Acórdão nº 614/06.5TTBCL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2009
Data | 27 Outubro 2009 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : 1. Tendo o trabalhador sido contratado para dar consultas médicas no Serviço de Atendimento Permanente, o que fazia há 16 anos, e sendo a sua retribuição composta por uma parte fixa e por uma parte variável que correspondia a uma percentagem sobre o valor das consultas dadas e dos actos médicos realizados, a entidade empregadora não pode unilateralmente alterar as referidas condições de trabalho, retirando o autor do Serviço de Atendimento Permanente e passando-o para o regime de consultas programadas (com marcação prévia), por tal se traduzir numa alteração dos termos contratuais que entre as partes vigoravam.
-
Tal alteração, que se traduziu numa redução substancial da parte variável da retribuição, constitui justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho.
-
A indemnização devida ao trabalhador pela resolução com justa causa do contrato de trabalho tem natureza unitária e abarca os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e deve ser fixada dentro dos limites previstos no art.º 443.º, n.º 1, do CT/2003.
-
Só assim não será, eventualmente, se o valor dos danos efectivamente sofridos pelo trabalhador exceder o valor da indemnização máxima a que ele teria direito, calculada nos termos do n.º 1 do art.º 443.º, pois, nesse caso, a constitucionalidade deste normativo legal poderia ser questionada por violação do princípio de justiça, ínsito a um Estado de direito democrático como é a República Portuguesa (art.º 2.º da CRP).
-
A lei não especifica os critérios a que o tribunal deve atender na fixação da referida indemnização, mas parece evidente que terá de levar em consideração, nomeadamente, a gravidade objectiva e subjectiva da conduta da entidade empregadora, à relevância dos direitos do trabalhador que por esta foram violados, ao valor dos danos efectivamente sofridos pelo trabalhador, à retribuição base e diuturnidades que por este eram auferidas e à sua antiguidade na empresa.
-
A antiguidade a atender para efeitos no disposto no art.º 443.º, n.º 1, é a antiguidade na empresa e esta corresponde ao período temporal em que o trabalhador se encontra integrado na organização laboral do empregador.
-
Tendo-se decidido na 1.ª instância, com trânsito em julgado, que o vínculo contratual que, efectiva e ininterruptamente, existiu entre as partes, desde 9.10.1990 até 9.6.2006, sempre revestira a natureza de contrato de trabalho subordinado, apesar de, nos períodos de 9.10.90 a 24.2.92 e de 1.8.96 a 1.2.2002, a relação laboral se ter processado, formalmente, a coberto de contratos que as partes denominaram de prestação de serviço, não podemos deixar de concluir que entre as partes só existiu um contrato de trabalho e que a antiguidade do trabalhador deve ser reportada a 9.10.90.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Barcelos, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra HOSPOR – H... P..., S. A.
, pedindo que: i) - se declarasse que era trabalhador subordinado da ré, desde a data da sua admissão, em 9.10.1990; ii) - se julgassem nulos os contratos de prestação de serviço celebrados entre si e a ré; iii) - se julgasse lícita a resolução, por si operada, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho que mantinha com a ré; iv) - a ré fosse condenada a pagar-lhe as seguintes importâncias, acrescidas dos respectivos juros moratórios, desde a data do vencimento e até integral pagamento: - € 33.636,00, a título de férias e subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002 a 2005; - € 1.880,03, a título de proporcionais das férias referente ao ano de 2006; - € 1.880,03, a título de proporcionais do subsídio de férias referente ao ano de 2006; - € 1.880,03, a título de proporcionais do subsídio de Natal referente ao ano de 2006; - € 98.445,60, a título de indemnização pela resolução, com justa causa, do contrato de trabalho; - € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por causa da resolução.
Em resumo, o autor alegou o seguinte: - em 9.10.1990, foi admitido ao serviço da ré, que então, se denominava C... – C... M... da P... de V..., S. A., para, mediante retribuição, exercer as funções de médico de clínica geral, nas instalações que a mesma possui na Póvoa de Varzim, através de um contrato que foi denominado de prestação de serviço; - em 24.2.1992, a ré celebrou com o autor um contrato de trabalho por tempo indeterminado; - em Agosto de 1996 e em Maio de 1997 foram celebrados novos contratos de prestação de serviço e, em 2.2.2002, foi celebrado um novo contrato de trabalho por tempo indeterminado; - apesar dos referidos contratos de prestação de serviço, a sua actividade sempre foi prestada em regime de subordinação jurídica à ré; - em 9 de Junho de 2006, resolveu, com justa causa, a relação laboral que vinha mantendo com a ré desde 9 de Outubro de 1990; - a sua retribuição era constituída por uma parte fixa e por uma parte variável, parte esta que a ré nunca fez incluir no pagamento das férias e dos subsídios de férias e de Natal; - a resolução do contrato causou-lhe graves danos não patrimoniais.
Na contestação, a ré impugnou a natureza laboral do vínculo jurídico que manteve com o autor nos períodos de 9.10.1990 a 1 de Março de 1992 e de 1 de Agosto de 1996 a 2 de Fevereiro de 2002; alegou que a resolução do contrato de trabalho tinha sido levada a cabo sem justa causa; afirmou desconhecer os danos não patrimoniais que o autor alegou ter sofrido; negou o direito à indemnização que a esse título foi por ele peticionada e, sem prescindir, alegou que o montante da mesma se afigurava manifestamente excessivo.
Realizado o julgamento, com gravação da prova, e fixada a matéria de facto, foi posteriormente proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 17.350,40, acrescida de juros de mora, sendo € 11.956,14 a título de férias, subsídio de férias e de Natal referentes aos anos de 2002 a 2005, inclusive (sendo € 1.496,40 referentes a cada um dos anos de 2002, 2003 e 2004 e € 7.466,94 referentes ao ano de 2005), e € 5.394,27 a título de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal referente ao anos da cessação do contrato (2006).
Mais concretamente, na sentença da 1.ª instância entendeu-se que: - o vínculo contratual mantido entre o autor e a ré, entre 9 de Outubro de 1990 e até 9 de Junho de 2006, tinha natureza laboral, mas que o mesmo não configurava um único contrato de trabalho, mas sim dois, um desde 9.10.1990 até 9.8.1996 (data em o autor assinou a declaração de quitação de fls. 114 dos autos) e outro desde 9.8.96 até 9.6.2006; - os eventuais créditos que o autor possa vir a ter direito apenas poderão ser contabilizados a partir de 9.8.96; - a justa causa invocada pelo autor para resolver o contrato de trabalho não existia; - a parte variável da retribuição auferida pelo autor dever ser computada no pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal.
No requerimento de interposição do recurso de apelação, o autor arguiu a nulidade da sentença e, nas alegações, impugnou parcialmente a decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como o decidido na sentença relativamente à justa causa por ele invocada para a resolução do contrato, à falta de unicidade do contrato de trabalho e ao montante que lhe atribuído a título de férias e de subsídios de férias e de Natal nos anos de 2002, 2003 e 2004, no atinente à parte variável da retribuição.
Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a arguida nulidade da sentença; julgou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditando-lhe dois novos factos; julgou procedente o recurso no que toca à antiguidade do autor, decidindo que a mesma se reporta a 9.10.1990; julgou improcedente o recurso no que toca à justa causa e parcialmente procedente no que toca ao valor da retribuição variável a ter em conta para efeitos da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004.
E, consequentemente, a Relação revogou a sentença no que concerne à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004, tendo condenado a ré a pagar ao autor, a esse título, à parte variável da retribuição, constituída por 40% do valor das consultas por ele realizadas e 10% sobre o valor dos actos médicos por ele efectuados, a liquidar posteriormente, acrescida dos juros de mora a partir da data da liquidação.
Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs recurso de revista, suscitando as questões que adiante serão referidas.
Por sua vez, notificada do despacho que admitiu o recurso do autor, a ré veio interpor recurso subordinado de revista, por entender que a antiguidade daquele deve ser reportada a 1.8.1996.
Ambas as partes contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso da parte contrária.
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso do autor e pela procedência do recurso da ré, em parecer a que só o autor respondeu, para dele discordar completamente.
Corridos os vistos dos adjuntos, cumpre apreciar e decidir, começando por chamar à colação a matéria de facto que a Relação deu como provada.
-
Os factos Os factos dados com provados na 1.ª instância foram os seguintes: 1.º - A ré dedica-se, com carácter lucrativo, à actividade de exploração de estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, com unidades por todo o país, nomeadamente na Póvoa de Varzim, Vila Nova de Cerveira, Setúbal, Amarante e Porto.
-
- No exercício dessa sua actividade, a ré – então denominada "C... – C... M... da P... de V..., S.A." – admitiu o autor ao seu serviço, por acordo reduzido a escrito no dia 9 de Outubro de 1990, denominado Contrato de Prestação...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO