Acórdão nº 1521/05.4TBCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução12 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE REVISTA Sumário : I - Não basta a simples alegação e prova de que a não restituição do andar aos proprietários está a causar-lhes prejuízos, para que daí resulte, sem mais, a conclusão da existência de dano indemnizável, designadamente sem a alegação e prova dos factos relativos aos restantes pressupostos da responsabilidade (ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre a conduta ilícita e os danos sofridos) e, além do mais, sem a concretização dos prejuízos sofridos.

II - Não tendo sido provada (nem alegada) a natureza e a espécie dos prejuízos sofridos, não dispõe o Tribunal dos elementos necessários para a condenação na sua reparação, pois só pode condenar em caso de existência de danos reparáveis que carecem de ser demonstrados, o que, desde logo, pressupõe a identificação dos mesmos, mediante a sua alegação.

III - Carece o Tribunal de conhecer se se trata de danos patrimoniais ou não patrimoniais, se de danos emergentes ou de lucros cessantes e, enfim, saber em que é que consistiram os prejuízos para aquilatar do valor dos mesmos, pois a indemnização civil tem como escopo precípuo a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento causador do prejuízo ou, pelo menos, a compensação do lesado, em termos equitativos, pelos danos sofridos.

IV - Por isso, cabe aos interessados a quem a lei reconheça o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos, a alegação e a prova de tais prejuízos, enquanto factos concretos constitutivos do alegado direito, não sendo suficiente a vaga e genérica alegação de que determinada conduta está a causar-lhes prejuízos, o que se traduz em puro e simples juízo conclusivo.

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO AA e BB intentaram contra CC, todos com os sinais dos autos, a presente acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, pedindo que se declare o seu direito de propriedade sobre o lº andar esquerdo do imóvel sito na Rua ..., nº ..., em Coimbra; que se decrete a nulidade do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Ré, na qualidade de promitente compradora e DD, à data, usufrutuário do imóvel, já falecido, na qualidade de promitente vendedor; que se declare a ilicitude da ocupação, pela Ré, do andar em causa, por falta de título que a legitime, uma vez que não é detentora do mesmo, face à nulidade do contrato-promessa, nem adquiriu por qualquer forma a sua posse; que a Ré seja condenada a entregar-lhes imediatamente o supra referido andar, livre de pessoas e bens, já que, na impossibilidade de reciprocidade de créditos, não lhe assiste qualquer direito de retenção contra os Autores, que suspenda a entrega e que se condene a Ré a pagar-lhes quantia, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos sofridos pela não entrega do andar, desde a data em que os autores a interpelaram para o efeito.

Fundamentaram tais pedidos no facto de eles e dois primos seus serem comproprietários, sem distinção de parte ou direito do prédio em que se situa o mencionado andar, que não se encontra constituído em propriedade horizontal.

Em 8/5/1975 o seu pai (dos autores) e mulher, por si e em representação dos restantes herdeiros, prometeram vender à Ré o mencionado andar, que, na altura, pagou, a título de sinal e princípio de pagamento, 350.000$00 (metade do preço convencionado), tendo ficado acordado que a Ré poderia, desde logo, ocupar o andar e realizar obras, e que a escritura definitiva seria celebrada até 31/12/1975.

Mais alegaram que, quando o pai deles prometeu vender o andar, estava convencido de que ele e o irmão dele, EE, então já falecido, haviam adquirido o prédio por sucessão ao pai de ambos, pois que o direito de propriedade sobre o prédio rústico sobre o qual o imóvel foi edificado estava registado na Conservatória do Registo Predial respectiva, em favor de ambos.

Contudo, quando quiseram registar o imóvel para instruir a escritura de compra e venda, o promitente vendedor apercebeu-se de que ele e seu irmão apenas tinham herdado o direito de usufruto do prédio, tendo sido herdado o direito de nua propriedade pelos ora Autores e seus falados primos.

Nessa altura, tentou promover o registo do imóvel, o que não conseguiu, pelo que também não foi possível constituí-lo em propriedade horizontal. Mais invocaram que, em 1997, a Ré propôs acção para execução específica do contrato promessa, que terminou por deserção da instância, no decurso da qual faleceu o promitente vendedor, sendo que não foi deduzido incidente de habilitação dos seus sucessores.

Findo tal processo, em Março de 2004, os autores informaram-na de que não dispunha de título para continuar a ocupar o imóvel, sendo que, até à data, não o devolveu, o que lhes causa prejuízo, que quantificam em € l .000,00 por mês, não pagou obras de reparação do prédio, seguros ou quaisquer impostos ou taxas.

Pugnaram pela inexistência de posse, por parte da Ré, da nulidade do contrato-promessa por impossibilidade originária da prestação relativamente ao objecto (impossibilidade de o promitente vendedor, como usufrutuário, constituir o prédio em propriedade horizontal) e pela consequente obrigação de restituição do andar pela Ré.

Citada, a Ré contestou e deduziu reconvenção aceitando a celebração do mencionado contrato promessa, com as ressalvas de que o outorgante agiu por si e «como representante responsável dos restantes herdeiros», e que, por força desse contrato, ficou com o direito de iniciar as obras necessárias para a sua habitação, sendo que seria reembolsada, se o negócio não se concretizasse.

Alegou que só não pagou a totalidade do preço, porque o pai dos autores se recusou a receber o dinheiro, com a justificação de que era ele o responsável pela não realização da escritura de venda, referindo-lhe que apenas teria que pagar o resto do preço quando o negócio de compra e venda fosse formalizado, e que, dada a impossibilidade de realizar a escritura na data convencionada, o negócio de compra e venda foi dado como assente a partir de 30/12/1975.

Vezes sem conta interpelou o representante do promitente vendedor para legalizar a sua casa, no sentido de ser feita a escritura, sendo que a suspensão da instância referida pelos autores foi feita precisamente para proporcionar a venda prometida; com o registo do prédio, os ora autores estão em condições de promover a sua constituição em propriedade horizontal e honrar o negócio prometido.

Mais alegou que, desde 1/12/1975, vem usando a fracção como coisa sua, com a firme convicção de ser sua dona e legitima possuidora, pelo que a adquiriu por usucapião.

Aí fez obras, substituiu a canalização, remodelou a casa de banho e cozinha, paga água, luz e telefone, tudo sem oposição dos Autores ou do promitente vendedor, que a reconheceu como dona e legitima possuidora da fracção prometida vender. Mais referiu que a fracção está, na prática, perfeitamente autonomizada das restantes, os Autores e seus antecessores nunca praticaram qualquer acto material relativo à mesma, por terem consciência de que ela era propriedade da Ré, pelo que a adquiriu por usucapião.

Caso assim se não entenda, por ter havido tradição da fracção, sem que os autores e seus antecessores tivessem comunicado a data para a outorga da escritura, terão que a indemnizar nos termos do art. 442° do C.C.

Pediu, em reconvenção, que se declare que adquiriu o direito de propriedade sobre a fracção em causa, por usucapião, ou, subsidiariamente, que se condenem os autores a pagar-lhe o valor actualizado da fracção que vier a ser apurado, deduzido do preço convencionado, devendo, ainda, ser restituída a quantia recebida a título de sinal.

Após a legal tramitação, foi a causa julgada, tendo a sentença declarado que os Autores são comproprietários do 1° andar esquerdo do imóvel sito na Rua ..., n° ..., em Coimbra, declarado nulo o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o pai dos Autores e a Ré, identificado na matéria de facto provada; condenado a Ré a entregar imediatamente o andar aos Autores, livre de pessoas e bens e a pagar-lhes a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, quanto aos prejuízos sofridos pela não entrega do andar, desde a data em que os autores a interpelaram para tal.

Julgou-se a reconvenção improcedente, sem prejuízo da Autora instaurar futura acção contra a herança/herdeiros do promitente vendedor.

Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 11.12.2007, julgou parcialmente procedente o recurso, absolvendo os Autores da instância reconvencional, e declarou os mesmos comproprietários do 1° andar esquerdo do dito imóvel, condenando a Ré a entregar imediatamente o andar aos autores, livre de pessoas e bens e a pagar-lhes a quantia que vier a liquidar-se em incidente de liquidação de sentença quanto aos prejuízos sofridos pela não entrega do andar, desde a data em que os autores a interpelaram para tal.

Condenou, ainda, a Ré como litigante de má fé na multa de 5 UCs.

Novamente inconformada, a mesma veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1ª.- A posse traduz-se numa relação material com a coisa ("corpus") e na intenção de exercer sobre esta o direito real correspondente àquela relação ("animus").

2a.- A aquisição da posse tem de conter estes dois elementos.

3*.- A corrente jurisprudencial maioritária aponta no sentido de que a tradição (da coisa), em caso de contrato promessa de compra e venda, pode, em casos excepcionais, envolver a transmissão da posse a favor do promitente comprador, tudo dependendo do "animus" que acompanha o "corpus", pois como resulta do conceito legal de posse, esta é integrada por esses dois elementos.

4a.- Está provado que a recorrente, aquando da celebração do contrato promessa, pagou 50% do preço, tendo-se convencionado que a escritura de compra e venda seria celebrada até 31 de Dezembro de 1975.

5a.- Após...

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