Acórdão nº 6041/04.1TBBRG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução13 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - Quer os direitos especiais, a que se refere o art. 24.º do CSC, quer as obrigações ou prestações acessórias, a que alude o art. 209.º do mesmo código, fazem parte integrante do contrato de sociedade.

II - Não se trata de direitos ou obrigações emergentes de negócios exteriores, ainda que acessórios, ao contrato de sociedade, antes são parte constitutiva do próprio contrato social e, por isso, só podem ser conferidos ou impostos a sócios da sociedade estipulante, como direitos sociais exclusivos desses sócios ou obrigações deles para com a sociedade.

III - Tratando-se de direitos ou obrigações estatutárias, não pode haver qualquer dúvida de que a estipulação de tais obrigações e direitos só pode ter lugar entre todos os sócios, embora só alguns possam estar a eles sujeitos ou beneficiar do direito especial.

IV - No caso concreto, o pacto social da ré não podia criar direitos especiais ou obrigações acessórias a atribuir ou a impor a terceiros não sócios, que não participaram no contrato de sociedade onde foram estipulados. Ao estender a terceiros tais direitos e obrigações, o contrato social contraria directamente lei imperativa e, nessa parte, é nulo – cf. arts. 280.º, n.º 1, e 294.º do CC.

V - Não tendo o autor outorgado o contrato de sociedade, nunca a ré poderia impor-lhe qualquer obrigação ou exigir-lhe qualquer prestação dos seus serviços médicos, assim como a atribuição de um qualquer direito especial a pessoa não sócia, não passaria nunca de uma declaração unilateral da ré, irrelevante como fonte de obrigações, cujo cumprimento, por isso mesmo, o autor, como “terceiro beneficiário”, não pode exigir-lhe.

VI - Quer o pacto social, quer o regulamento interno que nele encontra o seu fundamento, não podiam gerar qualquer direito especial para o autor, semelhante aos que podia efectivamente gerar para os sócios da ré.

Decisão Texto Integral: Relatório*No tribunal Judicial da Comarca de Braga e, AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Clínica Particular de B..., Ld.ª, alegando em resumo: - o A. é sócio da Sociedade Clínica Senhor da Cruz de B..., Ld.ª, a qual, por sua vez, é sócia fundadora da Ré.

- por protocolo interno ficou estabelecido que os sócios da Clínica Senhor da Cruz de B... Ld.ª, manteriam na nova sociedade, aqui Ré, todos os direitos que detinham enquanto sócios daquela, ou seja, manteriam no âmbito da Ré, a possibilidade de intervirem directamente nos órgãos colectivos, designadamente nas assembleias gerais, manifestando-se a título individual, como se fossem directamente sócios da Ré.

- Assim, nessa qualidade, todo o médico que tivesse a qualidade de sócio de qualquer das sociedades, tinha assegurado o direito de prestar serviço nas instalações da Ré.

- E, estava definido que em cada área de especialidade médica, havia um responsável que deveria obrigatoriamente ser sócio (entendendo-se esta qualidade de sócio como abrangendo, sem qualquer restrição, os sócios da Clínica Senhor da Cruz de B... Ld.ª), só podendo ser concretizada a suspensão ou revogação do direito dos sócios médicos ao exercício da sua actividade nas instalações da Ré (estando incluídos nessa qualidade de sócios, os sócios da Clínica Senhor da Cruz de B... Ld.ª) após o decurso de processo disciplinar, a instaurar pelo Conselho de Administração, sob proposta do Director Clínico, o que significa que o médico/sócio só podia ver a sua actividade suspensa ou interrompida, após apuramento de factos graves, praticados dolosa ou negligentemente, nas instalações da Ré, em sede disciplinar.

- O A., desde o início do funcionamento da Ré prestou serviço nas suas instalações, na área de dermatologia, tendo sido nomeado Director do respectivo Departamento Médico.

- O A. exerceu tais funções, ininterruptamente até 23/08/2001, data em que foi impedido pelos funcionários da Ré, do exercício das referidas funções, - situação que se mantém, sendo certo que tal derivou de ordens do Conselho de Administração da Ré, sem que lhe tenha sido instaurado qualquer processo disciplinar.

- Por causa da conduta da Ré o A. sofreu prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, computando os 1ºs em 79.914,07€ e os 2ºs em 90.000 €.

*Contestou a Ré, alegando resumidamente: - o A. confunde a sua qualidade de sócio da Clínica Senhor da Cruz de B..., L.da, com o facto de ser colaborador da Ré, bem como confunde um vínculo laboral com a prestação de serviços e colaboração.

- nega a existência do protocolo interno referido pelo A.

- assim como nega que qualquer médico de Clínica Senhor da Cruz de B... Ld.ª, tivesse assegurado o direito de prestar serviços nas instalações da Ré, ou sequer de consigo colaborar, já que apenas à Ré cabia o exclusivo de escolher e nomear os seus colaboradores; - o A., enquanto seu colaborador, no exercício da sua profissão, não actuava sob a autoridade e direcção da Ré, antes agia com total autonomia na gestão da sua agenda, não sendo a Ré quem dirigia a prestação do trabalho.

- Era o A. que agia de acordo com os seus interesses, marcando e desmarcando consultas, determinando os dias em que pretendia consultar, faltando sem ter que apresentar explicação e marcando férias em consonância com os seus interesses pessoais, limitando-se a informar os serviços administrativos da Ré de tais intenções.

- Entre o A. e a Ré, existia tão só uma mera colaboração que consistia na cedência que a Ré fazia ao A. das suas instalações, aí dando ele as consultas aos doentes que se dirigiam a tais instalações para serem atendidas por qualquer médico e executando o A. o acto médico, cobrando um determinado preço, retirando dele a maior parte para si, entregando o remanescente à Ré como compensação pela utilização das instalações, do equipamento e dos funcionários da Ré.

- Tal relacionamento poderia cessar mediante mera comunicação feita ao A., no sentido de não mais estar interessada na sua continuação (o que poderia acontecer também inversamente), comunicação essa que a Ré fez em 23/8/2001, por entender, então, não estar interessada em prolongar a colaboração com o A., visto este, constantemente, desmarcar as consultas, faltar e desrespeitar os doentes com a sua actuação, o que originou o descontentamento de muitos doentes, prejudicando indirectamente a Ré, além de que o A. desviava para o seu consultório particular alguns doentes da Ré.

- Alega ainda que com a cessação da colaboração do A., este não sofreu qualquer prejuízo, já que é funcionário público, pertencente ao quadro do Hospital de Braga, onde exerce funções, além de manter aberto consultório na cidade, onde diariamente exerce clínica privada.

*Replicou o A..

*Findos os articulados foi proferido despacho, nos termos do Art. 508º n.º 1 b) do C.P.C. a convidar o A. a apresentar articulado, suprindo a insuficiência e imprecisão da p.i., designadamente, para alegar de onde emanou o protocolo interno a que alude, e, qual a deliberação e órgão donde proveio o alegado protocolo interno.

Aceitando tal convite, veio o A. alegar que no pacto social da Ré ficou expressamente consignado que os sócios da Clínica Senhor da Cruz de B... L.da, gozariam dos mesmos direitos e regalias que os sócios da Ré no que concerne à prestação de serviços, a definir em regulamento interno, que veio a ser elaborado, aí se definindo os direitos dos médicos/sócios.

*Respondeu a Ré, alegando desde logo, que o invocado artigo do seu pacto social foi eliminado, eliminação essa que o A. conheceu.

*Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

*Procedeu-se a julgamento e, discutida a causa foi proferida sentença final que julgou a acção parcialmente procedente.

Na verdade, entendeu a sentença que a Ré não podia, unilateralmente, fazer cessar a colaboração com o A., daí que, tendo este, nos 19 meses que colaborou com a Ré auferindo, em média, o rendimento mensal de 3.475,58 €, condenou a Ré a pagar-lhe, na vertente dos danos patrimoniais peticionados e a título de lucros cessantes, a quantia global de 90.365,08 € (quantia superior ao pedido a este título, mas não superior ao pedido globalmente considerado).

No que respeita aos danos morais também peticionados, entendeu-se não se justificar qualquer indemnização, improcedente, pois, nesta parte, o pedido.

* Condenou ainda a Ré como litigante de má-fé (por ter negado a existência do regulamento interno alegado pelo A., que se provou ter existido) na multa de 20 UC’s.

* Apenas a Ré recorreu quer da condenação principal, quer da condenação em multa como litigante de má-fé, mas sem êxito, visto que a Relação julgou improcedentes os recursos, confirmando a sentença recorrida.

* É deste acórdão que, novamente inconformada, volta a recorrer a Ré, agora de revista e para este S.T.J..

* * * *Conclusão*Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:* * * Conclusão da Revista * * *I. Nos presentes autos, o Tribunal da Relação de Guimarães, e ao contrário do que lhe competia, não emitiu pronúncia nomeadamente sobre a questão de o pacto social de uma sociedade poder determinar a exclusão de sócios de outra sociedade; ou à questão de saber quem ou que órgão vincula a sociedade recorrente; ou simplesmente como se contorna o facto de falarmos de actos de um alegado conselho de administração no âmbito de uma sociedade por quotas; ou no facto de se ser condenado como litigante de má-fé por se desconhecer um documento emanado por um órgão que não existe nem nunca existiu (esse mesmo conselho de administração).

  1. A sentença apelada, no que respeita ao pacto social da Cínica Particular de B..., teve em conta que: (i) podem ser excluídos da sociedade, por deliberação da assembleia-geral, reunindo o acordo de três quartas partes do capital social, os sócios que recusarem a prestar os seus serviços profissionais à sociedade, nas condições definidas em assembleia-geral e os sócios que...

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