recurso para o Tribunal da Relação.

    (1) A Relação de Coimbra julgou parcialmente procedente o recurso, vindo a revogar a decisão recorrida na parte...

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