Acórdão nº 3743/04.6TBMTS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução08 de Setembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Sumário : I - No contrato de empreitada, não existindo cláusula em contrário, o preço deve ser pago no acto da aceitação da obra (art. 1211.º, n.º 2, do CC). Não se demonstrando estar a obra concluída e aceite aquando da suspensão e recusa do reinício dos trabalhos pela empreiteira, não seria exigível, na altura, o pagamento do preço.

II - Tendo a empreiteira recusado cumprir integralmente a sua prestação, ou seja, proceder à finalização da obra, sendo esta, na altura, ainda possível de realizar, e tendo os credores interesse nessa realização, aquela constituiu-se em mora. Pese embora não se tenha demonstrado que os credores efectuaram uma interpelação formal à empreiteira para cumprir, o certo é que, tendo-se a empreiteira recusado a reiniciar os trabalhos, se constituiu, com essa recusa terminante, em mora. De resto, a própria recusa pressupõe uma interpelação (extrajudicial) para cumprir, sabendo-se que esta interpelação pode ser feita por qualquer dos meios admitidos para a declaração negocial (arts. 217.º e 224.º do CC).

III - Face à recusa de ultimação da obra por parte da empreiteira, com a constituição desta em mora, poderiam os credores pedir, em razão dela, uma indemnização por perdas e danos. Como a mora não extinguiu a obrigação, a devedora continuou adstrita a satisfazer a obrigação em atraso. A simples mora por parte da empreiteira não dava aos donos da obra o direito de resolver o contrato (não está em causa in casu o chamado “negócio fixo absoluto” em que o termo é essencial). A mora da empreiteira dava sim, ensejo aos credores de procederem à interpelação admonitória e então, verificando-se os respectivos pressupostos, considerar definitivamente não cumprida a obrigação.

IV - Ao não procederem da forma preconizada (não pedindo uma indemnização da empreiteira por perdas e danos, nem fazendo a interpelação admonitória), procedendo, logo depois do início da mora da outra parte, à entrega da ultimação da obra a terceiros, os donos da obra tornaram impossível a prestação (integral) da contra-parte.

V - Com a entrega da obra a outra entidade, os donos da obra, para além de tornarem impossível a prestação da empreiteira, extinguiram o contrato de empreitada que celebraram, através da desistência (tácita) dele, pelo que, nos termos do art. 1229.º do CC, terão de indemnizar a empreiteira pelos danos emergentes e lucros cessantes.

* Sumário elaborado pelo relator Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- M..., Construção Civil e Obras Públicas S.A.

, com sede em Padim, Oldrões, Penafiel, propôs a presente acção com processo ordinário contra AA e marido BB, residentes na Rua do Regadio, nº ..., 4.450-365 Matosinhos pedindo que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 337.746,94 €, correspondente à soma do capital em dívida e juros vencidos, acrescida de juros vincendos contados à taxa legal anual de 12% até integral e efectiva pagamento, reconhecendo-se que tem direito de retenção sobre a obra por si executada no seu prédio, até integral e efectivo pagamento do seu crédito.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que na sequência de orçamento apresentado pela A. em Junho de 2002, a R. adjudicou-lhe a execução das obras de infra-estruturas necessárias ao loteamento de um prédio sito na Rua de S. Gens, em Custóias, Matosinhos, de sua propriedade, pelo preço global de 364.122,46 €, acrescida de IVA à taxa legal, num total de 433.305,73 €. A R. entregou-lhe o prédio, para que a obra contratada nele fosse implantada, e esta foi executando os trabalhos contratados. A A. facturou à R., em 05.07.2002, a quantia de 120.812,26 € acrescida de IVA, num total de 143.764,21 € e, em 04.10.2002, a quantia de 238.392,20 € acrescida de IVA, num total de 283.686,72 €, sendo que o pagamento destas facturas devia ser feito no prazo de 30 dias a contar da sua emissão, como havia sido combinado entre as partes. A R., porém, só pagou 142.000,00 € em 31.12.2002, 25.000,00 € em 31.07.2003, mantendo-se devedora do capital de 278.450,93 €. À quantia em divida acrescerão os juros vincendos até integral e efectivo pagamento, contados à referida taxa anual de 12%. Em consequência da necessidade de apresentação de um aditamento na EDP e dos próprios interesses de mercado da R., esta ordenou a suspensão dos trabalhos, perto do final do ano de 2002, quando a empreitada estava praticamente concluída só faltando proceder à pavimentação das ruas. A empreitada foi-se mantendo suspensa por interesse da R. e na sequência de diversas negociações a A acabou por aceitar, em 22.01.2004, executar os trabalhos constantes do aditamento aprovado pela EDP, pelo preço, quase imposto pela R., de 15.000,00 € acrescido de IVA, porque assim desbloquearia a situação que lhe estava a ficar extremamente prejudicial e criava as condições para rapidamente receber o seu crédito e concluir a empreitada. Começou, então, a A. a querer acertar o pagamento do capital em dívida de 278.450,93 €, como condição para concluir a empreitada, aceitando até receber parcialmente o seu crédito e calendarizar o pagamento do restante. A R. começou então a dizer que só pagava parte com a recepção provisória da obra pela Câmara Municipal de Matosinhos e outra parte com a recepção definitiva, exigindo da A. a conclusão e entrega da obra, sem lhe pagar nem mais um tostão, o que esta recusou. Em 23.04.2004, a A passando no local de execução de empreitada, verificou a presença de uma sociedade empreiteira terceira, preparando-o para a finalização dos trabalhos. Aproveitando-se do facto de a empreitada ter sido praticamente concluída, a R. terá adjudicado a terceiro os poucos trabalhos sobrantes, sem disso dar conhecimento à A., nem à própria Câmara Municipal de Matosinhos que licenciou a empreitada com base no Alvará e termo de responsabilidade e seguros apresentados pela A.. O objectivo da R. era acabar a empreitada pagando uma quantia pequena ao terceiro, ficando a dever à A. a quase totalidade da obra executada. Perante isto a A. colocou no local camiões e máquinas com vista a impedir a continuação da execução da empreitada por terceiros. Mas a R. enviou para o local gruas, com vista a remover esses obstáculos, retirando-os para local que não impedisse a execução dos trabalhos pela sociedade terceira. Usando a força, expulsou os trabalhadores da A. e retirou a esta a posse da obra executada, mantendo no local quer pessoal de sua confiança, quer da sociedade empreiteira terceira. Tendo direito de retenção sobre a obra por si feita para garantia do pagamento das despesas que realizou na execução dela interpôs, em 27.04.2004, procedimento cautelar de restituição provisória de posse que correu termos com o nº 2662/04.1TBMTS pelo 6º Juízo Cível deste Tribunal, que foi deferida, sendo ordenada a requerida restituição das obras e infra-estruturas necessárias ao loteamento do prédio sito na Rua de S. Gens, freguesia de Custóias, concelho de Matosinhos, pertencente à R.. Os RR. são casados sob o regime da separação de bens, tendo a dívida sido contraída no exercício da actividade profissional exercida em nome da R. mulher, mas que é efectivamente liderada pelo R. marido, que foi quem, em nome do cônjuge, tudo tratou com a A.. A dívida foi contraída em proveito comum do casal, que com os respectivos lucros fará face aos encargos normais da vida familiar.

Os RR. contestaram alegando não assistir qualquer razão à A. sendo que esta invoca factos cuja falsidade não podia deixar de conhecer. A R. adjudicou à A. a realização da obra descrita no art. 1º da petição inicial pelo valor ali enunciado. Porém, todo o negócio foi contratado entre o administrador da A., Sr. BB, e o R. CC, que eram, de longa data amigos e conhecidos. Sabia aquele administrador da A. que os RR não tinham em meados de 2002, liquidez para fazer face ao pagamento das obras de infra-estrutura orçamentadas e que teriam de recorrer a um financiamento bancário, para poder custear aquelas obras de loteamento, financiamento cuja negociação, aprovação e concessão seriam, necessariamente, morosas. Não obstante o administrador da A. propôs aos RR. avançar com a realização das obras, acordando com eles que pagariam o respectivo valor quando pudessem, e à medida que entidade bancária lhes fosse disponibilizando os valores do financiamento que iam tentar obter, tendo ficado bem claro entre ambos, que pagamento integral do preço só seria devido depois de as obras de infra-estrutura estarem concluídas, e devidamente recepcionadas pelas entidades administrativas com poderes de vigilância e superintendência sobre o loteamento. É prática corrente em obras do género o dono reter uma parte do preço como garantia da aprovação executado, e para a eventual rectificação que se mostre necessária. Os RR diligenciaram a obtenção do financiamento de que careciam, e que obtiveram junto da «Caja Duero– Caja de Ahorros de Salamanca y Soria», em 17 de Dezembro de 2002. A A havia remetido aos RR os autos de medição datados de 28 de Junho e de 30 de Agosto de 2002, acompanhados das respectivas facturas, mas não pretendeu na altura que os RR as pagassem, nem reclamou deles esse pagamento, pois bem sabia que nessas datas estes ainda estavam a negociar a concessão do necessário financiamento. E tanto assim era que continuou com a realização das obras de infra-estrutura do loteamento até 19 de Dezembro de 2002, data em que estas obras foram suspensas. A suspensão ficou a dever-se ao facto de, por imposição da EDP, se ter tornado necessário proceder à alteração de localização do posto transformador de corrente eléctrica e não a qualquer falta de cumprimento dos RR, que, de facto, não se verificava. A A. apresentou um orçamento para efectuar as obras impostas pela EDP muito superior ao de outros empreiteiros. Depois de longas negociações...

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