Acórdão nº 3138/06.7TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução22 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A fixação dos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais deverá nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil.

  1. Entre estas é, porém, de afastar, por violação do princípio constitucional da igualdade, a relativa à situação económica do lesado.

  2. Na fixação do “quantum” indemnizatório releva ainda, por força do artigo 8.º, n.º3 do mesmo código, o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos semelhantes, em especial por este Supremo Tribunal.

  3. No que respeita à indemnização pela perda da capacidade de ganho, há que distinguir, logo à partida, os casos em que tem lugar efectiva perda de rendimentos daqueles em que tal perda se não verifica.

  4. Devendo ter lugar indemnização em ambos os casos, naqueles sabe-se ou pode-se prever, com alguma exactidão, qual foi ou vai ser o montante perdido.

  5. Este montante constitui o ponto de partida da fixação indemnizatória, a corrigir, tendo em conta outros factores, mormente o do recebimento antecipado de todo o capital.

  6. O recebimento antecipado de todo o capital deve ainda ser tido em conta relativamente à parcela indemnizatória referente ao pagamento a terceira pessoa da qual o sinistrado ficou dependente.

  7. Dispondo-se, na sentença de 1.ª instância, que “as quantias foram actualizadas à data presente” só são devidos juros a partir de tal data.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Na comarca de Matosinhos, AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra: A Companhia de Seguros Tranquilidade.

    Alegou, em síntese, ter sido atropelada por veículo segurado na ré, cujo condutor não atendeu à sua travessia da rua que identifica, com as consequências que detalhadamente refere.

    Pediu, em conformidade: A condenação desta a pagar-lhe 362.488,32 €, acrescidos de juros, contados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento, e ainda a quantia que se vier a liquidar, relativamente aos danos que, a este propósito, refere.

    A ré contestou, imputando a responsabilidade do acidente à autora e dizendo desconhecer o mais por ela alegado.

    II – A acção prosseguiu a sua tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: “Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré no pagamento à autora da quantia global de cento e cinquenta e três mil, quinhentos e dezoito euros (153.518 €), acrescendo juros de mora de 4% a contar da data da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo a ré do demais pedido.” III – Apelaram autora e ré e o Tribunal da Relação do Porto decidiu: “Julgar parcialmente procedentes, por provados, os recursos interpostos pela Autora e pela Ré Tranquilidade e condenar agora a Ré a pagar à Autora o montante global de € 181 617,12, sem prejuízo da condenação da Ré em juros já decidida, quantia essa acrescida da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa à medicação analgésica e ansiolítica, total esse ao qual deverá ser deduzida a totalidade da quantia entretanto paga pela Ré à Autora a título de arbitramento de reparação provisória.” IV – Inconformadas, pedem revista autora e ré.

    Os recursos interpostos constituem, em grande medida, o verso e reverso da mesma realidade, de sorte que vamos conhecê-los em conjunto.

    V - Conclui a autora as alegações do seguinte modo: 1. A Recorrente não se conforma com o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto no que se refere ao "quantum" compensatório/indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais, dano patrimonial futuro pela perda da capacidade de ganho e dependência da assistência de uma terceira pessoa.

  8. O pedido da Recorrente quanto aos danos não patrimoniais foi de 60.000,00 € (Sessenta mil euros). O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto fixou a indemnização pelo dano não patrimonial da Recorrente em 45.000,00 € (Quarenta e cinco mil euros).

  9. O pedido quanto ao dano patrimonial futuro pela perda da capacidade de ganho foi de 150.000.00 € (Cento e cinquenta mil euros). O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto fixou a indemnização pelo dano patrimonial futuro/perda da capacidade de ganho em 80.000.00 € (Oitenta mil euros).

  10. E o pedido quanto à assistência de terceira pessoa foi 150.000.00 € (Cento e cinquenta mil euros). O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto fixou a indemnização devida pelo auxílio de terceira pessoa para os serviços domésticos em 40.000.00 € (Quarenta mil euros).

  11. A Recorrente, em consequência do acidente dos autos, ficou TOTALMENTE INCAPAZ PARA O EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO de empregada doméstica, a única actividade que sempre exerceu, não conhecendo qualquer outra.

  12. Acresce que, a Recorrente é uma pessoa sem habilitações literárias e atenta a sua idade e as suas limitações físicas e mentais (em consequência do acidente) não tem qualquer possibilidade de reconversão profissional ou de exercer uma actividade profissional remunerada.

  13. A Recorrente trabalhava em diversas casas como empregada doméstica, tendo ficado provado que antes do acidente trabalhava, pelo menos (facto provado) em duas casas particulares onde auferia a quantia mensal de 495,00 € (Quatrocentos e noventa e cinco euros).

  14. Ou seja, face à matéria de facto provada não se excluiu, de acordo com o que foi alegado pela Recorrente, que a mesma antes do acidente trabalhava ou podia trabalhar em mais do que duas casas, o que efectivamente sucedia.

  15. É de certa forma um facto notório, do conhecimento do comum do cidadão, que uma empregada doméstica, nos concelhos do "grande Porto", recebe no mínimo 6,00 € a 7,00 € à hora, sendo esta uma actividade muito requisitada e com escassa oferta.

  16. Face ao exposto, uma empregada doméstica, nomeadamente a Recorrente, mesmo que não trabalhe aos sábados e se limitar a trabalhar 40 horas por semana, pode auferir um rendimento médio mensal de 1.000,00 € (Mil euros) a 1.200.00 € (Mil e duzentos euros).

  17. Ora, foi precisamente essa possibilidade, essa capacidade de ganho que foi totalmente coarctada à Recorrente, porque a mesma ficou totalmente impossibilitada de exercer a actividade de empregada doméstica.

  18. A Recorrente tinha 51 anos à data do acidente, pelo que, pela frente tinha pelo menos mais 19 a 24 anos de vida activa, considerando que actualmente o tempo provável de duração da vida activa cifra-se nos 70 a 75 anos de idade.

  19. E para além de ficar totalmente incapacitada para a sua profissão e a necessitar diariamente de medicação analgésica e ansiolítica ficou DEPENDENTE DE TERCEIRA PESSOA para as lides domésticas e para sair à rua.

  20. As graves lesões sofridas pela Recorrente, em especial as lesões cranianas, deixaram sequelas de tal modo incapacitantes (física e mentalmente) que impedem a Recorrente de ser uma pessoa autónoma, de tratar de si, da sua casa e da sua família.

  21. A Recorrente, em consequência do acidente, não é uma pessoa autónoma/independente, sendo que para um simples passeio tem que ser acompanhada por terceira pessoa como se de uma criança de tenra idade se tratasse.

  22. Essa total dependência de terceira pessoa para sair de casa sozinha implica por exemplo que desde o acidente a Recorrente não tem a capacidade física e mental para levar o seu filho à escola (com nove anos à data do acidente) ou de sair de casa para executar tarefas banalíssimas para o comum dos cidadãos como ir a um supermercado, a uma loja ou a uma farmácia.

  23. Face às consequências na vida profissional, social, pessoal e afectiva da Recorrente e os recentes padrões de indemnização doutamente adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça, os montantes arbitrados quanto à compensação pelo dano não patrimonial, a indemnização pelo dano patrimonial futuro e pela dependência da assistência de terceira pessoa, devem ser fixados em montante superior ao que foi fixado no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

  24. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo um critério de equidade, considerando o grau de culpa do lesante, a situação económica do responsável e do lesado e sempre proporcional à gravidade do...

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