Acórdão nº 1958/07.4TBAGD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelMÁRIO CRUZ
Data da Resolução17 de Setembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : I. Define-se como cláusula penal a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou a não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária.

  1. Em princípio a cláusula penal é devida na totalidade estipulada, mas pode ser reduzida excepcionalmente, quando se mostre manifestamente excessiva ou exagerada face aos danos efectivos.

  2. A interpretação da declaração negocial deve fazer-se de acordo com a vontade real do declarante, sempre que o declaratário a conheça (raiz subjectivista); se porventura a não conhecer, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal pudesse deduzir do comportamento do declarante, salvo se o declarante não pudesse razoavelmente contar com ele (raiz objectivista subsidiária); no entanto, se o negócio for formal, há-de haver no texto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (restrição formalista); se mesmo assim houver dúvidas, prevalece nos negócios gratuitos o menos oneroso para o disponente, e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA e mulher BB instauraram acção declarativa com processo ordinário contra 1.º) CC, 2.ºs) DD e mulher EE, 3.ºs) FF e mulher GG, pedindo - a condenação solidária dos Réus a pagar-lhes € 50.000,00 a título de indemnização, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

    Para o efeito, alegaram os AA. terem celebrado com os RR. um contrato que entre outras coisas contemplava a divisão e cessão de quotas que o A. detinha na sociedade “C... – C... de G..., Lda”, a favor dos 1.º, 2.ºs e 3.ºs RR., mediante o pagamento de determinada quantia a pagar segundo um certo plano e ainda com a obrigação, por parte dos RR., de, no prazo de um ano, estes lhes entregar documentos comprovativos de libertação de avales, fianças ou empréstimos prestados pelos AA. à referida sociedade, sendo a importância aqui pedida a título indemnizatório a decorrente da cláusula penal fixada então para a eventualidade de incumprimento definitivo de qualquer das obrigações assumidas pelos RR. excepto a da forma de pagamento. (fls. 2 a 10) Contestaram os Réus impugnando factos e discordando da interpretação contratual feita, sustentando não ser de aplicar a cláusula penal à situação em crise, porque entre outras razões não existe ainda incumprimento deles; para o caso de assim não ser entendido, deduziram subsidiariamente reconvenção em que pedem que sejam os AA. condenados a restituir-lhes os montantes já satisfeitos em pagamento das quotas após a propositura da acção, os quais ascendem a € 16.666,66, além dos juros. (fls. 40 a 50) Replicaram os Autores reiterando o pedido inicial, mesmo para a hipótese de simples mora dos Réus.

    Sustentaram a improcedência da reconvenção, pelo que, quanto a ela, pedem a absolvição do pedido.

    Terminaram pedindo ainda a condenação dos RR. em multa e indemnização como litigantes de má fé.(fls. 69 a 83 da nova numeração) Treplicaram os RR., concluindo como na contestação/reconvenção.

    O M.º Juiz dirigiu aos AA. convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, tendo eles acedido a apresentar nova petição (fls. 125 a 134 ) Na respectiva sequência, os RR. apresentaram nova contestação, na qual se pronunciaram sobre os novos factos alegados. (fls. 161 a 165) Saneado e condensado o processo (fls. 172 a 180), seguiu ele para a instrução e julgamento, em cuja audiência foram dadas as respostas aos quesitos da base instrutória (fls. 323 e 324) e proferida Sentença.(fls. 316 a 333) Esta veio a julgar improcedente por não provada a acção, absolvendo os RR. do pedido, considerando prejudicada a apreciação da reconvenção por ter sido deduzida apenas como subsidiária da eventual procedência da acção.

    Apelaram os AA..

    A Relação, no entanto, julgou improcedente a apelação e confirmou a Sentença. (fls. 386 a 399) Continuando irresignados, pedem agora os AA. Revista do Acórdão.(fls. 404) Admitido o recurso (fls. 415), foram apresentadas alegações (fls. 418 a 440).

    Os RR. contra-alegaram. (fls. 448 a 458) Remetidos os autos a este Supremo Tribunal foi aceite a Revista com o efeito devolutivo que lhe vinha atribuído.

    Correram os vistos legais.

    …………………… II. Âmbito do recurso Vamos começar por transcrever as conclusões apresentadas pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso, dado que, nos termos dos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC é nelas que se devem delimitar as questões que aqueles pretendem ver reapreciadas.

    Assim: “

    1. Salvo o devido respeito por douta opinião em contrário, não podem os Recorrentes concordar com o douto aresto recorrido, já que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice, atenta a matéria factual apurada; encontrando-se violadas as normas constantes dos artigos 236.º, 237.º, 810.º, 811.º e 812.º do Código Civil.

      Ora B) Consta do negócio jurídico realizado pelos Recorrentes e Recorridos, além do mais, que estes últimos "obrigam-se a no prazo de 365 dias após esta data - 28/12/2005 - a obterem e a entregarem aos cedentes - ora Recorrentes - documentos emitidos pelos bancos e ou por qualquer credor a quem tenham estes prestado ou concedido o aval ou fiança a empréstimos feitos à sociedade C...- C... de G..., Lda e em que conste que os mesmos não têm qualquer responsabilidade".

    2. Os Recorridos, como resulta da matéria de facto julgada provada, não cumpriram, dentro do prazo que foi fixado, a referida obrigação contratual; nem após os Recorrentes os interpelarem para procederem ao cumprimento dessa obrigação.

    3. Na escritura objecto dos presentes autos, as partes acordaram, também, que em caso de incumprimento de alguma das cláusulas constante da mesma – com excepção da cláusula referente ao modo de pagamento - obrigam-se os faltosos a pagar à parte não faltosa a indemnização de € 50.000.00 (cinquenta mil euros); quantia essa que foi fixada a titulo de cláusula penal.

    4. Sucede que os Recorridos só vieram cumprir, parte, da obrigação objecto dos presentes autos após terem sido citados para uma primeira acção que os Recorrentes contra estes instauraram - e que foi julgada inepta -, referida no ponto U) da matéria assente.

    5. Sendo que a garantia prestada pelos Recorrentes e referida nas alíneas N) a P) dos factos assentes só após a instauração dos presentes autos é que foi feita a desvinculação dos Recorrentes, veja-se além do mais, o teor do documento junto aos autos a fls., constituído por uma carta enviada pelo SPGM, datada de 3 de Março de 2008.

    6. Os Recorridos ao não satisfazerem a prestação no prazo que foi fixado, nem após terem sido interpelados, entraram em mora no cumprimento, o que permite aos Recorrentes - atenta a declaração negocial - exigir a indemnização que as partes fixaram para a eventualidade de uma delas não cumprir com qualquer uma das obrigações resultantes do negócio jurídico - excluindo a parte do pagamento do preço.

    7. Com efeito, a cláusula que vem sendo mencionado foi estipulada pelas partes para estimular o devedor ao cumprimento da sua obrigação - in casu, para os Recorridos obterem junto das instituições bancárias e outras entidades os documentos que desvinculassem os Recorrentes dos avales e garantias prestadas em nome da C... . I) Pelo que a pena estipulada, aqui com cariz indemnizatório, torna-se exigível logo que haja mora do devedor; o que se verifica por parte dos Recorridos que não cumpriram dentro do prazo que lhes foi concedido a obrigação a que estavam adstritos.

    8. Não sendo desproporcionado nem o valor nem a sua exigibilidade, ainda que a par da faculdade conferida aos Recorrentes de exercerem o direito de regresso em caso de estes terem de pagar alguma dívida da sociedade, pois, neste caso a cláusula funcionaria também como elemento indemnizatório de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que da litigiosidade podiam advir: os gastos com as acções, honorários, o tempo perdido, os aborrecimentos e incómodos que uma acção judicial acarreta, etc.

    9. O que também se verifica in casu, pois os Recorrentes para verem cumprida a obrigação assumida pelos Recorridos, tiveram que recorrer da via judicial, caso contrário estes nunca mais teriam cumprido com os consequentes gastos inerentes ao recurso judicial.

    10. Por outro lado, e se...

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